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quinta-feira, 31 de março de 2016

               

               O Leão da Copa

                Armando Nogueira


           Copa do Mundo de 58, na Suécia. Bons tempos. Repórter podia viajar no mesmo vagão, no meio dos craques. Assim foi na viagem de Gotemburgo  pra Estocolmo, onde o Brasil jogaria a semifinal contra a França. A França do respeitável Raymond Kopa. Me Lembro que sentei ao lado de Vavá. Ele ocupava dois bancos: o dele e o da frente, com encosto invertido, pra esticar a perna e acomodar o pé direito. Todo mundo sabia que Vavá tinha se machucado, chutando uma sola de chuteira, no jogo com a União Soviética, Brasil 2 a 0, os dois de Vavá.
         Mas eu não imaginava o tamanho do estrago. Agora, vendo, assim, de perto, a olho nu, eu posso compreender por que foi que ele não entrou contra o País de Gales. Não tinha como. No peito do pé, um talho de quatro centímetros, profundo, a carne desbeiçada. Parecia uma cratera. Foi quanto lhe custou a bola dividida do segundo gol do Brasil nos soviéticos. A sola do soviético, antes de cortar o pé, cortou a meia de lã e dez voltas da atadura que enfaixava o tornozelo de Vavá. Naquela partida, Vavá jogou uma barbaridade. Vavá tinha futebol pra qualquer preço: sabia tocar a bola, com finesse, mas sabia também dividir uma bola, com firmeza.
-       Vai dar pra jogar contra a França? - perguntei-lhe por perguntar.
Ele respondeu, confiante:
- Vai dar, tem que dar!
Fiquei na minha, mas não acreditei. O jogo seria dali a dois dias. Aquela ferida não cicatrizava em dois dias, nem com reza de terço na mão.
Vem o jogo. Vavá está ali, perfilado, ouvindo o hino nacional. Por sinal, revendo a foto, hoje, noto que Vavá é o mais compenetrado de todos. As duas mãos coladas no corpo. É a própria pátria em posição de sentido.
         Atrás do gol, eu só me lembrava da cena no vagão do trem. O pé inchado, um lanho enorme, todo borrifado do velho e manjado Polvilho Antisséptico Granado. E me perguntava, brasileirissimamente angustiado: como é que pode jogar futebol com uma ferida daquela no pé? Justamente, o pé de estimação. Vavá chutava com as duas, mas a preferida era a direita.
A bola corre e não me saía da cabeça a idéia de que Vavá será um a menos. Em campo ou fora de campo. É bom lembrar que, na época, não se podia substituir ninguém. É bem verdade que o moço era admirado pela turma por ser um guerreiro. Não foi por outra razão que lhe deram o lugar de Mazzola. Mazzola andou encurtando o passo contra os ingleses (zero-a-zero) e, em pleno jogo, levara uma tremenda bronca do capitão Bellini:
- Isso aqui é jogo pra macho! – explodiu Bellini, quando viu Mazzola deitado na grama, reclamando de uma entrada ríspida de um inglês.
Bom, amigos de hoje, eu só posso dizer a vocês uma coisa: Vavá jogou a partida contra a França como um bravo. Não refugou uma só disputa com os zagueiros franceses. Numa delas, a bola dividida, o central Jonquet levou a pior com Vavá e acabou saindo de campo com a perna fraturada. Os franceses não culparam Vavá. Ninguém culpou Vavá. O lance foi duro, mas na bola. Vavá nunca entrava maldosamente. Era leal. Atacante destemido de dois mundiais inesquecíveis.
Vavá fez um gol, dos cinco na França, e pelo que me confessaria depois, em nenhum momento pensou na ferida do peito do pé. Herói não tem pé.  É só coração. Pois três dias depois, sem que estivesse curado, Vavá metia o pé, aquele mesmo pé, em dois passes cruzados de Garrincha, marcando os dois gols da reação brasileira contra a Suécia, na final da Copa.
Até hoje, eu não sei quem foi que, primeiro, chamou Vavá de Leão da Copa. Mas, desde aquela partida contra a França, eu fiquei sabendo por que alguém teve a feliz idéia de batizá-lo Leão da Copa.
Quanta saudade!




*Armando Nogueira nasceu no Acre, na cidade de Xapuri, em janeiro de 1939. Comandou o jornalismo da rede Globo durante vinte anos. É um dos maiores e cronistas esportivos do Brasil de todos os tempos. Único jornalista que esteve presente, no local do evento, em 14 copas do mundo de futebol, de 1950 a 2002. Um mestre das palavras na crônica esportiva, demonstrando na escrita tudo o que se requer de um cronista exemplar: consciência artesanal, força imagística, leveza poética, traços épicos e dramáticos. Publicou, entre outros, “Na Grande Área” e “A Bola e a Rede”. O texto “O Leão da Copa” foi extraído do livro “A Ginga e o Jogo”, 2003. (Nota de Cyro de Mattos)

domingo, 27 de março de 2016

REPÚBLICA DE CURITIBA,
REPÚBLICA DA HONRADEZ
               
                  J.C. Teixeira Gomes

A maior tragédia do impasse nacional é a falta de lideranças confiáveis para a alternância do poder. O naufrágio ético do PT assanhou a presença, na mídia, de figuras reacionárias e ultrapassadas, posando de catões da moralidade pública, apesar da sua trajetória lamentável.
A chamada “República de Curitiba”, conforme Lula a batizou com ironia, incomodado com a firme ação do juiz Moro, é o único motivo de alento nos corações brasileiros. Nem mesmo a conduta do ministro Joaquim Barbosa durante o mensalão atingiu níveis tão altos de decência saneadora. Não surpreende que Moro esteja sendo alvo da fúria dos atingidos.
Os jornalistas petistas vociferam: “Estão acusando Lula sem provas!”. Queriam o quê? Que Lula assinasse e publicasse autorização para que Dirceu, Genoíno, Palocci, Delúbio, Vaccari Pixuleco, Erenice Guerra, Barusco, Cerveró, Renato Duque, Paulo Roberto Costa e tantos outros mafiosos continuassem saqueando o país? Que provas são hoje necessárias para confirmar o sinistro pacto do PT com os partidos que ajudaram a roubar o Brasil, produzindo os rombos do mensalão? Ou o mais sinistro ainda do PT com os empreiteiros que, durante anos, vinham assaltando a Petrobrás? Quem era o presidente da nossa empresa maior ou chefiava o seu Conselho Deliberativo durante a fraudulenta compra da refinaria de Pasadena? Quem colocou na direção da estatal Paulo Roberto Costa, Duque, Cerveró, Barusco e outros campeões da ladroagem?
    Se estão reclamando provas contundentes, em letra de forma, com autenticação e firma reconhecida, para comprovar crimes óbvios, lembremos que nada disso foi preciso para que o Tribunal de Nuremberg acusasse Hitler e demais chefes nazistas de responsáveis pelo extermínio dos judeus, apesar de nenhum deles ter deixado um único documento,  autorizando o Holocausto. Muitos anos penou a Justiça dos EUA para meter na cadeia Al Capone, que aterrorizava Chicago, sem oferecer registros de criminalidade, até que foi flagrado por um descuido no imposto de renda. Não poucos criminosos são mestres sagazes em dissimulações, contando com a cobertura dos seus beneficiários. Há uma solidariedade voraz na delinquência.
O juiz Sérgio Moro está sendo alvo da barragem de fogo do petismo e dos que ainda deliram com a miragem de que o partido é o refúgio da pobreza. Lembremos que muitas das acusações contra Moro  – estrelismo, excessos, agressões contra direitos – são exatamente iguais às que os inconformados jogaram no cangote de Joaquim Barbosa, quando o magistrado procurava descascar no Supremo a cebola podre do petismo, nas práticas (comprovadas) do mensalão. Cerca de sete anos suportou Barbosa as agressões da militância petista. Há dois anos, o injuriado Moro conduz a operação Lava Jato com absoluta competência, tanto assim que já conseguiu encarcerar expressiva cambada de ladrões poderosos, enfrentando a mais compacta coligação (nunca vista no Brasil) de advogados de excelência profissional. Apenas um dos empreiteiros presos é defendido por um time de 22 advogados. E continua preso!
Não é fácil dissuadir o fanatismo. Aos irredutíveis defensores de Lula e Dilma, porém, lembremos que, indignados com as traições do partido ao chegar ao poder, o PT foi abandonado por militantes do nível de Arruda Sampaio, Heloísa Helena, Chico Alencar, Carlos Nelson Coutinho, Frei Beto, Leonardo Boff e tantos outros expoentes. Em síntese: a República de Curitiba representa, hoje, as esperanças dos milhões de brasileiros que clamam por dignidade na vida pública. O grito das ruas não é o grito do golpe, mas sim o da honradez e da decência.


quinta-feira, 24 de março de 2016

       



       Poemas da Paixão

                 Cyro de Mattos



Uma Prece

Bomba a alvejar manso rebanho,
Fera branca que se achou Deus,
Cidade grande em galope amarelo,
Faces levando sede e fome,
Droga a matar a maravilha,
Sangue inocente de réu negro,
Lágrima extirpada de índio,
Mãos de metralha do menino,
Pai que apagou a luz do filho,
Mãe que não quis sentir a rosa,
Irmão que fugiu do outro irmão,
Rei que esqueceu a oração,
Veneno na água, chão e céu.
Cura-me, ó Deus de todos os perdões.


Este Cristo

 É maior que o mundo
Este andor feito na dor
Dos grandes rumores.
É maior que o mundo
Esta luz feita na cruz
Dos grandes tremores.
É maior que o mundo
Este amor feito no ardor
Dos grandes clamores.
Ó peso da terra,
Cuspe, chicotada, crivo.
E das chagas flores.


      Canto de Amor

E todo este peso
Terrestre perfurou
Na flor da comunhão,
De braços abertos
Clamas como cacto.
E dignos não somos
De olhar este rosto
Que pende no amor
Do sangue derramado.
E solitários caminhos
Da ternura os desviados
Na voz de tudo que é perdão.
O canto de amor prossegue
Pelos que têm fome e sede
E carregam o dilema do pacto.

  
Santa Cruz

Todo o peso da terra
Com ofensa e lenho
Aqui deste desterro.

      Pedras cor de vinho,
      Setas de veneno
      Dos que ladram.

      Lábios de sede,
      Botão que se abre
      Na flor do perdão.

      Até hoje a oferta.
      A ternura como meta
      Jogada na sarjeta.

    
         Sexta-Feira Maior

O sol morre.
Turva onda
O mundo em aflição
Molha-me de roxo.
Nada valho.
Nada sou de fato.
Prefiro Barrabás,
Crucifico o amor,
Sem dó e lágrima
Até o último gemido.



             Soneto da Paixão

Ao pé do Cristo todas as infâmias,
Ao pé do Cristo todas as insônias,
Ao pé do Cristo todas as intrigas,
Ao pé do Cristo todas as refregas.

Ao pé do Cristo todos os sedentos,
Ao pé do Cristo todos os famintos,
Ao pé do Cristo todos os horrores,
Ao pé do Cristo todos os clamores.

Ao pé do Cristo todos os insultos,
Ao pé do Cristo todos os corruptos,
Ao pé do Cristo todos os ladrões,

Ao pé do Cristo todas as prisões.
Nessa onda que nos leva como cães,
Cura-me, ó Deus de todas as paixões.


                
            Procissão do Senhor Morto



Tudo é roxo e ofensa e perdão.
A tristeza está nos ares,
já anda pelas veredas
e no perfume dos caminhos.
No ocaso da saudade ao longe,
na flor do cacau que é espinho.
E chega à igreja a procissão.
Tudo é clamor e cruz e paixão
porque uma coroa sensitiva
instalou-se em Itabuna
com fadiga e sede e fome
e escorre suas dores
pelas pedras cor de vinho,
mas no sábado tudo é verde
e claro sem o roxo e o espinho.
Os sinos repicam na cidade
e um dia novo está nas galhas,
no coro de milhões de passarinhos.














quarta-feira, 23 de março de 2016

22 ª RODA DE TEATRO DE RUA NAS COMEMORAÇÕES AO DIA MUNDIAL DO TEATRO

Como já se sabe o Dia Mundial do Teatro foi criado, em 1961. pelo Instituto Internacional de Teatro, ligado à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), com o objetivo de difundir e fortalecer as artes cênicas no planeta, por isso no dia 27 de março, no Brasil e em todo o mundo, comemoramos o Dia Mundial do Teatro. Espetáculos teatrais, encontros e eventos celebram essa arte, ressaltando seu significado e sua importância.

Como acontece há mais de duas décadas a comemoração do DIA MUNDIAL DO TEATRO, que na Bahia é capitaneado pelo MOVIMENTO DE TEATRO DE RUA, e em Salvador, há 22 anos, acontece a RODA DE TEATRO DE RUA, cujo objetivo é fortalecer e difundir essa estética popular detentora de mecanismos de produção diferenciados.

Neste ano de 2016, mesmo sem qualquer apoio financeiro, o evento acontece no domingo da páscoa (27 de Março), no pier do Dique do Tororó, com a participação de grupos da capital e do interior, às 10:00 h. (AM), constando da grade de programação os espetáculos:

Ó      SHOW DO BRASILINO E OS BONECOS AMESTRADOS, com a Caravana de Téspis (Salvador);
Ó      4:20 (baseado na obra de Kal Valentin), com o Teatro de Repertório Itacaré (Itacaré);
Ó      A SAGA DO VALENTE ZÉ MINGAU, com o Grupo Primeiro de Maio (Salvador)
Ó      ARTE MARGINAL, com Os Kaborongas (Salvador)

RODA DE TEATRO DE RUA DA BAHIA
DOMINGO – 27 de MARÇO – 10:00 h. da manhã
DIQUE DO TORORÓ – FONTE NOVA – SALVADOR – BAHIA - BRASIL

O QUE?  Roda de Teatro de Rua
ONDE? Pier do Dique do Tororó – Salvador – BA.
QUANDO? 27 Março, às 10:00 h. (AM)
QUANTO? Grátis
Informações:
(Zap) 71 99277 1712



-- 

Marcos Cristiano
Caravana de Téspis - Teatro de Rua para a Cidadania
(71)9277 1712

segunda-feira, 21 de março de 2016

100 Anos de Uma Vida Prestante:
Monsenhor Gaspar Sadoc
       

 O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, com o apoio da Associação Baiana de Imprensa e da Arquidiocese de São Salvador, promove no dia 23 de março, das 14h às 18h, o seminário “Monsenhor Gaspar Sadoc: 100 anos de uma vida prestante”.Coordenado pelo professor Jaime Nascimento, o encontro vai contar com palestras do professore Luiz Guilherme Pontes Tavares, Padres Lázaro Muniz e Manoel Filho e a pesquisadora Antonia da Silva Santos, que irão abordar a trajetória intelectual e religiosa de um dos mais respeitados sacerdotes da Igreja católica na Bahia e o maior orador sacro vivo do Brasil.
Para participar do seminário é necessário realizar inscrição no site do IGHB – www.ighb.org.br

BIOGRAFIA* - Nascido em 1916, em Santo Amaro da Purificação, padre Sadoc foi ordenado em 1941, tornando-se o primeiro vigário da Paróquia dos Santos Cosme e Damião, na Liberdade, onde permaneceu por sete anos, até ser transferido para a Paróquia Cristo Rei e São Judas Tadeu, na qual exerceu o ministério por 17 anos. 
De lá, saiu para a Paróquia Nossa Senhora da Vitória, onde ainda recentemente, celebrava missas e assistia os fiéis como um dos maiores oradores que a Bahia já produziu. Professor de latim e História lecionou no Ginásio Dom Macedo Costa e nos colégios da Polícia Militar e Sofia Costa Pinto, além da Escola Técnica, sendo, ainda, mestre de vários padres e bispos da Arquidiocese. 
Eleito para a Academia de Letras da Bahia em 7 de março de 1990, tomou posse em 16 de outubro, no salão nobre da atual sede, sendo saudado por Thales de Azevedo. Na sua vida já percorreu estados e cidades levando a mensagem da fé, tendo proferido mais de 3000 sermões.




terça-feira, 8 de março de 2016



Poema da Mulher Não Resignada
                           Cyro de Mattos

Para onde vá sem voz
Deixa que seja levada.
Maneira de ser conduzida
Expressa o espaço inútil.  

Golpeada na afronta,  
Indisponível de si mesma.    
Pousa vazia de sentidos
No rito de cama e mesa.  

Rolam anos de vergonha,
O que podemos achar nela?
Amanhecer é preciso
Apesar das opressões.  

Inaugurar uma abertura
Entre fortes tremores.
 Chega! Um grito é capaz
De parir as próprias emoções.

Dona enfim de uma rosa
Nascida de seu trauma.    
Alimentada na rebelião
De corpo e alma, fissuras

De seu muro entre as escolhas.
Culpada mas sem pecado,    
Sabe que viver são ondas
Passando pelo mito da mulher.

Significa enfim o arrojo
 Ao alcance da verdade.  
Tal qual o parceiro na lida
De frente para o mundo.



*Cyro de Mattos é escritor e poeta. Tem livros pessoais publicados em Portugal, França, Itália e Alemanha. Com o Cancioneiro do cacau  obteve o Segundo Lugar no Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, e o Prêmio Nacional Ribeiro Couto da União Brsileira de Escritores (Rio). Conquistou o Prêmio Literário Nacional Pen Clube do Brasil 2015 com o romance Os ventos gemedores..