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segunda-feira, 28 de agosto de 2017




REVOLTA DOS BÚZIOS, IDENTIDADE E PRESENÇA


Participando hoje, pela manhã, de magnífica e consagradora sessão especial da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada Fabíola Mansur, em memória da Revolta dos Búzios, pelo transcurso de seus 219 anos, um marco da luta pela igualdade e liberdade no Brasil-Colônia, convidado a compor a mesa, com políticos, professores e luminares do movimento negro da Bahia, levei para ler na tribuna o texto abaixo transcrito, ao final solicitado para figurar nos anais da Casa, como registro.
Impressionaram o entusiasmo e a identidade do auditório para com o significado da iniciativa, expressados em cantos de hinos e fortes aplausos, especialmente para duas falas, a da professora Patricia Valim, especialista no assunto, e a de João Jorge Rodrigues, um ícone na luta pelo reconhecimento da importância do negro na sociedade brasileira.
Transcrevo abaixo o texto da palestra, agregando, como ilustração, célebre pintura do francês Eugéne Delacroix, "A Liberdade Conduzindo o Povo" (1830), desde que o sumo das ideias e da pregação da conjuração baiana centrava-se na caudal de princípios que nortearam a Revolução Francesa, de 1789.


A COMUNICAÇÃO PÚBLCA
NA REVOLTA DOS BÚZIOS
Florisvaldo Mattos

Senhoras e senhores, bom-dia.
Devo a minha presença nesta sessão especial à deputada Fabíola Mansur, que me agraciou com o gentil convite para dela participar, em razão de ter eu escrito um livro, por sinal publicado pela Assembleia Legislativa, em convênio com a Academia de Letras da Bahia, em 1998, por ocasião das comemorações dos 200 anos do movimento revolucionário, que se chamou Revolta do Búzios, objeto dessa iniciativa merecedora de aplausos.
Nesta obra, que recebeu o título de A comunicação social na Revolução dos Alfaiates, deixando a parte essencialmente histórica da sublevação à competência dos historiadores, entre eles o professo Luiz Henrique Dias Tavares, seu mais destacado estudioso, preferi abordar pioneiramente um ponto crucial creio que pioneiramente, um ponto crucial que consistia em definir o papel da comunicação social na insurreição, optando pela designação mais repetida entre os estudiosos do fato histórico, hoje mais comumente chamado Revolta dos Búzios.
Sucedeu que, na última década do século XVIII, um grupo de pessoas em diversas situações de classe, mas preponderantemente da mais baixa escala social, intentou promover um levante, que visava libertar o Brasil-Colônia do jugo português, empunhando múltiplas bandeiras, tais como independência da Capitania, implantação da república, a abolição da escravatura, igualdade para todos, livre comércio com as nações do mundo, interrupção do vínculo com a Igreja do Vaticano, instituição do trabalho remunerado, melhoria do soldo militar e garantias para os plantadores de cana, fumo e mandioca, assim como para comerciantes.
No que se refere às ideias dos que estavam engajados no movimento de libertação, esse caldeirão efervescente pressupõe um vasto campo de procedimentos durante certo período, em que imperaram as relações de comunicação, para obtenção de consenso em torno dos propósitos da intentada conjuração. No entanto, desbaratada a revolta, o resultado de tão elevada aspiração ficou na história como exemplo máximo de sofrimento, crueldade e tragédia, recaindo as penas de enforcamento, seguido de esquartejamento, sobre quatro dos envolvidos, dois deles soldados (Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas do Amorim Torres) e dois artesãos (João de Deus do Nascimento, mestre alfaiate, e Manoel Faustino dos Santos Lira, então oficial alfaiate, mas ex-escravo), livrando-se da severa punição um quinto personagem, Luiz Pires, também artesão, porque fugira, desaparecera sem deixar rastros.
Tem-se uma ligeira noção desse quadro com a descrição do que era Capital da Bahia em 1798, ano da derrocada do movimento. Tratava-se de uma sociedade de vizinhança, aquela em que, conforme define a sociologia, a relação entre as pessoas se estabelece por via predominantemente oral, isto é, por canais diretos de comunicação, com a escrita (canal indireto) funcionando como forma subsidiária, sujeita a graus de instrução e, por isso mesmo, constituindo-se patrimônio de poucos.
A estrutura social de então assentava-se no patriarcalismo e na economia escrava, em que pontificavam os senhores de escravos, dos engenhos, das terras, das minas e dos currais de gado e os lavradores proprietários, que só se distinguiam daqueles por não possuírem engenhos. Distribuía-se pelo intermédio, entre o senhor patriarcal e o escravo, um certo número de categorias: clero, magistrados, comerciantes, servidores da administração colonial, o chamado povo livre, os artesãos e os que ostentavam profissões qualificadas, além dos marginalizados da economia, como os mendigos, os desocupados e as prostitutas.
A educação formal se limitava ao ensino imposto e administrado pela Igreja, isto é pelos jesuítas, reduzindo-se ao estudo das sete disciplinas da chamada Ratio Studiorum, a que poucos tinham acesso. Não havia universidade, tampouco bibliotecas, livrarias e imprensa devido às rigorosas proibições impostas pela Coroa portuguesa, desde o início da ocupação do território. Segundo o maior estudioso dessa conjuração, o professor e historiador Luís Henrique Dias Tavares, os livros e outros escritos chegavam da Europa “nas cabeças, baús, amarrados de jovens brasileiros estudantes em Coimbra”, enquanto Nelson Werneck Sodré garante que vinham de contrabando, tudo às escondidas.
E quanto à população? Luiz dos Santos Vilhena, em suas Cartas Soteropolitanas, situava a Capitania em menos de 200 mil habitantes, sendo desses 50 mil para o Recôncavo e menos de 60 mil para a Capital, o que praticamente iria se confirmar no censo realizado pelo Conde da Ponte, em 1807, com 51 mil para a Capital, sendo 28% compostos de brancos e 72% de pretos e pardos. Desses últimos sairia a esmagadora maioria dos participantes da planejada sedição, formada por escravos, artesãos, soldados e alforriados, mas também, embora poucos, por profissionais qualificados e religiosos, como o Padre Agostinho Gomes, que facultava livros à leitura, municiando o ideário dos descontentes com o statu quo da Colônia então identificados com os princípios dos revolucionários franceses de 1789.
O essencial desses princípios reflete-se no poema revolucionário intitulado "Décimas sobre a Igualdade e Liberdade", de criação atribuída a Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque e, também, a Francisco Moniz Barreto, que o conjurado Manuel Faustino dos Santos Lira recitou, quando em depoimento o Juiz do Feito lhe perguntou se de sua letra tinha notícia, ouvindo do depoente, como resposta, que lera e decorara o poema, passando a repeti-lo oralmente. É este que agora leio, em versão crítica de ortografia atualizada.

DÉCIMAS SOBRE A LIBERDADE E IGUALDADE

Letra

"Igualdade e Liberdade
No Sacrário da Razão
Ao lado da sã Justiça
Preenchem meu coração.

Décimas 
Se a causa motriz dos entes
Tem as mesmas sensações
Mesmos órgãos, e precisões,
Dados a todos os viventes,
Se a qualquer suficientes
Meios da necessidade
Remir com equidade;
Logo são imperecíveis
E de Deus Leis infalíveis,
Igualdade e Liberdade.
Se este dogma for seguido,
E de todos respeitado,
Fará bem aventurado
Ao povo rude, e polido,
E assim que florescido
Tem da América a Nação
Assim flutue o Pendão
Dos franceses que a imitaram
Depois que afoitas entraram
No Sacrário da Razão.
Estes povos venturosos
Levantando soltos os braços
Desfeitos em mil pedaços
Feros grilhões vergonhosos,
Juraram viver ditosos,
Isentos da vil cobiça,
Da impostura, e da preguiça,
Respeitando os seus Direitos,
Alegres, e satisfeitos,
Ao lado da sã Justiça.
Quando os olhos dos Baianos
Estes quadros divisarem,
E longe de si lançarem
Mil despóticos Tiranos
Quão felizes, e soberanos,
Nas suas terras serão!
Oh! Que doce comoção
Experimentam estas venturas,
Só elas, bem que futuras,
Preenchem o meu coração."

No que respeita à minha análise do movimento, baseada em fontes primárias e secundárias, interessaram-me fundamentalmente as relações de comunicação que permitiram, seja no nível interpessoal, pela via oral, com predominância da conversa e do recado, seja no da comunicação manuscrita, com cartas, bilhetes e avisos, atuando em dois planos: no da formação da consciência política e revolucionária e no da preparação para o levante. E pude observar que todo o processo, toda a engrenagem conspiratória, claramente se consumiu em atos de comunicação, havendo, no entanto, um momento de evolução nessas relações, determinante para a frustração e o fim trágico do movimento.
Por meio de técnica mais aperfeiçoada do uso da escrita, os rebeldes conseguiram de repente superar as limitações da comunicação de círculo privado entre pessoas, evoluindo para um nível mais amplo – o da comunicação pública, de caráter unilateral e indeterminado, mesmo em manuscrito. Foi o que aconteceu a partir da madrugada de 12 de agosto de 1798, quando a população da Capital foi surpreendida com uma série de textos manuscritos, em número de dez, afixados em locais públicos, para onde convergia grande número de pessoas, tais como portas de igreja, mercados de peixe, carne, frutas e legumes, cais do porto, portas de quartéis, tendas e oficinas de artesãos – onde em verdade efetivamente operava-se o cotidiano da cidade -, veiculando mensagens de conteúdo basicamente político-ideológico, em prol de uma reforma social, embora expresso de forma genérica. Era inegavelmente um claro avanço, com a comunicação processando-se em grau mais amplo de destinatário.
A partir daí, deflagrada a perseguição, que já vinha sendo cogitada em razão de denúncias levadas ao governador e até à Coroa em Portugal, 49 foram os presos acusados de conspiração, 40 deles distribuídos por ofícios de baixa qualificação ou simplesmente escravos, instalando-se, por conseqüência, dois processos regidos por dois desembargadores fiéis à Corte: um, Manoel Pinto de Avelar Barbedo, então Ouvidor Geral do Crime, para investigação do que se passou a chamar "boletins sediciosos", espalhados pela cidade, e outro, Francisco Sabino Álvares da Costa Pinto, voltado para a reunião de preparação para o levante, que fora convocada para o então chamado Dique do Desterro, naquele tempo um lugar afastado e ermo.
Aqui reside um ponto crucial, a presença desses "boletins sediciosos", que foram, para os revolucionários, como digo no livro, “o seu jornal, seu instrumento de divulgação de idéias e definições para um público mais amplo, que extrapolava o circuito da conspiração até aquele momento”.
Tendo em vista esse aspecto, sem fazer praça de originalidade, tomei os dez boletins sediciosos que se espalharam pela cidade como a mais expressiva e inovadora forma de comunicação indireta utilizada pelos participantes da conjuração, desempenhando, para a época, o legítimo papel de jornal manuscrito, por meio do qual os conjurados difundiram as suas idéias e projetos de reforma social, com sublevação da ordem constituída, para um público indeterminado – chamado por eles de Povo Bahiense -, com características de comunicação pública, unilateral e indeterminada, como seriam pouco depois – no Brasil e na Bahia – os jornais impressos.
Começando, primeiro, pela "Gazeta do Rio de Janeiro", autorizada por carta régia de Dom João VI, em 1808, a prática do jornalismo surgiria na Bahia, em 1811, com o pioneiro "Idade d´Ouro do Brazil", publicação de linha oportunamente submissa aos ditames do poder colonial, embora trouxesse inscritos em seu cabeçalho, com presumível toque de ironia, estes dois versos do poeta quinhentista português, Sá de Miranda;

Falai em tudo verdades
A quem em tudo as deveis.

Só que, no Brasil-Colônia, as verdades proclamadas e aparentemente aceitas eram as do regime absolutista colonizador.
Motivos de uma das devassas que apuraram a conspiração, esses dez boletins sediciosos visavam, em essência, alcançar um público, uma coletividade de pessoas, em apoio do movimento. Dirigidos ao Povo Bahiense, cinco eram encabeçados como Aviso, um como Nota e quatro como Prelo, palavra que sintomaticamente fazia ressoar a técnica de impressão inaugurada por Gutenberg, que deu origem a toda a uma consagrada cultura editorial e gráfica no Ocidente.
Dois desses boletins vão abaixo transcritos na versão crítica de ortografia atualizada, um intitulado Aviso ao Povo Bahiense, o outro, Prelo.

Aviso ao Povo Bahiense

Ó vós Homens Cidadãos, ó vós Povos curvados e abandonados pelo Rei, pelos seus ministros.
Ó vós Povos que estais para serdes Livres, e para gozardes dos bons efeitos da Liberdade; Ó vós Povos que viveis flagelados com o pleno poder do Indigno coroado, esse mesmo Rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é quem se firma no trono para vos vexar, para vos roubar e para vos maltratar.
Homens, o tempo é chegado para a vossa Ressurreição, sim para ressuscitardes do abismo da escravidão, para levantardes a Sagrada Bandeira da Liberdade.
A liberdade consiste no estado feliz, no estado livre do abatimento; a liberdade é a doçura da vida, o descanso do homem com igual paralelo de uns para outros, finalmente a liberdade é o repouso, e bem-aventurança do mundo.
A França está cada vez mais exaltada, a Alemanha já lhe dobrou o joelho, Castela só aspira a sua aliança, Roma já vive anexa, o Pontífice já está abandonado, e desterrado; o rei da Prússia está preso pelo seu próprio povo: as nações do mundo todas têm seus olhos fixos na França, a liberdade é agradável para vós defenderdes a vossa Liberdade, o dia da nossa revolução, da nossa Liberdade e da nossa felicidade está para chegar, animai-vos que sereis felizes para sempre.

Prelo

O Povo Bahiense e Republicano ordena, manda e quer que para o futuro seja feita nesta Cidade esse seu termo a sua revolução; portanto manda que seja punido com pena de morte natural para sempre todo aquele e qualquer que no púlpito, confessionário, exortação, conversação; por qualquer modo, forma e maneira se atreva a persuadir aos ignorantes, e fanáticos com o que for contra a liberdade, igualdade e fraternidade do Povo; outrossim, manda o Povo que seja reputado Concidadão aquele Padre que trabalhar para o fim da Liberdade Popular.
Quer que cada um soldado tenha de soldo dois tostões cada dia de soldo.
Os Deputados da Liberdade frequentarão todos os atos da igreja para que seja tomado inteiro conhecimento dos delinquentes: assim seja entendido aliás...
O Povo
Entes da Liberdade

Por isso é que, como sustentei em meu livro, esses chamados boletins sediciosos, como os classificaram o poder colonial e sua Justiça, que os revoltosos espalharam por locais de afluência pública na Bahia de 1798, embora manuscritos, sejam reconhecidos, 219 anos depois, senão como ato legítimo de imprensa, em face das precariedades técnicas vigentes, mas como dela alvissareiro embrião e prova coletiva de vontade redentora e modernizadora, para o Brasil, ainda injustamente pouco divulgada.
MUITO OBRIGADO.
*Florisvaldo Mattos é poeta, ensaísta e jornalista, professor aposentado da UFBA. Texto de palestra que constou da programação de Sessão Especial realizada no plenário da Assembleia Legislativa da Bahia, na manhã de 25/08/2017, às 09:30 horas, por proposta da deputada Fabíola Mansur, que a presidiu, em comemoração aos 219 anos da Revolta dos Búzios (1798).




domingo, 20 de agosto de 2017



Caio Porfírio Carneiro no Coração
                                   
                                Cyro de Mattos

O inexorável sempre nos alcança, mostra, em momento irreversível, o quanto somos frágeis. Submete sem remorso o nosso coração a essa  hora ruim, com ares cor de cera. Fere quando  tira  de nós  um ente querido, amigo fraterno  ou uma dessas criaturas  que aprendemos a amar no seu percurso de vida. Mesmo que a amizade tenha sido começada a menos de vinte anos, com os parceiros distantes um do outro e só tiveram um encontro pessoal duas vezes.  É um dos milagres que a literatura consegue fazer, aproximando as criaturas, que logo se identificam de tal forma que parecem conhecidos íntimos ao longo de muitos anos.
 Isso me veio à mente,  desde que me chegou a notícia da secretária Nilsi, da União Brasileira de Escritores/SP, via e-mail, de que a situação do  Caio não era boa. Estava internado na unidade de terapia intensiva do hospital, não falava.  Procurei saber detalhes sobre a condição do amigo,  através do seu editor Nicodemos Sena, que até então não tinha conhecimento sobre a saúde dele, a inspirar extremos cuidados.
            A escritora Rosani,  uma das amigas queridas de Caio,  informou-me  depois que era verdade. “Ele está com o lado esquerdo todo paralisado e a fala  comprometida. Está se alimentando por sonda. Talvez seja irreversível. Vamos rezar por ele. Está para ter alta do hospital e, provavelmente, irá para uma clínica. Requer cuidados, durante 24 horas por dia. Fui visitá-lo no hospital e fiquei muito sensibilizada. Não entendi nada que falou. Pegou minha mão e deu um beijo. Voltei para casa sabe como... “
Era o que vinha fazendo, rezar por ele, para que saísse logo da agonia e voltasse ao convívio de amigos e admiradores, ao diálogo constante com os livros,  às veredas que percorrera com tanto brilho  como contador de histórias.  Se fosse para ficar no sofrimento,  sem perspectiva de recuperação, melhor viesse  o   que se anunciava como o que temos de mais triste. E isso veio  na notícia enviada por  Rosani: “ Lamento informar que o Caio faleceu hoje.” 
          Cearense nascido em Fortaleza, em 17 de julho de 1928,  Caio Porfírio Carneiro era um homem simples,  um mestre  do conto.  Sobre seu romance O Sal da Terra (Editora LetraSelvagem, 2010),  disse o consagrado escritor João Antonio:  “Esta história pisa em território virgem na literatura brasileira. O mundo branco e desconhecido do sal no Nordeste, visto de dentro para fora e devassado com uma autenticidade fotográfica, supera, de pronto, as frouxas investidas literárias que se tem notícia na área das salinas e da sua gente.”
Acompanhei a trajetória do valoroso escritor  desde sua estreia,  com os contos  de  Trapiá, em 1961Nessa época acontecia o arranque do moderno conto brasileiro,  que posteriormente teria um plantel de primeira linha em nossas letras,  formado no começo  por  Samuel Rawet, Luís Vilela, Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Murilo Rubião, José J. Veiga, Lígia Fagundes Telles, João Antonio e  Ricardo Ramos, entre outros.  
O  contista cearense publicaria uma dezena de livros no gênero, conquistando também seu lugar no melhor do conto moderno brasileiro.  As histórias de Trapiá   ultrapassavam os limites do regionalismo dos anos 30/40. Engajavam-se em uma literatura que tem como tema o ser humano tocado de suas verdades essenciais: tristezas e dores.
         Contos  que se apresentaram depois no espaço  urbano, preocupados em  flagrar essencialmente  os conflitos nas relações  humanas,  todos eles  fazem  ver a marca inconfundível de um ficcionista  que usa como impressão digital a economia dos meios expressionais. Portador de agudo sentimento de mundo,   alcança  a síntese do discurso com a precisão da palavra capaz de revelar o drama  amplo no instante súbito.
            Focado no drama perante a existência, sem desprezar a ternura, o  estilo enxuto de Caio Porfírio Carneiro projeta  densidade humana forçando  o leitor participar da história, tornar-se  cúmplice do destino dos personagens com sua  feição sofrida.  Envolve a alma humana sob o peso da vida, sempre preenche o texto com  sentimentos verdadeiros,  a  evitar que se percam no anonimato e esquecimento.
Exemplar secretário-administrativo da União Brasileira de Escritores,  Seção de São Paulo, durante décadas.  Contista premiado com o Jabuti e o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras.  O prêmio que mais se orgulhava de ter era o de  conhecer  como ninguém  um sem número de escritores espalhados por esse Brasil de dimensões continentais. Desfrutava com inúmeros deles de uma amizade especial, nutrida de gestos fraternos,  solidários.
Hoje, 17 de agosto, está fazendo  um mês que Caio nos deixou. Ele, que se transferiu para São Paulo em 1952 e que  nunca esqueceu sua condição de nordestinado.  


quinta-feira, 17 de agosto de 2017

            A Estreia Literária de Margarida Fahel

                                            Cyro de Mattos

           Com o romance Nas dobras do tempo (2015), Margarida Fahel  faz sua estreia na literatura de boa qualidade produzida por autores nascidos no Sul da Bahia, uns focando a temática do cacau,  outros desenvolvendo assuntos dos mais diversos da natureza humana, sem dependência de geografia humana  exterior,  como é o caso das vozes femininas de Elvira Foeppel e  Sonia Coutinho.   
O romance  Nas dobras do tempo  tem como tema o amor, com suas dores e flores, solidões tantas, e logo desponta  com pontos positivos no texto construído  através de  técnica moderna na forma de narrar. Costurado   por vozes de mulheres que chegam do silêncio como ondas e que se estendem nas dobras do tempo como um lençol enorme, o monólogo interior neste romance é usado  para externar situações da alma, ora agudas, ora ternas,  trazendo à tona surpresas,  que ultrapassam os limites do acontecimento e se fazem solidárias.
O tempo desfia lembranças  nas confissões postas em certo epistolário, nas  situações  retiradas de um diário,   que guarda  segredos na poeira dos dias ao invés de joias.  Além disso, espantos, nessa mesma ideia do amor, fundamentam-se nos  acenos da memória para dar   conhecimento das  vias  percorridas por  duas linhagens no rio da vida. 
 Na teia romanesca bem urdida pelo tempo fragmentado,  o  texto  vai sendo juntado com  pedaços da vida, formando um mosaico cujo corpo transita  à feição de interioridades  do coração,  entre  tristezas e alegrias.  Constituído de mergulhos na eterna duração do tempo,  que se curva no âmago de  criaturas vivendo a umidade dos sonhos e a secura dos desejos, essas  vozes femininas  ora chegam de longe  impregnadas  de incandescente ternura, ora renascem das cinzas  nas cores que comovem  na saudade.
Fundem-se  no presente diante dos  idênticos sentimentos de quem as escuta, como se viessem com o propósito de  unir momentos distantes de duas pessoas em um só, numa só palavra, num só gesto,  num só amor. No  intuito de reavivar    a natureza humana  de  uma  mesma unidade, revestem-se de confissões, admirações e lamentos,  até que o tempo se decida na conversão dos ais, das cicatrizes do efêmero,   dos brilhos ligados  à vida nos  gestos calmos.
Esse senhor soberano, o tempo, que sabe das  coisas e dos  caminhos,  aqui  se mostra  vestido de delicadezas, mesmo nos momentos aguçados de tristeza, e que   vão  sendo apresentados pelas vozes dessas  mulheres vividas  em momentos diferentes, distantes,  mas que  o souberam em horas  similares do amor. Entrelaçadas  muitas vezes com o sofrimento, suas vozes  terminam com uma explicação em forma de visões,   pressentimentos e intuições. 
Nessas quatro mulheres, a bisavó Marie Bertha, a  avó Marie Élise, a mãe Maria Teresa e a filha  Luísa - enovelam-se  com os fios eternos do sonho a teia romanesca,  tecida com cuidado e sem pressa na pele do  tempo. Em linguagem descontínua e digressiva, para romper com a narrativa linear do romance tradicional, o discurso  tantas vezes lírico,   indo e vindo no flash-back, refere-se à vida em grito, sua fluência nas dores,  conduzida por gesto  de esperanças, nas  purezas, no medo, nos  amores. Até nas dores, nas tristezas fabricadas por esse  senhor soberano,  aquele  que tudo sabe, escorre e lambe, acontecem  situações que tocam uma música com as teclas do bem. O romance percorre  espaços cadenciados com afeto para no  final  chegar à paz,  não fosse a  autora dotada de um sensibilidade acurada posta a serviço do amor como a verdade que faz o sentido.  
O mundo imaginado por Margarida Fahel nos dá a sensação de que essas mulheres, embora distantes no tempo, sempre andaram  juntas, tamanha é a união de suas vozes , que vão e voltam, chegam do silêncio como a pureza das brisas para o fluxo e o refluxo de  constatações segundo os critérios do tempo. Não se perderam nas rugas, na prata dos cabelos,  estiveram em cada dia, hora e minutos,   todas elas na mágica suprema  que o rio da vida plasma. Escreve  nas águas  tudo que é acontecimento, escorre seu curso  por entre os sulcos da descida, e que  a memória guarda. 
Assim,  na foto  que a memória retém,  na carta que  ata lembranças e acende o coração nos rumores  das distâncias, percebemos  a  tristeza escondida no rosto sério da bisa Bertha, por  trás das  ordens, na cozinha às negras, no canavial aos escravos, na roça de cacau  aos trabalhadores. Também escutamos pulsações sublimes  no sorriso mais doce de outras personagens nucleares,  na serenidade do gesto,  numa certa e singela ironia. Escutamos gritos em silêncio,  que ferem a aparente calma do corpo e contagiam  a vida, como diz Luísa Bresson Koch Monteiro, personagem  que conta sua história e, ao mesmo tempo,  escuta as de seus antepassados, num tempo em que mulheres não  contradiziam, sempre devotadas e obedientes, segundo os costumes da época, reservando-se por isso ao esquecimento e exílio as  que  se rebelavam.  

Tantas lágrimas, tantas e tantas alegrias! Saudades, muitas saudades! Tantas coisas na memória, tantas coisas e  rostos e falas inscritas na memória, nas células, na pele gravadas!

Romance de disposições líricas, que é arrastado nos altos e baixos da corrente anímica,  tomando nos caminhos e descaminhos das criaturas como referência as  dobras perenes do tempo,  a estrutura não se configura com   tendência para completar-se com o épico e o trágico  por uma exigência da representação dramática da vida, decorrente da própria essência, nem tampouco por incapacidade da autora. Da vida quer a ideologia desse romance fornecer a utopia apenas  como uma  representação ideal,    desprovida  de tensão perturbadora dos sentidos,  com o delírio de gestos  lancinantes do comportamento humano, em  redemoinho de conflitos gerados  por entre uma paisagem  rotulada de maldita, sob o domínio do inferno. 
Apesar dessa ausência do elemento trágico, melhor e intenso,  diante  do qual o mundo vivido é marcado por episódios na luta pela terra, dotando suas passagens com cenas extraordinárias  impregnadas do drama,  não   deixa de tocar  nas feridas do sistema organizado,  com base  na  escravidão do trabalho exercido pelos negros vindos da África. De  aludir  à norma  que relegava a mulher ao código da resignação,  imposto pelo homem com o seu privilegiado mandonismo.
        O tempo histórico do romance,  no vaivém das lembranças,  situa-se  a partir do  final  do século  XIX, quando Ilhéus era uma vila,  a economia hesitante baseava-se  no cultivo da cana de açúcar e  lavouras de pouca duração. Alcança  os  primeiros passos tímidos da lavra cacaueira, depois da abolição da escravatura, e  se reencontra na rota do progresso movido pela força do cacau, que torna  a Vila dos Ilhéus,  antes  de casas feias, ruas estreitas e descuidadas,  em um município poderoso. Das gentes que chegam da Europa,  alemães e franceses,  em fins do século XIX, para pisar o chão de um novo mundo,  conquistá-lo com o trabalho e dele haurir  as benesses, são tiradas algumas  personagens que convencem  em razão da beleza de caráter e firmeza de  vida.   
       A perspectiva literária que a autora encontra para a montagem  de  Nas dobras do tempo, fora da efervescência da lavoura cacaueira com seus dramas gerados pela conquista da terra,  resulta em  fatura valorosa  de sua missão como ficcionista moderna. No diário da bisavó Bertha, no cofre, em que não se guardou  joias, nas dores sepultadas com as cores da dureza,   em   retalhos de vida  descobertos no sofrimento da avó  Élise, nas tristezas do avô Hans, nas  saudades do avô Pierre, e “como pássaro saído de uma cartola mágica, a verdade sobre Anísio”, o negro de olhos verdes, tudo que se desprende deste romance em forma do doloroso e do afetivo faz lembrar os versos do poeta, dizendo, “quando em ti  existo/,  e eras tu e a realidade/, em que te respiro e observo/, perduro e  me fui  e fico. “
      Numa outra linhagem, como em círculos que se atam, estendem-se,  associam-se,  paralelamente  à linhagem da família de Maria Teresa  Koch Monteiro, outros pontos nodais do novelo romanesco  são desatados, ferindo  na  abordagem  elegante a  miséria amarrada aos rastros da verdade quando então fora  encoberta pelos passos desgraçados da  escravidão dos negros.

      Anísio e Jovanina. Anísio, Justina, e Maria Adelaide. Anísio, Justina,  Maria Adelaide e Ivan. Ivan e eu, Luísa... Eu, a depositária desses retalhos. Todos eles, agora costurados com fios de dor e de amor. Um grande lençol tecido e bordado  pela aparente incoerência  do destino.

         A Luísa, a sempre amada por Ivan, advogado brilhante, culto, vítima de traição por um colega de escritório, que o levaria a uma prisão injusta, coube  a missão de emendar e estender este lençol aos que desejem percorrer as trilhas do amor vivido por personagens criados com alma, sensibilidade arguta, narrativa  que nos prende com intensidade de vida.  Na trama do destino, e ouso  dizer  por escolha existencial,  coube a Margarida Fahel  construir um romance  denso e cativante, de narradora de fôlego, imaginação com  asas largas do lirismo, dando-nos  certezas sobre o difícil e complexo gesto do viver,  como essa que diz , sem hesitar,   com tanta pureza, plena de verdade,  que só o amor salva. E mais perdura se flui com o perfume do jasmim.


Referências


FAHEL, Margarida. Nas dobras do tempo, editora Mondrongo, Itabuna, Bahia, 2015.
STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da poética, Edições Tempo Brasileiro, Rio, 1972.


sexta-feira, 11 de agosto de 2017




LETRASELVAGEM  e  ESPAÇO CULTURAL CORTEZ EDITORA convidam
para o lançamento do livro

 
“CHORO POR TI, BELTERRA!”

de Nicodemos Sena

Data: 24 de agosto de 2017 (quinta-feira), às 19 horas.
Local: Espaço Cultural Cortez Editora, Rua Bartira 317, Perdizes - São Paulo/SP – Brasil (ao lado do TUCA e da PUC).
Entrada Franca.


A OBRA

Em 19 episódios, Nicodemos Sena reconstitui o dia em que fez a viagem de retorno às origens, em companhia de seu pai, depois de um percurso de algumas horas pela rodovia Santarém-Cuiabá, até entrar numa estradinha de terra que leva à Estrada Um e, enfim, às ruínas da cidadezinha de Belterra, que na década de 1940 fora dirigida pela Ford Motor Company, empresa do magnata norte-americano Henry Ford (1863-1947), que, em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tentaria fazer da extração da borracha uma atividade lucrativa, fornecendo os pneumáticos necessários para movimentar os veículos militares.
  Não se pode dizer que se trata de um romance nem tampouco de um conto que se tenha derramado por causa de uma prosa poética. Não é também uma simples reportagem, pois não constitui a mera literalização dos acontecimentos de um dia na estrada. Neste caso, cada encontro no caminho com esporádicos moradores perdidos naquelas paragens do Brasil profundo serve como motivo para um ou mais comentários, como aquele episódio em que o cronista se depara, em meio ao tórrido calor do meio-dia amazônico, dentro de um casebre em que não havia água encanada e muito menos tratada, com uma menina que não parava de manipular a tela de um telefone celular.
  É, isso sim, um texto híbrido que se assume como uma crônica repassada de lirismo, uma narração das vicissitudes vividas pelo narrador em companhia do pai, que faz, com a ajuda do filho, uma viagem de retorno à infância para reencontrar todos os fantasmas que ainda assolam seus pensamentos.
  Ou ainda uma narrativa poética que, ao reunir musicalidade e metaforização, faz com que o narrador desfie o novelo da memória, em tom de conversa com o leitor em que não dispensa nem mesmo citações de autores, como o português Fernando Pessoa (1888-1935), o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), o mexicano Juan Rulfo (1917-1986) e o norte-americano William Faulkner (1897-1962). Como se sabe, o que une esses autores de nacionalidades tão distintas é a construção metafórica de um lugar mítico, que existe só na alma do próprio autor, como “o rio da minha aldeia” do heterônimo pessoano Alberto Caeiro.
Em resumo, o texto dialoga com o mito do eterno retorno, ao praticar a intertextualidade com discursos canônicos, reconstruindo, dessa forma, metáforas da precária condição humana.
  Autor de livros que já se tornaram referências obrigatórias dentro da Literatura Brasileira, como os romances A Espera do Nunca Mais (1999), A Noite é dos Pássaros (2003) e A Mulher, o Homem e o Cão (2009), trilogia que constitui uma saga amazônica, Nicodemos Sena mostra em Choro por ti, Belterra! que pode ser também considerado um cronista da estirpe de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Rubem Braga (1913-1990) ou Fernando Sabino (1923-2004).
  A diferença é que, em vez da fugacidade dos registros do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro que se leem nas crônicas daqueles grandes mestres, o que o leitor descobrirá nestes episódios é não só a Amazônia que é vista ainda como exuberante paraíso tropical, mas também aquela que governantes corruptos permitiram que continuasse a ser destruída, tomada por aventureiros “gananciosos e cruéis, os quais, sem escrúpulos, saqueiam e depredam os bens da terra, auxiliados por ‘mucamas’ e ‘mordomos’ (degenerados filhos da terra) que, a troco de migalhas e posições, passaram-se para o lado dos inimigos”. (Texto das orelhas do livro, de autoria de Adelto Gonçalves, escritor, jornalista, doutor em Literatura Portuguesa pela U SP-Universidade de São Paulo)

O AUTOR

Nicodemos (Neves) Sena nasceu no município de Santarém, em 08.07.1958, e passou a infância entre índios e caboclos do Rio Maró, região de fronteira entre os estados do Pará e Amazonas (Amazônia brasileira), experiência que marcaria para sempre a sensibilidade do escritor identificado com a terra e os povos da Amazônia.
Em 1977, vem para São Paulo e aí se forma em Jornalismo, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), e em Direito, pela Universidade de São Paulo (USP).
Faz a sua estreia literária em 1999, com o romance A Espera do Nunca Mais,uma saga amazônica de 876 páginas.
No Pará, proclamou o historiador, folclorista e crítico Vicente Salles:
“Com A Espera do Nunca Mais, pela primeira vez temos, na ficção, o caboclo como agente da história, o índio que se destribalizou, que vive entre dois universos que se opõem e se excluem.” (“O caboclo como agente da história”. A PROVÍNCIA DO PARÁ, Belém, PA, 15 mar. 2000)
No Rio de Janeiro, escreveu a poeta e crítica Olga Savary:
“É uma alegria quando nos deparamos com um livro como A Espera do Nunca Mais, esta extraordinária saga amazônica, narrada com sedução, seriedade, poesia. Forma e estilo são impecáveis nessa estreia, que nem estreia parece, de tão madura. Uma lição de literatura e de brasilidade.” (“Amazonense faz boa ficção com ‘anos de chumbo’ e choques entre culturas”. O GLOBO, Caderno Prosa & Verso, Rio de Janeiro, RJ, 3 mar.2001)
Em São Paulo, escreveu o jornalista, professor e crítico Oscar D’Ambrosio:
“A Espera do Nunca Mais desafia e devora o leitor desde o início. Feito sucuriju, abre sua bocarra e obriga a penetrar num universo denso. Não adianta resistir. Uma vez dentro da boca deste livro-serpente, o destino é conhecer os seus interstícios plenos de um fazer artístico solidamente urdido, elaborado com mãos de mestre.” (“Uma extensa e densa aula de Amazônia”. JORNAL DA TARDE, Caderno de Sábado, São Paulo, SP, 20 maio 2000)
Em 2000, A Espera do Nunca Mais conquista o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro), ocasião em que conhece pessoalmente o escritor e crítico Antonio Olinto, da Academia Brasileira de Letras, que sobre A Espera do Nunca Mais escreveu:
“Eis um romance que invade a literatura brasileira com a força de um fenômeno da natureza. Trata-se de uma saga amazônica chamada A Espera do Nunca Mais. Seu autor, Nicodemos Sena, tem o domínio da narrativa de ação e o talento de criar gente. Seus personagens representam a Amazônia com sua largueza e sua mistura, caboclo e floresta unidos num ecossistema geográfico-humano que retrata a nossa mais desconhecidamente forte região em que o Brasil se firma e se revela. É romance que deve ser lido. Nele, realidade e lenda se juntam com naturalidade. As palavras formam um estilo ínsito à grandeza das paisagens que descreve.” (JORNAL DE LETRAS, Rio de Janeiro, RJ, jan. 2001)
Em 2002, Nicodemos Sena aparece no Dossier Amazónico publicado na revista literária portuguesa “Construções Portuárias” (nº01), no qual foi incluído um trecho do inédito A Noite é dos Pássaros, ao lado de importantes escritores da Amazônia, entre os quais Haroldo Maranhão, Max Martins, João de Jesus Paes Loureiro, Vicente Franz Cecim, Age de Carvalho, Jorge Henrique Bastos, Antônio Moura, Paulo Plínio Abreu, Benedicto Monteiro, Rosângela Darwich e Benedito Nunes.
De 3 de abril a 31 de julho de 2003, A Noite é dos Pássaros é publicado em forma de folhetim, em dezoito episódios semanais, no jornal “O Estado do Tapajós” (Santarém do Pará) e na revista eletrônica portuguesa “TriploV”. Ainda em 2003,A Noite é dos Pássarosé publicado em formato livro (Ed. Cejup). No mesmo ano, fragmento de A Noite é dos Pássaros é publicado nas revistas “Palavra em Mutação nº02” e “Storm-Magazine”, ambas de Portugal.
Ainda em 2003, A Noite é dos Pássaros conquista o prêmio Lúcio Cardoso, da Academia Mineira de Letras, e, em 2004, Menção Honrosa no prêmio José Lins do Rego, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).
Nicodemos Sena é nome reconhecido dentro e fora da Amazônia, tornando-se verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa (edição conjunta da Global Editora, Fundação Biblioteca Nacional, DNL, Academia Brasileira de Letras, 2ª edição, 2001). Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras, incluiu Nicodemos Sena em sua História da Literatura Brasileira  da Carta de Caminha aos Contemporâneos, entre os “grandes nomes na ficção surgidos no Brasil após a década de 1970” (Cap. 35, pág. 900, Fundação Biblioteca Nacional, RJ).
Nicodemos Sena é um dos 81 escritores analisados pela professora Nelly Novaes Coelho, titular de Literatura da Universidade de São Paulo (USP), no livro Escritores Brasileiros do Século XX — Um Testamento Crítico(LetraSelvagem, SP, 2013).
Pelo estilo vigoroso e temática inspirada na vida das populações marginalizadas da Amazônia (indígenas e caboclos), Nicodemos Sena já foi comparado a grandes ficcionistas brasileiros, como Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Mário de Andrade e Érico Veríssimo, e a importantes ficcionistas latino-americanos, como o paraguaio Augusto Roa Bastos e o peruano José María Arguedas.
O terceiro romance de Nicodemos Sena, A Mulher, o Homem e o Cão (2009), foi incluído entre as “78 DICAS” do Guia da FOLHA, suplemento cultural do jornal “Folha de São Paulo” (29.05.2009).
Tendo nascido na Amazônia, região “periférica” em relação aos centros nervosos do capitalismo globalizado (Estados Unidos da América, Europa e, em termos de Brasil, o Sul-Sudeste do país), conviveu desde cedo com as injustiças praticadas pelas oligarquias locais contra indígenas e caboclos, do que resultou um sentimento de revolta, inicialmente vago e finalmente insuportável, que o compeliu a lançar-se contra os “homens injustos” e o Deus que parecia não se compadecer do sofrimento dos pobres.
Na cosmopolita e conflagrada São Paulo, em seu primeiro emprego na indústria têxtil no bairro do Ipiranga, conheceu gente desenraizada e “fora do lugar” como ele, fugitiva da seca do Nordeste ou da polícia, mas disposta a trabalhar e perseguir os seus ideais. No cortiço onde se recolhia após o trabalho diário e a escola noturna, conheceu “seres da noite” semelhantes aos que, mais tarde, povoariam os seus romances. Seres que se movem nas sombras (na selva amazônica ou na “selva” de asfalto) e não deixam rastro; variada e difusa fauna humana de mamelucos, cafuzos e brancos pobres, que, premidos pela necessidade e circunstâncias, veem-se convertidos em ladrões, prostitutas e, entre estes, um ou outro operário que não desiste de sonhar com o “futuro”.
Com tal bagagem existencial, filosófica e humana, extraída da Vida, e mais a vontade indomável de se elevar por meio do conhecimento e dos livros, Nicodemos Sena logrou entrar, em 1979, para o curso de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde, municiado pela literatura marxista-leninista, engaja-se no movimento estudantil e dos trabalhadores contra a miséria e a opressão impostas pelo grande capital em sua forma mais atroz (a ditadura militar implantada em 1964).
Em 1981/1982, participa da campanha de criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1993, ao resolver dedicar-se à sua vocação de escritor, desliga-se do PT e passa a defender uma literatura “universal, sim, compreensível a todos os homens do mundo, mas que não renegue as marcas da cultura brasileira”, como afirmou numa entrevista.
Como diretor da União Brasileira de Escritores (UBE/SP) participa, em 2011, da organização do Congresso Brasileiro de Escritores realizado em Ribeirão Preto (SP).
Com o golpe político das elites de 2016, que depôs a Presidenta Dilma Rousseff e ataca os direitos dos trabalhadores, Nicodemos Sena volta à militância política de esquerda, sem deixar de lado a literatura.
Mora, atualmente, em Pindamonhangaba-SP.
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 Título: “CHORO POR TI, BELTERRA!”
Autor: Nicodemos Sena
Editora: LETRASELVAGEM
ISBN 978-85-61123-23-9
Tamanho: 14 x 21 cm. (Brochura)
1ª edição
192 páginas
Preço: R$30,00

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