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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016




  João Carlos Teixeira Gomes Lançará
“A Brava Travessia” em Salvador dia 9



        O jornalista e escritor João Carlos Teixeira Gomes, ocupante da cadeira número 15 de Academia de Letras da Bahia, lançará no dia nove de março de 2016, na livraria Cultura do Salvador Shopping, a partir das 16h30m, o seu novo livro, “A Brava Travessia, memórias, viagens e artigos do Pena de Aço”. Na mesma data, estará celebrando os seus oitenta anos de existência. O livro tem prefácio de Sebastião Nery e análise do escritor Edmílson Caminha, da Academia Brasiliense de Letras.
     Como o título indica,  “A Brava Travessia” se divide em três partes, pela junção das quais o autor cobre uma substancial parcela da sua trajetória profissional, retomando fatos apenas esboçados em seu livro anterior, de 2001, “Memórias das Trevas”.
      Jornalista profissional desde 1958, quando participou do lançamento do matutino “Jornal da Bahia”, em Salvador, João Carlos Teixeira Gomes é um dos integrantes da “Geração Mapa”, criada no Colégio Central em 1954 e integrada por nomes como os de Glauber Rocha, João Ubaldo Ribeiro, Fernando da Rocha Peres, Fernando Rocha, Ângelo Roberto, Carlos Anísio Melhor, Jaime Cardoso, Silva Dultra, Sônia Coutinho, Lina Gadelha e Paulo Gil Soares. O grupo dedicou-se a várias atividades literárias e artísticas na Bahia, despontando Glauber Rocha como o criador do Cinema Novo e importante diretor do cinema internacional, com filmes como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, “A Idade da Terra” e “Terra em Transe”.
      João Carlos Teixeira Gomes, que ganhou no Rio o apelido de “Pena de Aço” pela sua luta jornalística pela ética na política e pela liberdade de imprensa, é autor de volumes de contos, poesias, artigos, biografias, ensaios e relatos de viagens. Entre seus livros mais conhecidos estão “Glauber Rocha, esse vulcão”, “A Tempestade Engarrafada”, “O Telefone dos Mortos”, “O Labirinto de Orfeu”, “Gregório de Matos, o Boca de Brasa”, “Memórias das Trevas” e “Assassinos da Liberdade”. Despertaram grande interesse público suas narrativas de viagens através do Expresso Transiberiano, no maior percurso ferroviário do mundo, unindo a Europa à Ásia, pelo qual viajou da China até a Rússia, através da Mongólia e toda a Sibéria. Tendo tido uma vida acidentada como jornalista, que desenvolveu quase toda a sua atividade durante regime ditatorial, Teixeira Gomes conta em seu livro como enfrentou e venceu perseguições, vinganças, retaliações políticas e tribunais militares, mas fala também do seu amor pela música, pela pintura e pelas artes em geral, além de fatos pessoais da sua vida como professor universitário e episódios marcante vividos dentro de uma redação de jornal. O livro é enriquecido pela publicação de fotos abundantes e possui cerca de 470 páginas, sendo editado pela Caramurê Publicações, de Fernando Oberlandaer.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016



           MEU CRAQUE LÉO
                   Cyro de Mattos
          Começou jogando peladas nos campos de várzea. A cidade ficava com lama nas ruas quando chovia. Tinha apenas três bairros populares. Foi para o Rio onde jogou no juvenil do América. Tempos depois, o adolescente retornava à terra natal, talvez porque sentisse na cidade grande a falta dos hábitos que adquiriu no interior. Lá, na metrópole carioca, não era conhecido como filho de fazendeiro abastado de Itabuna.
          Foi no Campo da Desportiva que conheci meu craque. Jogava no Flamengo, que enfrentava o time do Itabuna pelo segundo turno do campeonato, numa tarde de domingo sob o sol quente do verão. O Itabuna, do cartola Montanha,  o coletor fiscal, era uma verdadeira seleção formada pelos melhores jogadores regionais. Concentrada quando ia jogar uma partida importante, fosse amistosa contra uma equipe da capital ou valendo pontos pelo campeonato. Seus jogadores ganhavam prêmio em dinheiro quando venciam uma dessas partidas importantes.
          O time do Itabuna havia conquistado o campeonato de maneira antecipada. Faltava apenas jogar a última partida contra o Flamengo para cumprir a tabela. Era sabido que o time do Flamengo queria vencer o Itabuna para obscurecer o brilho da conquista antecipada do campeonato pelo até então imbatível rival. Para muitos torcedores, isso era impossível de que pudesse acontecer. O time do Itabuna era superior ao do Flamengo em todas as posições.
          Para surpresa dos torcedores, o time do Flamengo entrou em campo com o meu craque, vestindo a camisa rubro negra pela primeira vez. Comentou-se que o contrato que ele havia assinado com o América estava suspenso pela federação carioca, não tendo por isso condições legais para jogar por outra agremiação em partidas oficiais. O Flamengo ia perder os pontos, caso fosse o vencedor do jogo. Paulo Ribeiro, o dirigente e, ao mesmo tempo,  o torcedor mais inflamado do Flamengo na cidade, disse que não tinha importância se o Léo jogasse contra o Itabuna e perdesse os pontos. O Itabuna já era campeão, ninguém podia tirar-lhe mais o título. O importante     agora era que não fosse campeão invicto. E acrescentou que o jogo entra o Flamengo e o Itabuna era um campeonato à parte.
          Os jogadores do  Flamengo cresceram em nível técnico e garra, durante os dois tempos do jogo, como nunca se tinha visto no Campo da Desportiva, graças à atuação de meu craque. Ele foi o dono do jogo. O que ele fazia com a bola no gramado irregular da Desportiva era coisa de sonho. Caminhava tranquilo com a moça redonda por todos os setores do campo, mostrando uma visão de jogo impressionante. Dava dribles desconcertantes no zaqueiro Ranulfo, encarregado de marcá-lo de modo viril quando se aproximasse da grande área.
          Fazia lançamentos em profundidade geniais, que deixavam os atacantes do Flamengo cara a cara com o goleiro Gilson. A bola chutada Por ele tirava tinta da baliza, exigindo, na sua trajetória, defesas empolgantes do goleiro. O Flamengo venceu por três a zero o Itabuna, com um golaço de meu craque. Os passes, para o centroavante fazer os outros dois gols, no segundo tempo, saíram de seus pés.
          Foi jogar depois no Olaria do Rio de Janeiro. Fez um campeonato primoroso e chamou a atenção do Fluminense carioca, que o contratou para defender suas cores naquele time inesquecível, que tinha na linha de frente Escurinho, Valdo, Robson e Telê. Sagrou-se campeão carioca pelo Fluminense e também do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, disputado naquele tempo pelos principais clubes cariocas e paulistas. Foi convocado para a Seleção Brasileira em 1958, mas o destino não quis que fosse um dos nossos campeões mundiais de Futebol em gramados da Suécia. Foi cortado da Seleção Brasileira porque teve uma contusão no treino do Fluminense; para o seu lugar convocou-se Dida, atacante do Flamengo.
          Certa vez ouvi Zezé Moreira dizer, numa entrevista pelo rádio, que o jogador mais completo que ele viu jogar foi Léo. Para mim não foi novidade o que o ex-técnico do Fluminense e da Seleção Brasileira dissera sobre o meu craque. Trazia vivas dentro de mim aquelas  jogadas sensacionais que ele fazia no Campo da Desportiva. Lances de puro encantamento, que arrancavam aplausos demorados dos torcedores, como o daquela falta que ele bateu contra o Bahia de Salvador, pegando no contrapé o goleiro Lessa, que nem viu por onde entrou a bola.
          Ele voltou à Bahia para jogar no Bahia, o melhor time do norte e Nordeste daquela época. Foi campeão baiano por várias vezes, vestindo a camisa do tricolor da capital. Sua maior façanha foi conquistar a Taça Brasil em 1959, naquele legendário time do Bahia, formado com Nadinho, Leone e Henricão; Flávio, Vicente e Beto; Marito, Mário, Léo, Alencar e Biriba.
          Na memorável conquista da Taça Brasil, nosso primeiro campeonato brasileiro de futebol, o Bahia venceu o Vasco da Gama no Maracanã e na Fonte Nova. Derrotou aquele incrível time do Santos de Pelé, o maior jogador brasileiro de todos os tempos, no alçapão da Vila Belmiro e na partida final jogada no Maracanã. Naqueles idos, jogavam no Vasco Belini, o capitão da Seleção, campeã do mundo em 1958, craques como Orlando, Paulinho, Pinga e Roberto Pinto. Dava muito prazer ver jogar aquele Santos com o rei Pelé, os cracões de bola Mauro, Durval, Coutinho, Mengálvio e Pepe, o canhão de Vila Belmiro.
          Ele teve destacada atuação nos jogos do Bahia na conquista da Taça Brasil, principalmente contra o Ceará, Sport, Vasco da Gama e Santos. Entre tantos astros do nosso futebol, brilhava a estrela do itabunense Léo. Preciso dizer mais sobre o meu craque?
           Faleceu no dia 24 deste mês de fevereiro. Foi o melhor craque que vi jogar nos gramados baianos. E um dos melhores em canchas brasileiras.


*Cyro de Mattos é escritor e poeta.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016



          ADEUS À MAIOR POETA DO BRASIL
                      
                       RUY ESPINHEIRA FILHO
        
            “Estão mortas as mãos daquela dona”. Foi com este verso, como marcação recorrente, que o poeta Augusto Frederico Schmidt falou da morte da maior poeta do Brasil, Cecília Meireles, em 1964. Lamento não ter guardado aquela crônica, tão bela e que tanto me comoveu. Mas me ficou na memória a repetição, a cada abertura de parágrafo, do belíssimo verso de Alphonsus de Guimaraens: “Estão mortas as mãos daquela dona.”
         Sim, penso agora na crônica e neste verso: “Estão mortas as mãos daquela dona”. E foi de imediato, quando me deram a notícia da morte de outra grande voz da poesia – Myriam Fraga. A meu ver, sem favor nenhum, a mulher que melhor escreveu poesia em nosso país, depois da grande Cecília. Isto fiz questão de frisar nas duas rápidas entrevistas que dei por telefone: trata-se da maior poeta do Brasil. Uma das entrevistadoras disse que as pessoas se referiam à dedicação de Myriam à cultura – e eu lhe respondi: sim, todo mundo sabe disso, da imensa dedicação de Myriam Fraga à cultura, especialmente à frente da Fundação Casa de Jorge Amado, mas é preciso que se diga algo muito mais importante: foi a maior poeta do Brasil nas últimas décadas.
         Sempre que se falava em grandes poetas eu não deixava de observar que Myriam era a melhor entre as mulheres e no nível do melhor que escreviam os homens. Sei que há muitos outros poetas, mulheres e homens, mais conhecidos, mas aí é outra coisa, não tem nada a ver com qualidade. São mais conhecidos porque agradam a certos professores, que os indicam para leituras nas escolas e universidades, acabando por formar leitores menos exigentes. Fui professor universitário de literatura durante quinze anos, sei de quantos equívocos são capazes os nossos mestres e doutores. O que é compreensível, pois ler bem é um talento especial que muitos não possuem, mesmo arrotando toda a erudição do mundo. Afinal, a literatura é uma arte – e exige uma sensibilidade sem a qual os tais equívocos acabam dominando tudo.
         No caso de Myriam Fraga, outro problema: era nordestina e morava no nordeste, o que a tornava duas vezes discriminada. E problema maior por ser da Bahia, já há tempos culturalmente um dos piores estados do nordeste. Em outros lugares continuam existindo suplementos de letras e artes, crítica, publicações, debates de alto nível – enquanto por aqui tudo é reservado ao que há de pior, inclusive com participação ativa e festiva dos poderes públicos. Foi ruim, primário, grosseiro, vulgar, estúpido – ótimo, está aqui um gordo financiamento. E assim vamos nós – não mais descendo, mas rolando ladeira abaixo, no rumo de um poço sem fundo.
         Além da grande artista, a grande figura humana. Comecei a conviver com Myriam lá pelos anos 70. Cheguei a frequentar-lhe a bela casa, na Graça, quando fazia reuniões com gente como Jorge Amado, James Amado, Jayro Simões, Florisvaldo Mattos, por exemplo. E lá ficávamos nós, entre um uísque e outro, sonhando projetos literários. E depois trabalhamos juntos, quando ela dirigia o Departamento de Literatura da Fundação Cultural do Estado. Eu apenas colaborador, ao lado de nomes importantes como Guido Guerra, Carlos Anísio Melhor, Florisvaldo Mattos, Carlos Cunha, José Carlos Capinan, sob o incansável comando de Myriam, realizando eventos e até publicando coleção de livros de jovens autores baianos.
         Myriam Fraga era a cultura, o talento, a amizade, a generosidade. Tantas virtudes em uma só pessoa é coisa muito rara – e ela as possuía de maneira vigorosa e cintilante. Sinto-me honrado por ter sido seu contemporâneo. E sinto muita, muita pena da Bahia e do Brasil, mais pobres, muito mais pobres, agora que estão mortas as mãos daquela dona.  
                                                                                 


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016



                   COISAS DE MYRIAM FRAGA

                         Cyro de Mattos

Consternado com a notícia triste sobre a despedida de  Myriam Fraga, que deixa uma lacuna enorme na lírica brasileira de todos os tempos, lembro quando eu dirigia o Centro de Cultura Adonias Filho, em Itabuna, e a convidei  para que ela viesse brindar os itabunenses com uma palestra sobre Jorge Amado.  De volta a Salvador, levando-a para o aeroporto Jorge Amado, em Ilhéus, eis que o pneu de meu carro furou no meio da estrada Itabuna-Ilhéus.  Foi aquele sufoco. E se ela perdesse o avião? Perguntava-me inquieto, bom saber que naqueles idos ainda não havia celular...
Tudo terminou bem com o socorro de um amigo, que também ia tomar o mesmo avião da Myriam para Salvador. Que alívio! Enquanto isso não se deu, ela só fazia sorrir com a minha preocupação ante aquela situação tragicômica.  Parecia não se importar se perdesse o avião de volta a Salvador.  Na verdade, disse-me tempo depois, que assim procedeu  porque parecia que você, Cyro,  é quem poderia perder o horário do avião, de volta a Salvador, de tão nervoso que estava.
 São tantos os momentos que tive com a amiga Myriam, que eles começam a passar em minha cabeça agora, nesse momento de tristeza,  para amenizar certamente o abalo que tenho com a sua perda. Penso que isso está ocorrendo com muitas pessoas que tiveram a oportunidade de conhecê-la e privar de uma amizade  agradável.
Em meu livro Os enganos cativantes, dediquei-lhe o poema Coisas de Myriam Fraga, que  transcrevo abaixo: 


Parir é coisa
de mulheres.
Criar a flor
dentro ciciada.
O ser no outro ser
completo acorde
até as gotas da morte.

Poesia é coisa
de mulheres.
Às vezes acorda
nesta paixão.
Rigor e lucidez
na pele lambida.

Palavra é como brasa
queima até o fim.
Ilhas e ventos
onde eu navego.
Ó labirinto de mim.

Que Deus receba a querida Myriam, poetisa de voz lírica elevada,  para seu repouso justo, depois de escrever uma história bonita em sua passagem entre os humanos, aqui neste velho mundo terrestre.