Páginas

domingo, 17 de dezembro de 2017


Amigos e Amigas


Compartilho com vocês o poema abaixo desejando-lhes um Natal com as luzes do menino na palha, um Ano Novo com êxito e paz. (CM)




O Amanhecer


Para Firmino Rocha,
em memória

A estrela desponta,
A nuvem se descobre,
O galo clarineta
E anuncia que  em Belém
O menino já chegou
Na manhã mais bela.

A boa notícia corre
No fiozinho do rio
Que da montanha desce.
Segue no vento leve
Que sopra a flor sozinha
Na plantinha do brejo.
Vem com a borboleta
Que pousa na roseira
E fica brincando
Com os raios de sol.

 
      Cyro de Mattos


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017





      Rio de Janeiro Antes e Depois  

     Cyro de Mattos

         A primeira vez  que vi o Rio de Janeiro foi pela janelinha do avião. Perde-se na memória dos anos  quando isso aconteceu. Por ter sido aprovado no exame do vestibular  do curso de Direito, em Salvador, recebi como presente do pai  uma  viagem para  conhecer o Rio de Janeiro  onde permaneceria durante trinta dias,    divertindo-me e conhecendo os lugares  pitorescos da cidade cantada como  maravilhosa em nosso cancioneiro. 
        Na minha terra natal, no interior da Bahia,  e em Salvador, onde fui estudar o curso clássico,  ouvia  ser chamada de maravilhosa a cidade  que seduzia os brasileiros e gente que vinha do estrangeiro para conhecê-la  de perto, com o seu jeito mestiço e alegre. Uma canção dizia que Copacabana era a princesinha do mar, não existia praia mais bela cheia de luz, nas  suas areias desfilavam sereias. 
      O Maracanã tinha jogos empolgantes, entre as principais equipes cariocas, era uma festa de bandeiras, erguidas por torcedores vibrantes,  a cada lance empolgante da partida jogada  no tapete verde.  De qualquer lugar você via o Cristo abençoar a cidade, os generosos braços abertos ao abraço imenso.  O bondinho do Pão de Açúcar transportava  gente brasileira e do estrangeiro para lá em cima do morro  percorrer os olhos deslumbrados pela paisagem da cidade embaixo, cercada de morros e favelas, povoada de edifícios como espigões que furavam o céu. 
      Do Pão de Açúcar você tinha a cidade a seus pés, pressentindo-a com o seu ritmo   por dentro, na alegria que irrompia do futebol no Maracanã   e nas  escolas de samba quando chegava o Carnaval. Havia, nesse tempo bom para ser vivido,  sempre  um sorriso na passagem da vida, embora as favelas fossem se expandindo por vielas e becos, intimidando  lá do morro com as  quadrilhas  disputando o poder no tráfico de drogas.   Gente perigosa descia a ladeira  e no asfalto investia contra a cidade, tendo no rosto o  espanto do assalto acompanhado da  morte.
      A cidade ainda não ultrapassava os limites sem fim  do seu galope amarelo.  Na Rua do Catete, por exemplo, com sua gente nas esquinas, discutia-se  futebol e política, as luzes dos postes iluminavam à noite os ônibus e carros que passavam,  alguns  gatos  fugiam dos velhos casarões  e vinham caminhar   nos passeios. O  bairro do Flamengo era povoado de bares, lojas e pensões, o vento  trazido do mar despejava o cheiro de maresia nos ares em silêncio.
     Durante o dia, no  centro, a cidade acontecia com  um povo afobado, andando com pressa, a subir nos ônibus, a encher os cafés e as lojas, a entupir os passeios, a  zumbir como abelhas nos ruídos de uma colmeia gigantesca. O barulhão dos motores e das buzinas, o fumaceiro dos ônibus, os sacos de lixo nas calçadas,  fregueses comprando jornal ou revista nas bancas do passeio e das galerias, tudo isso enchia de prognósticos a vida diária,  que a cada dia  aumentava com sua gente, entre o alegre e o triste, pressentida do prognóstico que  iria extraviar-se  por várias  direções.
     A cidade ainda era cantada em prosa e verso como a que tinha encanto de sobra, chegando a causar arrepio.   Naqueles idos de 1968, depois da refeição do jantar, ia com a esposa fazer o percurso entre a  Rua Correia Dutra e o Largo do Machado. Era bom caminhar despreocupado. Sentir o movimento da cidade que passava segura, sem muita pressa. Voltávamos de mãos dadas, sem ter medo de nada, pois aquele  vento bom, que vinha do mar, dava-nos a certeza de que viver naquela cidade grande valia a pena, chegando a ser  um privilégio.
          Depois de transcorridos alguns anos na cidade grande,  voltei a residir em minha terra natal, no interior baiano.  Os três filhos,  já criados e casados, deram-me seis netos. Quanta generosidade da vida! Se me perguntassem se gostaria de morar hoje no Rio de Janeiro, seria difícil dizer sim.  Nem sempre é fácil  um homem do interior acostumar-se a morar numa cidade imensa,  com ritmo veloz e intenso nos tempos de hoje, de disputa exacerbada pelo espaço, para não se falar do medo que ultrapassou os  limites de seu galope amarelo.
        Medo de ir ao supermercado. Medo de andar de  ônibus. Medo de sair de casa e não voltar. Medo de ser alcançado pelo tiroteio trocado entre a polícia e os traficantes de droga,  em plena luz do dia. Medo de ser atropelado por um ônibus, que subiu desembestado no passeio. Medo de ser morto pela briga das torcidas antes mesmo de o jogo ser iniciado. Medo de ser pisoteado na passeata pela multidão,  que de repente confrontou-se com a facção rival.  Medo de ser queimado no ônibus. Medo de ser morto  por uma bala perdida quando estava rezando na missa.
      Meu Rio de Janeiro, apesar de todos os traumas dos tempos atuais, gosto muito de você.

    



domingo, 3 de dezembro de 2017

5ª. Feira Universitária do Livro – UESC 2017


                                          Convite


A Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz, tem a honra de convidá-lo (a) para o lançamento do livro “Cyro de Mattos: Estudos Literários”, organização da Professora Doutora Reheniglei Rehem, que  ocorrerá  na noite de abertura da 5ª. Feira do Livro da UESC.
O evento contará com a presença do homenageado, escritor Cyro de Mattos.

Local: Auditório Paulo Souto – UESC
Rodovia Ilhéus-Itabuna,
Km 17, Vila do Salobrinho
Data: 5 de dezembro de 2017

 Horários 18 h.

terça-feira, 21 de novembro de 2017



         



                          

Herói  dos Palmares

Cyro de Mattos

Falo Zumbi,
Digo Palmares,
Ritmo da liberdade.

Falo Zumbi,
Digo Palmares,
Batuque da igualdade.

Falo Zumbi,
Digo Palmares,
Canção da fraternidade.

Falo Zumbi,
Digo Palmares
Sem o açúcar insaciável.

Falo Zumbi,
Digo Palmares,
Grito de cor indignada.

Falo Zumbi,
Digo Palmares,
No abismo a África salta. 

Falo Zumbi,
Digo Palmares
Nessa dívida impagável.


*Cyro de Mattos é autor de 43 livros individuais. Organizou dez antologias. Tem doze livros publicados em várias editoras europeias. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)

sábado, 18 de novembro de 2017

           [



                   Torcedor na Desportiva    

                                                  Cyro de Mattos             


Penso que um futebol amador de jogadores com boa técnica, que  se exibiam no velho e saudoso Campo da Desportiva, não deveria ficar esquecido. Merece um museu  para que um dos aspectos da nossa memória seja valorizada.  Sirva  para que as novas gerações tomem conhecimento  de que é o homem que faz o lugar e  não o lugar que faz o homem.  Faz-se necessário  que o teor do que acabei de dizer seja explicado melhor. É imperioso que o futebol amador de nossa cidade, na fase áurea,  seja mostrado aos conterrâneos e visitantes, curiosos e estudiosos. Como nasceu e se desenvolveu  com tão boas qualidades técnicas, em seu longo curso de amadorismo. Avaliado nas razões de como jogadores que não eram profissionais, numa época distante do interior baiano, longe de centros esportivos desenvolvidos, como Rio e São Paulo, ou até Recife,  Belo Horizonte e Porto Alegre, deram espetáculos com um potencial técnico surpreendente, movido com arte e emoção.
Jogadores amadores que podiam vestir a camisa de  grandes clubes brasileiros, se tivessem atuando hoje. Não será exagero afirmar que com sorte alguns desses jogadores poderiam chegar  até mesmo à Seleção Brasileira. Cito três: Léo Briglia, Déri e Fernando Riela. Como aconteceu com Perivaldo, que surgiu no declínio do Campo da Desportiva, ou com outros de época mais recente, quando então os meios de comunicação fazem ficar conhecidos os atletas que jogam  em lugares distantes desse imenso Brasil. 
                         Sem ufanismo, sabem como eu os mais antigos desportistas de minha terra natal, vários  deles hoje passando dos setenta anos, que aqueles jogadores amadores escreveram, no piso esburacado de um estádio acanhado, páginas belas de uma das nossas maiores paixões populares. Basta dizer que meio século depois nenhuma cidade do interior da Bahia conseguiu igualar a saga da seleção amadora,  campeã seis vezes seguidas pelo Intermunicipal. Antes de alcançar essa marca, venceu  o Torneio Antonio Balbino, em Salvador, no qual participaram outras boas seleções do interior baiano. .
             Publiquei um livro sobre esse futebol amador  para contribuir um pouco com a preservação dessa memória. Promovi quando gestor cultural da cidade o documentário “Saudosa Desportiva, Gloriosa Seleção”. Sua exibição foi um sucesso. Tocou os corações de muitos,   familiares de jogadores, torcedores daquela época do futebol amador,  curiosos de ontem e hoje. Na tela do palco do Centro de Cultura Adonias Filho,  uma seleção amadora de futebol ressurgiu do fumo do tempo para mostrar  uma das faces da alma do povo brasileiro: o futebol. Jogado com emoção e garra,  classe e algum feitiço no campinho do interior.
           Sempre estou agradecendo àqueles artistas da bola na época de ouro de nosso futebol amador, pelas  alegrias que  deram no velho e saudoso Campo da Desportiva. Deles e do velho campo, com os momentos fascinantes, agradáveis e divertidos,  não  devo esquecer.  Como neste poema que escrevi:

Soneto do Campo da Desportiva - De zinco era coberta a arquibancada /A cancha tinha um piso esburacado./ Nem um pouco essa chuva demorada/Conseguia deixar desanimado/ O torcedor, que curtia a jogada / Do seu ídolo na bola passada./Dos pés a mágica mostrava ser / Tudo um sonho para nunca esquecer./ O gol de placa do atacante quando/ A partida já chegava ao final/E a marca da seleção que venceu/ Tantas vezes o intermunicipal/ Seguiram-me na torcida de meu/ Time pelos estádios do  mundo.   













sábado, 11 de novembro de 2017




Senhoras acadêmicas,
Senhores acadêmicos,

Com grande pesar, comunico o falecimento do professor, historiador e cientista políticoLuiz Alberto de Viana Moniz Bandeira, membro correspondente da ALB, ocorrido  ontem,sexta-feira, dia 10 de novembro,  na Alemanha.
Um dos mais notáveis intelectuais brasileiros e um pioneiro no estudo das Relações Internacionais, Moniz Bandeira estava radicado na cidade alemã de Heidelberg e era cônsul honorário do Brasil. Em 2015, foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura pela União Brasileira de Escritores (UBE), em reconhecimento pelo seu trabalho como intelectual, dedicado a repensar o Brasil. Em 2016, foi homenageado na UBE com o seminário "80 anos de Moniz Bandeira", ocasião em que sua obra foi destacada por importantes personalidades do meio acadêmico, político e diplomático.
Além de influente intelectual, Moniz Bandeira teve uma importante trajetória de militância política, filiado ao Partido Socialista Brasileiro.
 Sua posse como membro correspondente na Academia de Letras da Bahia ocorreu em 8 de agosto de 2000.

Atenciosamente,
Evelina Hoisel
Presidente ALB

quarta-feira, 1 de novembro de 2017



Cyro de Mattos lança “A Casa Verde e Outros Poemas”

Com a presença de presidente da Academia de Letras da Bahia, professora doutora Evelina Hoisel, representante do Instituto de Letras da UFBA, professora doutora Denise Scheyerl, acadêmicos Joaci Goes, Aramis Ribeiro Costa e Florisvaldo Mattos, desenhista Ângelo Roberto, cineasta  Cicero Bathomarco, professora doutora Maysa Miranda, professores, jornalistas e  intelectuais, A Casa Verde e Outros Poemas é o novo livro do acadêmico Cyro de Mattos. lançado no dia 24 de outubro, na sede da Academia de Letras da Bahia, em salvador.  A obra – traduzida para o inglês pelo professor Luiz Angélico. da UFBA,  em um dos seus últimos trabalhos – compõe-se de duas partes. No primeiro momento, o escritor inspira-se na Casa Verde, hoje um museu desativado que revela o passado da conquista e do domínio dos coronéis do cacau, um tempo áureo da civilização grapiúna, especialmente na cidade baiana de Itabuna, local de nascimento do autor e sede do espaço cultural.
O segundo momento é formado pelos poemas “Canto a Nossa Senhora das Matas”, “Um Poema Todo Verde”, “Morcego”, “Boi”, “Galos”, “A Roda do Tempo”, “A Árvore e a Poesia”, “Passarinhos” e “Devastação” (I,II). “De linhagem telúrica são poemas que se inserem, também, nas questões ecológicas dos tempos atuais”, destaca Cyro de Mattos.
Mattos lamenta o não funcionamento do museu para o incentivo da cultural local. “Causa prejuízos de natureza histórico-cultural à comunidade e ao sul da Bahia, o que é lastimável. Documentos valiosos sobre a memória política da cidade estão ali guardados. Reativar, manter e disponibilizar ao público o Museu Casa Verde significa não só preservar a memória da civilização cacaueira com o seu modo singular de vida, mas também possibilita a construção de novos conceitos de manutenção histórico-patrimonial, em sintonia valiosa com o conhecimento autêntico do passado regional”, defende. A falta de incentivo financeiro é um dos principais motivos pelo o seu atual fechamento.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

       


         " A Casa Verde e Outros Poemas"
        de Cyro de Mattos Vai Ser Lançado
        na Academia de Letras da Bahia
        
       
       O livro A Casa Verde e Outros Poemas, de Cyro de Mattos, com tradução para o inglês do Professor Emérito da UFBA, Doutor Luiz Angélico, vai  ser lançado na Academia de Letras da Bahia, em Salvador, no dia 24 deste mês, às 17 horas.  Na oportunidade, o autor fará uma palestra sobre o Museu Casa Verde, que está há anos desativado.  O livro compõe-se de duas partes, como o próprio título indica. No primeiro momento, o poeta baiano Cyro de Mattos inspira-se na Casa Verde, que serviu de residência a Henrique Alves dos Reis (1861-1942), coronel do cacau, e sua esposa, dona Cordolina Loup dos Reis, a filha Elvira e o genro Miguel Moreira, que foi prefeito de Itabuna.
       O segundo momento  é formado pelos poemas “Canto a Nossa Senhora das Matas”, “Um Poema Todo Verde”, “Morcego”, “Boi”, “Galos”, “A Roda do Tempo”, “A Árvore e a Poesia”, “Passarinhos” e “Devastação” (I,II). São poemas de vibrante força telúrica, puros como o chão de quem possui um modo próprio de fazer poesia universal sem perder de vistas os muros da aldeia,  por meio de um  timbre nativo da origem tornada linguagem, como bem sublinhou o crítico e poeta Ledo Ivo. São poemas que se inserem, também, nas questões ecológicas dos tempos atuais.
      Cenário de Luxo
Com versos despojados, de lirismo puro, o premiado poeta baiano (de Itabuna) faz uma viagem no tempo perdido e busca recuperar sua alma através do diálogo que estabelece entre a poesia e a memória, que é o lugar de onde emerge a história com as pessoas, fatos e coisas. Local de importantes decisões políticas do município, reuniões sociais e festivas, a Casa Verde tornou-se cenário de luxo e requinte nos anos 30.

      Vale a pena lembrar que  A Casa Verde e Outros Poemas traz a tradução primorosa para o inglês realizada pelo poeta, ensaísta e Professor Emérito Doutor Luiz Angélico. Homem erudito, simples e fraterno, de uma atuação admirável como professor de inglês no curso de Letras da Universidade Federal da Bahia, tradutor renomado, sua tradução para a língua inglesa de A Casa Verde e Outros Poemas é possivelmente um de seus últimos trabalhos no setor, antes de nos deixar para outra dimensão. O poeta Cyro de Mattos ao dedicar-lhe o livro não só celebra a amizade e o apreço que tinha por ele como  presta justa homenagem a quem tanto se dedicou ao ensino do inglês na UFBA e à arte da tradução, desvendando com competência seus limites e modos para que muitos possam conhecer a linguagem de outros povos, com sua alma, seus costumes, seu cotidiano, suas dores e sonhos. 

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

              


                  Romance  da Infância 
          
                  Cyro de Mattos

Já vai longe o tempo da infância na cidade onde nasci. Tinha poucas ruas calçadas,  três ou quatro bairros, o jardim, o cinema, o ginásio e a igrejinha. Seu rio, chamado  Cachoeira, descia sereno no tempo de estio. Era brabo na cheia, derrubava as casas ribeirinhas,  alagava ruas, levava no lombo  até bicho grande morto. Dividia a cidade em duas partes. Uma gente pobre tirava dele o sustento de suas famílias: lavadeiras, tiradores de areia,  pescadores e aguadeiros.
Lá, naquela cidade distante,  joguei bola com a turma de queridos amigos nos campinhos improvisados dos terrenos baldios.  Roubei fruta madura nos quintais das casas perto da beira do rio.  Brinquei de mocinho e bandido. Fiz a primeira comunhão e tive a primeira namorada. Esbanjei alegria no meu primeiro carnaval pelo salão do clube social. 
Lá também criei vaga-lumes para vê-los à noite piscando no quarto. Nadei como um peixe ágil nos poços bem claros do rio que tinha as águas doces. Andei como um bicho solto, sem ter medo  de nada, nos caminhos do mato. Feito pássaro dava cada voo com o vento mais alto. Quando cresci, soube que  a infância tem um sabor de fruta doce  que acaba quando chega o tempo dos homens.
              Não querendo que aqueles dias vividos com aventuras, descobertas e sustos esplêndidos se perdessem no tempo que se foi, sem que eu percebesse de tão rápido, ficando na alma trancados pelos homens,  resolvi então escrever algumas breves ficções com pedaços da infância. Nesses episódios que reinventei  com os fios eternos do sonho, procuro   compartilhar com quem quiser ler  um pouco da aventura da vida. Percorro caminhos,  para encontrar o menino na fumaça do tempo, mas que ainda pulsa no meu coração porque não se cansou de ser menino. Assim, anuncio que acabo de escrever meu segundo romance, Nada Era Melhor, que se destina ao leitor iniciante, mas também adulto. .
Cada  episódio desse romance  pode ser concebido como uma história, já que  possui autonomia na sua narrativa, conduzida na trama  com  os elementos tradicionais do tempo desmembrado com princípio, meio e fim. Como cada um dos episódios  é protagonizado por um menino em sua pré-adolescência, tendo como espaço de  suas aventuras  a infância,  o lugar onde elas acontecem sendo  uma cidade do interior baiano, no caso a cidade onde nasci, na primeira  metade do século XX, com personagens secundárias que  participam algumas vezes de muitos eventos,  não se pode deixar de considerar que Nada Era Melhor é uma história representativa da primeira fase da vida. Um romance,  de iniciação, como alguns escritores já fizeram na literatura ocidental.  E de maneira fascinante.
Mas aviso aos navegantes da barca literária que longe de mim a  pretensão de querer ser um  desses admiráveis ficcionistas, tecedores  da infância  com pedaços coloridos duma aventura inocente e vibrante.  Estaria realizado como autor se, por exemplo,  tivesse assinado Menino de Engenho, de José Lins do Rego, ou  Menino no Espelho, de Fernando Sabino.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017



Um Museu Importante que Foi Casa
 de Coronel de Cacau Está Desativado

                                                 Cyro de Mattos

A Fundação Henrique Alves dos Reis foi forçada  a ficar desativada  em 1990, em razão da falta de recursos e, com isso, o município de Itabuna sofreu uma grande perda dentro do contexto cultural de seus espaços mais importantes. A Fundação era mantida com os rendimentos de 2.500 arrobas de cacau que a fazenda Sempre Viva produzia anualmente. O baixo preço do produto àquela época e a carestia imposta por uma inflação galopante fizeram com que  se tornasse inviável a sua manutenção. Em época mais recente, ainda como fator negativo para reativar a fundação Henrique Alves dos Reis, interferiu o advento da praga da vassoura-de-bruxa, contribuindo para a quase devastação da lavoura cacaueira.
Idealizada por dona Elvira dos Reis Moreira para perpetuar a memória do pai, coronel Henrique Alves dos Reis, desbravador e  chefe político de grande influência no município,  a Fundação foi instalada em 11 de setembro de 1978, mas em 10 de maio de 1974 já existia  o Museu Casa Verde, que passou depois a integrar o patrimônio da instituição. Funcionava no local onde,  no princípio do século XX, existia um armazém para a comercialização e  depósito do cacau.  Com a destruição do armazém, foi erguida em seu lugar a Casa Verde, datada de 1887, onde moraram o coronel Henrique Alves dos Reis e sua mulher, dona Cordolina Loup dos Reis, a filha Elvira e o genro, Miguel Moreira, que foi prefeito de Itabuna.
O Museu Casa Verde preserva o passado da conquista e do domínio dos coronéis do cacau, um tempo áureo da civilização grapiúna visível nas peças e indumentárias dos séculos XIX e XX, pertencentes à família do coronel Henrique Alves dos Reis. O mobiliário ali exposto é em madeira trabalhado na Áustria e em Portugal, conservando o museu um acervo constituído de mais de 2.500 peças de cristais de Baracat, prata, coleções belíssimas de biscuits franceses, aparelhos de  café e jantar de Limoges e da Inglaterra, conjunto de talheres de Cristophe, móveis em estilo Luís XV, bandejas, jarros,  e bacias em louça chinesa, floreiras em electroprata, além de objetos pessoais; fardamentos, espadas, moedas em prata dos primeiros anos do século XX, vestidos, chapéus e leques.
Documentos valiosos sobre a memória política da cidade estão ali guardados, assim como vários números do jornal O Intransigente, um dos primeiros veículos da imprensa local, cuja primeira página  do primeiro número foi impressa em seda pura.
A Universidade  Estadual de Santa Cruz  - UESC – e o seu Centro de Documentação e Memória Regional – CEDOC – assumiram no final do século XX  a administração do Museu Casa Verde, da Fundação Henrique Alves dos Reis, em Itabuna, contribuindo  assim para formar, por extensão, o diálogo entre a memória, que é o lugar de onde emerge a história, e as pessoas que forem visitar um espaço formador do desenvolvimento sócio-cultural da comunidade baiana e, em particular, da grapiúna.
Reativar, manter e disponibilizar ao público o Museu Casa Verde, criado em 1974, significou não só preservar a memória da civilização cacaueira com o seu modo singular de vida, mas também possibilitou a construção de novos conceitos de manutenção histórico-patrimonial, em sintonia valiosa com o conhecimento autêntico do passado regional. No Museu Casa Verde percebe-se e compreende-se que ali está manifesta uma linguagem que vem do começo da civilização do cacau, formada pelos falares  e fazeres no dia-a-dia, doméstico, urbano e religioso, dentro e fora  da residência dos pioneiros que conquistaram a terra coberta de mata virgem.
Naquela oportunidade, a  reativação do Museu Casa Verde foi, ainda, um modo  eficaz de desconstituir a postura ilimitada de que modernidade e progresso, nos tempos velozes  da internet, andam de mãos dadas como meios incontornáveis para a exclusão do que seja antigo. Deu-se  oportunidade através de uma universidade criativa, e que se tornou uma sólida instituição cultural do Sul da Bahia, para conhecer e apreciar, pesquisar e estudar, duas mil peças de aspectos com os seus significados, significantes e elementos da natureza histórico-social, os quais servem sobretudo para a compreensão mais abrangente da Região Cacaueira Baiana e da História do Brasil.
No entanto, depois de alguns anos de proveitosa atuação, a parceria foi dissolvida. E,  passados tantos anos,  o Museu  Casa Verde continua desativado, causando prejuízos de natureza histórico-cultural  à comunidade  e ao Sul da Bahia, o que é lastimável.



A Casa Verde

Cyro de Mattos

O sol partindo-se nas gargalhadas.
O tempo tendo os pulsos firmes, eis
O coronel Henrique Alves dos Reis.

Na selva indômita o fino bordado
De Dona Cordolina, leves asas
Do amor que na valsa voa e suspira.

Sombras caminham no aroma de noites
Gemidas, os lençóis rangem na alcova
De Dom Miguel e Dona Elvira. A cava

Hora do rebento que nunca veio.
Ai, solidões a sugar o triste seio.
Grave paisagem grava o relógio

Na parede. Em cada coisa que toco,
Em cada voz que escuto,  em cada traço
Que adivinho. Gestos longínquos há

De um certo pássaro agora, que canta
Em mim e invisível ganha o silêncio.
Estranha vertigem do verde,  ser

Esta casa, flor que já não trescala,
Rio que não passa. No exílio ser
Turvo sonho na poeira dos marcos.

Quem sabe por que razão os cristais
Foram a manhã dessa casa? A seda
Cativou com tão suave perfume?



( Poema inspirado na casa que  serviu de residência a Henrique  Alves dos Reis, coronel do cacau,  e sua família, em Itabuna (rua Miguel Calmon),  do livro Cancioneiro do Cacau,  Segundo Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, Genova, Itália, e Prêmio Nacional  Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores/Rio).