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sexta-feira, 21 de junho de 2013

O terrível Nonô Piquete  

                                              Crônica de Cyro de Mattos

Era feio, tinha a voz fanhosa. Troncudo, corcunda, a cabeça enterrada no pescoço. Pernas grossas, braços musculosos, os dentes sujos e falhos  apareciam na boca larga quando dava um sorriso. Corria desengonçado, fungava e espumava na carreira esquisita. Com uma careta feia na cara, partia para cima do adversário para tomar a bola.  Sua figura horrível crescia e metia medo ao jogador que estivesse com a bola dominada.  
Era tido como perna de pau, não sabia dominar a bola, queria logo se desfazer dela, chutando-a com violência para o campo adversário. Gostava de fazer falta para parar o atacante, abusava de pontapés e cotoveladas. Seu rosto cor de carvão respingava de suor no vaivém do jogo. Como tinha porte físico avantajado para um adolescente de sua idade, não era surpresa vê-lo participando de uma pelada no meio de gente grande no campo da várzea.
Só queria na semana jogar pelada nos campos espalhados pelos terrenos baldios da cidade e na várzea. Não importava que os meninos dos dois times na pelada tivessem um tamanho menor que o dele. Para tranqüilizar e arranjar um lugar no jogo, ia se aproximando de jeito manso. Argumentava que tanto fazia ganhar como perder, queria apenas se divertir. Não entraria duro quando fosse disputar a bola. Só não topava jogar de goleiro, mas aceitava ficar em qualquer posição.
Era costume, entre os meninos, que o dono da bola escolhesse os jogadores que ficariam no seu time. Daí a vantagem de quem era o dono da bola quando ia se disputar uma pelada. Era sempre o que escolhia entre a meninada os melhores jogadores para jogar do seu lado.  Os outros que sobravam na escolha iam atuar no outro time.  
Naquele domingo de janeiro, o sol brilhado no céu azul, o dono da bola já havia escolhido os meninos que iam jogar no seu time. O jogo ainda não havia começado porque ficou faltando um jogador para completar o outro time. Ora, com um time superior e com um jogador a mais, a pelada não ia ter graça. O time do dono da bola ia sapecar no outro uma sonora goleada.
Começa o jogo, não começa, parecia que dessa vez não ia acontecer mesmo o jogo de bola numa pelada naquele campo sem grama, próximo a uma das margens  do rio.  Foi aí que um menino lourinho, vermelho feito peixe de água salgada, pediu ao dono da bola que deixasse Nonô Piquete  participar da pelada para completar o time em que estava faltando um jogador..   
Como quem não quer nada, com ares de bom amigo,  humilde e sereno, Nonô Piquete pediu para completar o outro time com a sua escalação como zagueiro. Não ia entrar duro em qualquer menino, nem se esforçar para ganhar a bola dando pontapé na canela do adversário.  Prometeu fazer vista grossa em todos os lances de qualquer atacante, estaria em campo apenas para fazer número, não deixar o time dos meninos que sobraram na escolha dos jogadores pelo dono da bola com um a menos, em desvantagem gritante.
O jogo transcorreu sem que o placar até a metade do segundo tempo fosse mexido por um dos dois times. O que parecia vitória fácil para o time do dono da bola, tinha virado um jogo bem disputado, que alternava lances aguerridos  com jogadas sensacionais do menino vermelho feito peixe de água salgada. Então, aconteceu a penalidade boba contra o time do dono da bola. Um lance sem perigo, a bola já tinha sido dominada e chutada pelo zagueiro, que fez aquela besteira de dar uma rasteira no menino vermelho feito peixe de água salgada.  O juiz não hesitou,  trilou o apito e apontou para a marca do pênalti.
Nonô Piquete pegou a bola e disse que ia bater o pênalti. Não ia chutar forte, bater pênalti era jeito, sabia como fazer para que a bola entrasse no gol devagar, disse.  Mas não foi o que se viu. Tomou distância e meteu o pé na bola com violência. O goleiro caiu dentro do gol, abraçado à bola. Preocupados, os meninos viram que o goleiro não saiu de lá de dentro do gol.  Viram que ele não mexia os olhos, tinha uma cor esverdeada no rosto e chegou a golfar duas vezes uma saliva amarela.
– Água! Tragam logo água! Ele está morrendo! – gritou o dono da bola.
Despejaram a água no rosto dele. Ele acordou com os olhos sem enxergar os meninos que estavam à sua frente. Disse:
– Vi um bocado de borboletas, agora vejo tudo anuviado.
Como se nada de mais tivesse acontecido, Nonô Piquete aproximou-se do goleiro, que soltou a bola e ficou em pé com a ajuda de alguns companheiros.  
            Pensávamos que ele fosse pedir desculpas pelo que fez quando chutou a bola com violência. 
          De cara fechada, disse:
– Você viu, seu bobo,  futebol é pra homem!
Depois que ele disse isso ao goleiro, ninguém mais quis que a partida continuasse. Fizemos um trato para o resto da vida de não participar de uma pelada com Nonô Piquete jogando até de goleiro em qualquer um dos times. De agora em diante ele  estava riscado de participar em nossas brincadeiras. 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Livro de Poesia de Cyro de Mattos
Publicado na França  Ganha Prêmio
Internacional Jean-Paul Mestas


Publicado no ano passado pelas Editions Du  Cygne, de Paris, na Coleção Poesia do Mundo, WWW.editionsaducygne.com, o   livro "De tes instants dans le poème”, de Cyro de Mattos, tradução de Pedro Vianna, acaba de conquistar   o Prêmio Internacional de Poesia Jean-Paul Mestas, da União Brasileira de Escritores, Seção do Rio de Janeiro. O tradutor do livro  para o francês, Pedro Vianna,  também foi agraciado com o mesmo prêmio, por sua tradução do livro.  As láureas serão entregues aos agraciados em outubro, no Rio de Janeiro, no salão nobre da Academia Brasileira de Letras. A comissão julgadora do prêmio esteve integrada  dos escritores Luís Gondim, Stella leonardos e Margarida Finkel.   O livro De tes instants dans le poème (De Teus instantes  no poema) é uma seleção de poemas extraídos de Vinte Poemas do Rio, Cancioneiro do Cacau, Vinte e Um poemas de Amor, livros publicados, e dos inéditos Agudo Mundo, Rumores de Relva e de Mar e Devoto do Campo.
A obra laureada tem apresentação de Margarida Fahel,  professora da Universidade Estadual de Santa Cruz, especializada em Literatura Brasileira. Bebendo na tradição da poesia universal, existencial e humanista, sem esquecer os muros da aldeia, o poeta Mattos apresenta, nesta obra, um conjunto de sentimentos e ideias através de versos límpidos, em nível da fala, que inauguram novos sentidos da vida: purezas da infância, solidões da colheita do nada, verdes visões na rota da solidariedade,  mundo selvagem do homem contra o homem, o erótico e o afetivo no encontro perfeito do amor, vozes do campo, ora gemidas, ora fraternas, rumores de relva e de mar, idênticos  na ternura e dores, que ressoam a fabulosa diversidade da vida nas  paisagens urdidas pelo tempo.   


União Brasileira de Escritores (Rio)

                            A União Brasileira de Escritores, Seção do Rio de Janeiro, é uma entidade cultural integrada à Federação Latinoamericana de Sociedade de Escritores. Fundada em 1958, mantém, entre suas suas atividades, a revista Renovarte, palestras sobre literatura, concursos, encontros e eventos culturais.  Neste ano de 2013 promoveu os seguintes concursos  para livros inéditos, inscritos sob pseudônimo: Prêmio Humberto de Campos, contos, Prêmio Alejandro Cabassa,  crônicas, Prêmio Vicente de Carvalho, poesia,  Prêmio Viana Moog,  ensaio, Prêmio José de Alencar, romance, Prêmio Ganymedes José, livros infanto-juvenis, e ainda o Prêmio Internacional Jean-Paul Mestas para livros de autor brasileiro traduzidfo e publicado no exterior, que não depende de inscrição. Entre os escritores que já receberam prêmios da União Brasileira de Escritores (Rio), figuram Celso Furtado, Afonso Felix de Sousa, Astrid Cabral, Neide Arcanjo, Denise  Emer, Nélida Piñon, Francisco Sena, Carlos Nejar, Antonio Olinto, Gilberto Mendonça Telles, Jorge Amado, Adonias Filho, Antonio Torres, Rita Olivieri Godet, Helena Parente Cunha, Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Mattos, Ana Maria Machado, Amélia Sparano, Marcus Accioly, Flávio José Cardoso e Lúcia  Aizim.
                             

quinta-feira, 13 de junho de 2013

CYRO DE MATTOS PROFERE HOMENAGEM À DOUTORA NELLY NOVAES COELHO NA CASA DAS ROSAS: SÃO PAULO












terça-feira, 11 de junho de 2013

Cyro de Mattos Participou das Homenagens
à Escritora Nelly Novaes Coelho em São Paulo







No dia 29 passado,  a Editora Letras Selvagem e a Casa das Rosas (Centro de Literatura e Cultura Haroldo de Campos) prestaram homenagem em São Paulo à consagrada escritora Nelly Novaes Coelho, pela passagem de seus 91 anos de idade, docência universitária e exercício da crítica literária durante 50 anos. Os escritores Ignácio Loyola Brandão e Cyro de Mattos, os críticos Benjamin Abdala Jr e Fábio Lucas, doutores em Letras, da USP,  integraram a mesa oficial do evento e proferiram  homenagem à Nelly Novaes Coelho, Professora Emérita da USP.
Na oportunidade, depois das homenagens prestadas,    Nelly Novaes Coelho lançou o livro  “81 Escritores da Literatura Brasileira no Século XX”, publicado pela Editora Letra Selvagem, de São Paulo, volume de quase mil páginas, no qual  é analisada pela ensaísta  a obra de  grandes autores da ficção brasileira.  

Eis na íntegra a fala de Cyro de Mattos homenageando Nelly Novaes Coelho:

“Senhores e senhoras:
A linguagem literária é caminho  importante para a compreensão do outro mais  o mundo.  As obras literárias falam à imaginação e ao sentimento. As científicas, de preferência à razão. A soma da sabedoria humana não está apreendida por nenhuma linguagem. Nenhuma linguagem em particular é capaz de exprimir todas as formas e graus de compreensão humana. De todas as linguagens a que mais se aproxima dessa condição é a literária
A literatura é a expressão mais completa do homem, como ente que pensa e sente. Todas as outras expressões referem-se ao homem enquanto especialista de uma atividade. Só a literatura concebe e apreende o homem enquanto homem. Sem distinção nem qualificação alguma. É a via mais direta para que os povos se entendam e se encontrem como irmãos. Assim, ela devolve ao ser humano, o que de fato lhe  pertence como aptidão e aderência:  a inteligência e a emoção.
            Essa crença nos sinais visíveis da escrita como expressão do pensamento mágico e lógico é o que Nelly Novaes Coelho  vem transmitindo em  sua prática de docência universitária e exercício da crítica literária durante 50 anos. Portadora de uma didática admirável,  pesquisadora exemplar, analista  lúcida.  Registra a voz de muitos autores que vêm dando seu testemunho de vida e ideais por meio da Palavra. Seus dicionários de escritoras brasileiras e da literatura infantil e juvenil brasileira são pontos elevados na valorização do corpo literário brasileiro.
           Ao colocar a cultura e a literatura  em tão rico  patamar, contribuindo decisivamente para a construção do patrimônio comum a todos os estudiosos e criadores literários, o trabalho dessa  intelectual é assombroso. A tarefa de pesquisa,  cara às universidades, à reflexão das mutações do mundo, historicidade e atualidade do homem, circunstanciado no ontem e no hoje,  encontra em Nelly Novaes Coelho  a dinâmica perfeita que emerge da vocação voltada para os campos investigativos e interpretativos, culturais e literários.
             Em sua contribuição enciclopédica e analítica da literatura, como os iluministas de ontem,  essa intelectual rara desincumbe-se da jornada  com erudição, consciência crítica e uma santa paciência de pesquisadora. Ela sempre está  surpreendendo. Depois de enriquecer o corpo das letras brasileiras com volumes importantes  como  Literatura e Linguagem, Literatura Infantil, Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras,  Dicionário Crítico de Literatura Infantil e Juvenil Brasileira, Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil,  na idade em que muitos já aposentaram suas ferramentas, eis que  ela  brinda agora seu público leitor com este 81 Escritores Brasileiros do Século XX, resultado de 50 anos de pesquisas, leituras e releituras de obras apresentadas em cursos universitários, congressos, seminários, colóquios, no Brasil, Portugal e Estados Unidos da América.       
           São 81 escritores analisados neste precioso e extenso livro. Dos mais conhecidos,  Jorge Amado, Graciliano Ramos. Guimarães Rosa, Mário de Andrade, Oswaldo de Andrade, João Ubaldo Ribeiro, Ignácio de Loyola Brandão,  passando por nomes expressivos que ficaram esquecidos da crítica e  mercado editorial,  Cornélio Pena, Gustavo Corção, Adonias Filho, Murilo Rubião, Victor Giudice, Campos de Carvalho,  Alcides Pinto, e ainda outros  que precisam de divulgação para melhor serem conhecidos:  Vicente Cecim, Olavo Pereira, Agrippino de Paula, Fausto Antonio, Ricardo  Guilherme Dicke, Mora Fuentes, Samuel Rawet,  Alaor Barbosa  e outros.  Todos esses autores dão voo à razão e à emoção quando abordam a problemática existencial do ser humano e a crise  de uma sociedade exaurida de valores e sentidos. 
           A escritora admirável revela que  foi a “Sorte ou o Acaso” que puseram em seu caminho os 81 escritores reunidos e analisados neste seu último livro. A generosidade, a humildade e  a solidariedade são marcas da alma dessa grande  criatura.   Os   autores aqui analisados  tiveram, sim,  a sorte ou o acaso de ser posta em seus caminhos uma intelectual da grandeza de  Nely. Um autor para ser instituído como cânone precisa de um crítico dotado  de instrumental teórico suficiente, que  chame a atenção para as questões estéticas, seja capaz de revelar os elementos estruturantes que entraram  na composição da  forma e conteúdo da obra.
         No meu caso,  de autor baiano insulado em Itabuna, cidade localizada  no sul da Bahia, distante do eixo Rio e São Paulo,  que ainda funciona como tambor cultural desse país inculto, por mais que o mundo hoje seja uma aldeia globalizada, nem sei como agradecer a inclusão  na relação desses escritores maiores elencados no testemunho crítico da Nelly.
           É uma grande honra está aqui,  nesse momento festivo, de reconhecimento e afetividade.  Felicito a sempre  lembrada  e querida amiga  Nelly  por seus 91 anos de idade, repetindo,  como ela certa vez nos disse,  que  sem leitura e escrita a vida não tem emoção.  Termino  minha pequena homenagem a quem tanto deu às letras brasileiras, às inúmeras gerações em seu ciclo de docência universitária e no exercício da crítica literária, durante 50 anos, dizendo: “Obrigado,  Nelly,  por tudo que você  fez pela sociedade e, em particular, pela  literatura brasileira. Você ama a literatura. A literatura tem mostrado que ama você”.