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segunda-feira, 28 de novembro de 2016



FERNANDO DA ROCHA PERES: OITENTA ANOS
O ano de 2016 marca o octagésimo aniversário de nascimento do poeta Fernando da Rocha Peres, historiador, defensor do nosso patrimônio, professor, administrador cultural, membro da Academia de Letras da Bahia.
Para celebrar aquele que foi um de seus ilustres professores e agora Professor Emérito, a Universidade Federal da Bahia, através de seu Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade/IHAC, organiza, em parceria com a Academia de Letras da Bahia, dias 29 e 30/11, um conjunto de manifestações comemorativas. Uma homenagem  oficial fará a abertura desse evento,  com a  divulgação de um catálogo relativo às obras do homenageado. Intitulados Poéticas de Fernando da RochaPeres, ocorrerão dois encontros (um na Universidade Federal da Bahia e outro na Academia de Letras) articulados em eixos temáticos e intermediados pela abertura de uma exposição consagrada à sua obra e por apresentações poético-musicais.

UFBA/Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade/IHAC
P R O G R A M A Ç Ã O
Data:  29/11/2016, terça-feira às 09:00 horas.    Local:  Auditório do Pavilhão Glauber Rocha (PAF 3)

9:00 - Abertura: Reitor da UFBA: João Carlos Salles
Diretor do IHAC: Messias Bandeira
Coordenador do Pós-Cultura:  Rita Aragão
Lançamento oficial da bibliografia de Fernando da Rocha Peres.

9h30min:          Leitura de DILUVIANO por Cleise Mendes
Número musical - Ângelo Castro

10 horas:           Depoimentos: Palavras na voz de amigos
                       
Flávia Garcia Roza
Cláudio Leal
Florisvaldo Mattos
Claudius Portugal
João Carlos Teixeira Gomes
Mariluce Moura,

12:00                Almoço
14h30min.         Palestra: Fernando da Rocha Peres: O historiador e defensor do patrimônio. - Francisco Senna
15:00                Palestra: Fernando da Rocha Peres: O pesquisador. - Silvia La Regina
15h30min.         Leitura de poemas – música
16:00                Café
16h30min.         Mesa redonda - Fernando: o poeta - Antonia Herrera, Cássia Lopes e Cleise Mendes.
18:00                Encerramento lítero-musical

Data:              30/11/2016, quarta-feira às 17:00 horas     Local: Academia de Letras da Bahia
17: 00               Evelina Hoisel: Abertura da Exposição de livros, fotos e vídeos.
17:30                Aproximações ao texto poético de Fernando da Rocha Peres. - Aleilton Fonseca, Gerana Damulakis e Urânia Tourinho Peres.
18:30                Café
19:00                Depoimentos: A palavra dos companheiros da Academia de Letras - Aramis Ribeiro Costa,               Carlos Ribeiro, Edivaldo Boaventura, Dom Emanuel d’Able do Amaral, Joaci Góes,                          João Eurico Matta.

20:00                Com a palavra Fernando da Rocha Peres

EncerramentoEvelina Hoisel

quinta-feira, 24 de novembro de 2016



Antologia Histórias dos Mares da Bahia
Será Lançada no dia 13 de Dezembro na ALB



Publicada pela Editus,  Editora da Universidade Estadual da Santa Cruz, a antologia Histórias dos Mares da Bahia vai ser lançada na Academia de Letras da Bahia, no dia 13 de dezembro, às 19 horas, em Salvador. O livro faz parte da Coleção Nordestina, projeto vitorioso que já publicou inúmeros títulos importantes  sobre temas nordestinos  e  envolve  as editoras universitárias do Nordeste. Com organização, prefácio e notas do acadêmico e escritor   Cyro de Mattos, posfácio de  Gerana Damulakis, a antologia Histórias dos Mares da Bahia reúne autores representativos que escreveram um conto que tenha como cenário o mar da Bahia.
 O elenco é formado pelos seguintes autores:  Aleilton Fonseca (O Pescador), Aramis Ribeiro Costa (Praia), Carlos Ribeiro (Já Vai Longe o Tempo das Baleias), Cyro de Mattos (Somente Ele Escutou a Fúria do Mar),  Dias da Costa (Um Simples Farol no Mar), Gláucia Lemos (Os Lampadários do Céu), Guido Guerra (Os Olhos do Cristo de Pedra), Helena Parente Cunha (Quatro Minicontos em Guarajuba), Hélio Pólvora  (No Mar da Bahia), João Ubaldo Ribeiro (O Bom Robalo de Compadre Edinho), Jorge Medauar  (O Peixe Vermelho), Luís Garboggini Quaglia (Ventania), Ricardo Cruz  (Todas as Luzes do Mar), Ruy Espinheira Filho (Na Ilha), Vasconcelos Maia (O Maiô e a Rosa) e Xavier Marques  (A Noiva do Golfinho).
         A antologia foi lançada com sucesso  na Bienal do Livro, em São Paulo, no dia 26 de agosto último,  no estande coletivo da Associação Brasileira de Editoras Universitárias, e na Feira do Livro da UESC, recentemente.

·        Histórias dos Mares da Bahia, organização, prefácio e notas de Cyro de Mattos
·                            Editus (UESC), Ilhéus, Bahia, 205  páginas

·                          25,00

sexta-feira, 18 de novembro de 2016



Posse na Cadeira 22 da
Academia de Letras da Bahia


Em noite memorável, a Academia de Letras da Bahia  realizou, no dia 10 de novembro de 2016, no auditório do  salão nobre, em Salvador,  a sessão solene de minha posse na cadeira 22, que tem como patrono o Visconde do Rio Branco, como  fundador Rui Barbosa e foi seu último ocupante o cronista e poeta Clóvis Lima.  Fui recebido, na oportunidade,  pelo acadêmico e escritor Aramis Ribeiro Costa, que, ao terminar seu discurso primoroso,  foi aplaudido de pé.
 Presidiu a sessão solene da posse a professora doutora Evelina Hoisel, e a  mesa oficial esteve constituída de Zulu Araújo, presidente da Fundação Pedro Calmon, representante do governador  Rui Costa, o ex-governador Roberto Santos e a presidente da Academia de Letras de Itabuna, Juíza de Direito Sonia Maron. Compareceram ao evento, com o auditório lotado, os acadêmicos Florisvaldo Mattos, Gerana Damulakis, João Eurico Matta, Susana Cardozo, Aleilton Fonseca, Abade Emanuel, Urânia Tourinho e Carlos Ribeiro.
Comecei meu discurso lendo um poema dedicado à  esposa Mariza,  transmitindo  a seguir  informações básicas sobre os ocupantes da cadeira 22, como determina o estatuto da instituição. Discorri sobre a condição do que é ser escritor, destaquei a importância da região cacaueira baiana com uma civilização que vem contribuindo para o fortalecimento da identidade literária e cultural do Brasil, através de seus escritores e artistas,  ratifiquei a  crença na literatura como forma de conhecimento de vida e empreendi uma incursão poética desde às minhas origens,  na infância e adolescência, em minha terra natal, até me  tornar um homem idoso, lembrando  minha  passagem como estudante na capital. Terminei minha fala com o poema Academia de Letras da Bahia, escrito em especial  para a noite festiva, revestida de  alegria e reconhecimento.
     
       Abaixo transcrevemos trechos do discurso de recepção pronunciado pelo acadêmico  e ficcionista Aramis Ribeiro Costa:

    “Além da crônica e do ensaio, a primeira posta em volumes, como naqueles ótimos O Mar na Rua Chile e Um Grapiúna em Frankfurt, e o segundo quase sempre em periódicos, como a Revista desta Academia, vossa prosa desdobra-se nos três pilares da criação ficcional: o romance, a novela e o conto.
O romance, Os Ventos Gemedores, na linha dos conflitos por posse de terra e liberdade, na tradição violenta e dramática do romance baiano do cacau, chega trazido pelo hábito de criar personagens intensos e pela experiência de narrar, capaz de provocar tempestade no território ficcional de Vulcano Brás, mas também na emoção do leitor. A tragédia dos inocentes em confronto com os poderosos, o abuso de poder, a valentia, o amor e a morte.
As novelas concentram-se particularmente no premiado volume Os Brabos, que nos traz quatro ficções de raízes fundas no cenário grapiúna, tão bem definido na paisagem, nos costumes e na linguagem. E os contos, finalmente, agrupam-se em vários volumes.
            Embora Os Recuados e Os Brabos tenham a sua importância histórica, e guardem a exclusividade de certas narrativas, o livro síntese de vossa ficção curta, porque relembra os anteriores, a levar o vosso nome pelos tempos adiante como um dos maiores desse gênero nas letras baianas, é, até o presente momento, a coletânea Berro de Fogo e outras histórias, 2ª. edição. Concordo com a crítica e acadêmica Gerana Damulakis, quando afirmou, no prefácio de Os Brabos, que aquele “volume de quatro narrativas simboliza a arte da ficção escrita no século XX, no Sul da Bahia”. E concordo com meu prezado amigo e crítico Cid Seixas, quando, em sua coluna de crítica no jornal A Tarde, afirmou, por ocasião do lançamento da coletânea aqui referida: “Esta coletânea, Berro de Fogo e outras histórias, traz mais de uma narrativa que pode ser incluída em qualquer antologia do conto brasileiro”.
Na verdade isso já vinha acontecendo e continuou a acontecer, e não apenas nas antologias do conto baiano e brasileiro. Vosso conto “Ladainha nas Pedras” participa de uma famosa antologia dinamarquesa ao lado de Mario Vargas Llosa, Jorge Luís Borges, Miguel Angel Astúrias, Júlio Cortázar, Juan Rulfo, Clarice Lispector, Aníbal Machado e vários outros notáveis da literatura universal e brasileira, mestres também na ficção curta. Participais de outra antologia de contos, na Rússia, que também coloca a vossa narrativa ao lado da de mestres de reconhecimento universal. A vossa participação em antologias nacionais é extensa, sendo praticamente obrigatória nas antologias baianas. Embora a inclusão em antologias já represente um reconhecimento e um destaque de mérito, vossos contos e novelas também arrebataram prêmios e distinções: o conto “Inocentes e Selvagens”, título que poderia abarcar toda a vossa obra de ficção, toda ela pontuada pelo confronto da inocência com a selvageria, conquistou o Prêmio Miguel de Cervantes, patrocinado pela Casa dos Quixotes, do Rio de Janeiro, para autores de Língua Portuguesa, em 1968; as quatro narrativas de Os Brabos conquistaram, dez anos depois, o Prêmio Nacional de Ficção Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras; e o conto “Coronel, Cacaueiro e Travessia” recebeu Menção Especial no Prêmio Internacional de Literatura da Revista Plural, do México, concorrendo com oitocentos e dezessete textos de ficção curta de seiscentos e doze autores da América, Europa e Ásia, em 1981.
            Nada disso surpreende os que conhecem vosso conto e vossa novela, narrativas fortes e bem urdidas, alicerçadas em linguagem correta, variada e rica, trespassadas do que a condição humana tem mais profundo, odioso ou comovente, movimentadas por personagens rudes ou sofridos, mas sempre convincentes. “Berro de Fogo”, onde a mágoa, o rancor, a opressão e o remorso se misturam para tecer situações impactantes e violentas; “Inocentes e Selvagens”, onde o amor de um menino por um porco é castigado com a morte, na duríssima contraposição da pureza da criança com a brutalidade dos homens; “O Velho e o Velho Rio”, “Ladainha nas Pedras”, “Coronel, Cacaueiro e Travessia”, “Velhinhos em Suas Notações de Amor”; qualquer dessas narrativas banhadas de sangue, ternura ou lágrima faria a nomeada de um contista, ainda que esse contista tenha nascido na cidade onde nasceu o grande Hélio Pólvora, e tão próximo de onde nasceu Adonias Filho...”


domingo, 13 de novembro de 2016





                                
POEMAS DO NEGRO
      Cyro de Mattos


Canga

Não se logra extrair
Os ossos dessa massa,
Os músculos mutilados
No esforço dos anos.
Tuas mãos, escravas,
Alimentadas na turva
Ferida, dor sem cura.

A atrocidade no ferro
Que furou o coração,
 A enchente na vala
Que transbordou de mágoa,
Nuvens não tocadas. 
Nunca será paga a conta
Na mancha que envergonha.

Como herança os rastros
Dessa noite escura na pele
Que te lança nos muros,
Agarra-te  nas  manhãs
Com sua claridade vista
Apenas pelos não pretos.
Até quando barreiras
De tua  cor opaca farão
Da vida  uma coisa qualquer, 
Desigual, desvão sem canto?

Pelourinho

Como suportar?
Treze... trinta... cinqüenta...
Até o último gemido.

Os outros olhando
Cada chibatada. Tristes,
Sem nada fazer.    

Ladeiras gastas.
E esse vento que recusa  
Ao largo a desgraça.


Escravo

Uma mão
Feito casca
Não lava
A outra
Feito lixa.

Ásperas
As duas
Feito bucha
Limpam
As duas
No esmero
Do senhor.

Limpam
As sobras
Ou  largura
Depois de lá
De dó em dó.

Perto
De o dia
Clarear
Até o sol 
Se pôr. 


Ferro de Passar Roupa

Passa minha roupa 
Lembrando outros tempos.
Vai fazendo estragos
Na pele dos meus bisavôs.

Ferro nos pés,  mãos
Na carne viva chiando,
O coração sangrando.
Do ventre e de velhice
Um dia foi  banido.
Afinal teve as asas
Pra voar sem marcas? 

Nas fendas acumuladas
Impregnado de aversão.
No caco,  no estômago
Mal surge cada manhã,
No prato lavado na pia.
Empoeirado na lata,
Nas unhas corroídas, 
Com urubus pelo lixão.

Pra findar eternidades
Desses gestos caóticos
A natureza inventou
Uma escultura jovem,
 No caldo uma mistura
Doutra ginga  infiltrada.
Sem fissura, amargura,
Pisando no chão,  solta,
Com a pulseira do amor. 


domingo, 6 de novembro de 2016


Dentro das Letras

Cyro de Mattos

Fiquei comovido e me senti honrado quando soube que a Academia de Letras da Bahia elegeu-me para ocupar a cadeira 22 da instituição, com 27 votos dos 28 acadêmicos, membros  efetivos, que compareceram à eleição. A cadeira 22 tem como patrono o juiz de Direito José Maria da Silva Paranhos, como fundador Rui Barbosa e o seu último ocupante foi o poeta Clovis Lima. Estarei ocupando-a no próximo dia 10 de novembro.
       Fui empossado como sócio correspondente da Academia de Letras da Bahia em 18 de novembro de 2002. Naquele momento, os estatutos proibiam que o candidato residente no interior fosse eleito membro titular. O convite para me tornar sócio correspondente da instituição foi feito pelo escritor e acadêmico titular Luís Henrique. Com a mudança nos estatutos, a mencionada proibição foi eliminada.
     Mudaram-me de lugar na valorosa Academia de Letras da Bahia. Jorge  Amado, Itazil Benício e  Hélio Pólvora foram outros escritores itabunenses que ocuparam o quadro de membros efetivos da Academia de Letras da Bahia.  Atualmente, o jornalista Samuel Celestino, que assina uma coluna política no jornal “A Tarde”, é também outro itabunense que figura como  membro efetivo dessa tradicional instituição de letras. Do sul da Bahia, a instituição tem ainda como   membros efetivos o poeta Florisvaldo Mattos (de Uruçuca) e o escritor Aleilton Fonseca (de Firmino Alves).  O ilheense James Amado era outro filiado a seu quadro de membros titulares. 
      A Academia de Letras da Bahia sempre cuidou em ter em suas hostes intelectuais da mais alta qualidade. Nesta instituição figuram juristas, poetas, ficcionistas, jornalistas e professores doutores de universidades. Ressalte-se os nomes de  Rui Barbosa, Luís Viana, Zélia Gattai, João Ubaldo Ribeiro,  Orlando Gomes, Thales de  Azevedo,   Vasconcelos Maia, Guido Guerra, Myriam Fraga, João Carlos Teixeira Gomes e  Aramis Ribeiro Costa,  entre tantos. A instituição estará comemorando o centenário de fundação em 2017. A atual presidente é a Professora Doutora Evelina Hoisel.
     Durante cinqüenta anos,  a minha vida está ligada permanentemente à literatura. Desde que publiquei meu primeiro conto, “A Corrida”, no suplemento literário do “Jornal da Bahia”, dirigido por João Ubaldo Ribeiro, naqueles idos de 1960, nunca mais deixei de publicar artigos, volumes de contos, poemas, novelas, romance e  literatura infanto-juvenil. Cada vez mais tenho amado  às letras, que me ajudam a sobre viver. A literatura tem demonstrado    que gosta de mim. Reconhece meu trabalho. Alguns de meus livros receberam prêmios importantes, no Brasil e exterior. Nove deles foram publicados no exterior. Recentemente, a Universidade Estadual de Santa Cruz outorgou-me   o título de  primeiro Doutor Honoris  Causa.  A solicitação do pleito  foi encaminhada e fundamentada em meu currículo   pela Professora Doutora Reheniglei Rehem. O processo de “canonização” de minha vida literária durou mais de ano, em segredo de procedimento estatutário da UESC. No final a aprovação da concessão da honraria,  por unanimidade. Que honra, quanta alegria!    

           Sou casado com Mariza há 48 anos, pai de três filhos, avô de seis netos.  Agradeço a Deus ter chegado até aqui. Confesso que o mundo das necessidades materiais, que gera essa guerra de cada um só pensar em si, e que continua a fazer estúpidos estragos na maravilha da vida, desviando os seres humanos da ternura, há milênios,  nunca me apeteceu.    Como se diz, “o mundo de Deus é grande, eu trago na mão fechada, o pouco com Deus é muito, o muito sem Deus  é nada.”

sexta-feira, 4 de novembro de 2016


Brasilianista Antonella Roscilli fala sobre a menor distância entre Brasil e Itália

De passagem pelo Brasil, a brasilianista Antonella Roscilli fala sobre a relação entre os dois países a partir da obra e da vida da escritora Zélia Gattai

Brasileiros são profundamente gratos aos italianos pela pizza e a macarronada que assimilamos no paladar nacional. Mas a relação entre Itália e Brasil vai muito além da mesa – ou dos estereótipos. Esta convicção é a matéria-prima do trabalho da romana Antonella Rita Roscilli, brasilianista, escritora, pesquisadora, jornalista e tradutora especializada em estudos sobre literatura brasileira e sobre a imigração italiana no maior país da América do Sul.
Antonella esteve no Brasil para lançar seu mais recente livro, Zélia Gattai e a Imigração Italiana no Brasil entre os Séculos XIX e XX, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte. O evento fez parte do programa Conversas Ítalo-Brasileiras, realizado desde 2015 pela Casa Fiat de Cultura, em parceria com o Consulado da Itália em Belo Horizonte, e conta com apoio da Embaixada da Itália em Brasília e da Associação Cultural Ítalo-Brasileira de Minas Gerais (ACIBRA-MG).
Zélia Gattai (1916-2008) foi uma das mais lendárias escritoras brasileiras, autora de clássicos como Anarquistas graças a Deus e Um chapéu para viagem. Filha e neta de imigrantes toscanos, esposa de Jorge Amado por 56 anos, Zélia também teve grande atuação política. Com sua família, participou do movimento político-operário anarquista que tinha lugar entre os imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, no início do século 20.
Antonella conversou com nossa reportagem pouco antes de sua conferência em Belo Horizonte. A brasilianista é formada em Literatura Brasileira e Países da África Lusófona na Universidade La Sapienza, de Roma, e tem mestrado em Cultura e Sociedade na UFBA. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista:

Como surgiu seu interesse para estudar o Brasil?
Surgiu há quase 25 anos e por isso acompanhei muitas transformações. Eu também já trabalhava com literatura latino-americana e tinha um programa em uma rádio no qual eu apresentava um livro de literatura caribenha e mexicana toda semana. Depois fiz uma viagem ao Brasil e de lá comecei a conhecer mais a literatura e música brasileira. Fui ao Rio, Búzios e interior da Bahia. Foram dez dias, e isso despertou meu interesse para conhecer mais. Já trabalhava na RAI (Rádio e Televisão Italiana) e, então, me apaixonei e comecei a ler, claro, Jorge Amado e Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, que adoro. Depois disso, me formei em literatura brasileira, comecei a escrever sobre o Brasil, me especializando – e continuo fazendo isso, porque acho que nunca terminarei, porque o país é imenso, existem muitos “brasis”. A partir disso também comecei a escrever sobre música brasileira, cultura em geral e história. Sem querer, fui a primeira pessoa do mundo – tenho até vergonha de falar – a fazer uma dissertação sobre Zélia Gattai, não sabendo que eu estava fazendo um trabalho piloto.

A visão da Europa e dos europeus têm sobre o Brasil está transformada nesse tempo?
Agradeço por essa pergunta, pois há mais de 20 anos luto contra os estereótipos, porque o Brasil sempre tem uma imagem muito reduzida na Europa e na Itália, simplificando, por exemplo, em carnaval, futebol e samba. Claro que isso faz parte, mas sempre fica essa imagem. Então isso faz parte da minha luta cotidiana e foi por isso que depois de muitos anos como pesquisadora, jornalista e escritora decidi abrir a Sarapedge, uma revista que me desse, primeiramente, a possibilidade de escrever sobre várias temáticas. Escrevi sobre a Guerra de Canudos, a Maria Quitéria, até sobre imigração italiana por um caminho pouco explorado.

Então você acha que ainda hoje há muitos estereótipos sobre o Brasil?
O estereótipo existe no mundo inteiro. Os brasileiros também estereotipam os italianos com a tarantella, a pizza etc. Por um lado,isso serve para identificar. Por outro, é uma grande limitação e redução que ainda persiste. Devo dizer que nesses anos todos, a política cultural no Brasil para o exterior melhorou muito. Então pessoas que imaginavam que aqui houvesse apenas índios, começaram a conhecer exposições de artistas contemporâneos.

O que motivou essa mudança? Foi como o Brasil que aprendeu a se vender ou com o fato das pessoas estarem estudando mais o país?
É muito mais fácil escrever sobre uma festa de carnaval do Rio, que é lindíssima. É muito mais fácil vender uma matéria como essa para um jornal italiano do que, por exemplo, outra sobre o carnaval de Olinda ou sobre a história da invasão holandesa com o italiano que lutou aqui. Um pouco, eu acho, é porque o discurso comercial é mais fácil, mas como gosto de desafios decidi abrir essa revista cujo nome de termo ioruba significa “Mensageiro”. Ou seja, não queria uma revista que fosse só de cultura brasileira para a Itália. Eu queria a troca. O que eu faço também como pessoa é essa ponte. Existem colaboradores do Brasil que mandam matérias para lá e tenho também italianos que escrevem, mas tudo em dois idiomas (italiano e português), porque acho que para lutar contra o estereótipo é preciso usar um pouco. Quando vale a pena falar de outras temáticas, por exemplo, em Minas Gerais o Aleijadinho, por que não abrir isso para o exterior? Claramente, a primeira vez que você fizer a proposta de uma matéria sobre ele (Aleijadinho) é difícil encontrar um diretor de um jornal que aceite. Mas depende também como você aborda ou como você causa o interesse de conhecer mais.

 Diante do que você já falou e conheceu, o que você acha que mais retrata a cultura brasileira?
Acho que esse país é imenso, não existe um só Brasil. A Bahia é um, Minas é outro, em São Paulo é outro Brasil. Eu ainda não sei qual é a constante. Então não sei. Depende.

Como você avalia a imigração italiana? Quais foram as marcas no Brasil e para a própria Itália?
No meu terceiro livro, que publiquei para o centenário de Zélia Gattai que conclui a trilogia sobre ela, tem um capítulo dedicado à imigração italiana entre os séculos 19 e 20. Porque por meio da obra dela e de outros autores, você percebe a importância de como os italianos contribuíram muito, principalmente no Sul. Não só os italianos, mas outros povos também. Eles povoaram terras no Brasil como no Paraná e ajudaram muito, na minha opinião, e no que conheço até agora, com a lutas operárias, direitos sociais, a importância da família, o valor do trabalho, o valor de pensar hoje mas para fazer alguma coisa amanhã. Quando vou para São Paulo, onde passei agora 15 dias e fiz um evento no Instituto Italiano de Cultura, me sinto na Itália. A cidade é diferente, é uma megalópole, mas eu me sinto assim, sinto a alma italiana de São Paulo. Percebo também na Bahia, porque Salvador recebeu ao longo da história, sobretudo nos séculos 17 e 18, muita imigração italiana. Ao mesmo tempo tudo isso se repercute na história italiana. Ou seja, nas pesquisas que tenho feito vejo que há muitos laços históricos que ainda quero desenvolver. Tem, por exemplo, um grupo de italianos que vieram para o Brasil e eram deportados políticos do Estado Pontifício, que chegaram em Salvador e que participaram da Revolta de Sabino e depois muitos deles ficaram lá.

Você  fala bastante sobre militância política de Zélia Gattai. Você pode falar mais um pouco sobre isso?
A imigração teve duas vertentes: econômica e política e Zélia cresceu em uma família que vivenciou esses dois lados típicos. A causa econômica era fome, pobreza, miséria. Então a família da mãe veio por isso, para trabalhar em uma fazenda em Cândido Mota no estado de São Paulo em 1890. A família do pai, Ernesto Gattai, veio de Florença, na Toscana, por motivos políticos. Ele e a família eram anarquistas e eles receberam muitas influências de Mikhail Bakunin que viajou para a Itália. Na época, aquela parte de Toscana tinha muita gente que lutava. Tinha um jornalista e biólogo que queria fazer um experimento socialista com uma colônia comunitária e recebeu terras do Imperador Dom Pedro II no Paraná e veio para o Brasil. O avô de Zélia decidiu embarcar com a família e a mulher, Ardia Fanonni – faço questão de dizer, pois conheci um descendente lá em Florença – com cinco filhos, entre eles o Ernesto Gattai com cinco anos. Então, Zélia respirou desde criança palavras italianas e ideias de justiça, democracia, igualdade. Isso impregnou a vida inteira dela. Ela mesma escreve no livro Anarquistas, graças a Deus, que quando era criança no domingo os italianos se reuniam e faziam festas, tinha a Aliança Nacional Libertadora e ela vendia jornais como La Plebe, ou seja, jornais de resistência.

Você acha que as lutas sociais no Brasil foram mais intensas?
Eu acho que não se pode fazer uma comparação, pois são dois países distintos. Não gosto de fazer comparação porque o contexto é outro, cada país tem histórico e história diferentes. O Brasil teve muita colonização – só no estado de São Paulo há cinco milhões de descendentes de italianos. Mais que Roma inteira! Então, a história

foi muito diferente. O tamanho também é diferente.