Páginas

domingo, 25 de novembro de 2018







PRÊMIO “POESIA E LIBERDADE ALCEU AMOROSO LIMA”
DE 2018 VAI PARA O POETA ÁLVARO ALVES DE FARIA


                O poeta Álvaro Alves de Faria foi distinguido com o Prêmio “POESIA E LIBERDADE Alceu Amoroso Lima”, de 2018, pelo conjunto de sua obra poética. O prêmio será entregue no dia 5 de dezembro, no Centro Alceu Amoroso Lima – o Tristão de Athayde -, da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. O poeta é autor de mais de 50 livros no Brasil, especialmente de poesia. É também autor de peças de teatro. Álvaro Alves de Faria se considera um militante da poesia, desde os tempos de “O Sermão do Viaduto”, nos anos 60, quando realizou 9 recitais no Viaduto do     Chá, em São Paulo, com microfone e quatro alto-falantes.

             Por esse motivo foi detido cinco vezes pelo Dops. O Sermão do Viaduto acabou proibido. No final dos anos 70, também foi proibido pela censura seu livro “4 Cantos de Pavor e alguns Poemas Desesperados”. Sua peça “Salve-se quem puder que o jardim está pegando fogo”, que recebeu o Prêmio Anchieta para Teatro, na época um dos mais importantes do país, também foi proibida de encenação nos anos 80 e permaneceu censurada por 8 anos.
             Em 1969, o poeta foi preso por 11 meses, como subversivo e por desenhar os cartazes do então Partido Socialista Brasileiro. Três anos depois, levou um tiro no ouvido e tem até hoje na cabeça a bala calibre 38, como herança da ditadura militar. Ao longo do tempo, dedicou-se por 15 anos à poesia portuguesa. Tem 19 livros de poesia publicados em Portugal e 7 na Espanha, além de participar de mais de 50 antologias de contos e poesia no Brasil e no exterior. O Prêmio POESIA E LIBERDADE é um dos mais importantes e significativos do Brasil no reconhecimento de uma obra poética que sempre foi testemunha de seu tempo, num ato de resistência.
           Antes do poeta Álvaro Alves de Faria receberam o prêmio “POESIA E LIBERDADE Alceu de Amoroso Lima” os poetas João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Adélia Prado, Paulo Henrique Brito, Armando Freitas Filho, Marco Lucchesi, Antonio Cícero e Leonardo Fróes.
 


quinta-feira, 15 de novembro de 2018





                               

                                
    Poemas do Negro

Por  Cyro de Mattos

Abolição

Na zoeira do terreiro
Batucam que batucam
Tambores sem cambão.

Trepidam nesses punhos
O suor, a lágrima, o sangue
Nos rastros do negro fujão.

Todos batem nesse tambor,
Pode até não ser de fato
A tão esperada abolição.

Mas é o começo duma hora
Que se faz tão grandiosa
Como o verde na amplidão.

 África agora é uma só voz
Na esperança das manhãs
Sem o ferro do vilão.

Canga

Não se logra extrair
Os ossos dessa massa,
Os músculos mutilados
No esforço dos anos.
Tuas mãos, escravas,
Alimentadas na turva
Ferida, dor sem cura.

A atrocidade no ferro
Que furou o coração,
 A enchente na vala
Que transbordou de mágoa,
Nuvens não tocadas. 
Nunca será paga a conta
Na mancha que envergonha.

Como herança os rastros
Dessa noite escura na pele
Que te lança nos muros,
Agarra-te  nas  manhãs
Com sua claridade vista
Apenas pelos não pretos.
Até quando barreiras
De tua  cor opaca farão
Da vida  uma coisa qualquer, 
Desigual, desvão sem canto?

Pelourinho

Como suportar?
Treze... trinta... cinqüenta...
Até o último gemido.

Os outros olhando
Cada chibatada. Tristes,
Sem nada fazer.    

Ladeiras gastas.
    E esse vento que recusa  
   Ao largo a desgraça.


sábado, 3 de novembro de 2018






Do trabuco à palavra

Cid Seixas




São duas armas, uma é mortal; a outra vislumbra a imortalidade. A escolha se impõe. Vamos ao texto.
Cyro de Mattos é um dos muitos escritores baianos da região do cacau – e um dos poucos cujo trabalho constante e associado ao necessário talento, é capaz de assegurar-lhe um lugar de destaque no quadro da Literatura Brasileira.
Sua produção remonta aos emblemáticos anos sessenta, quando publicou Berro de Fogo, seu primeiro livro, ainda marcado por imperfeições e outros traços de início de uma aprendizagem. Consciente da falibilidade do artista, Cyro exclui o livro da sua bibliografia para aproveitar o conto-titulo e publicar, já em plena maturidade, em 1997, pela Editus e Fundação Jorge Amado, uma das suas obras clássicas: Berro de Fogo e Outras Histórias.
Alceu Amoroso Lima, crítico e pensador dos mais respeitados, que adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde, deu-nos um testemunho essencial para a inclusão do nome do grapiúna no quadro da literatura brasileira do século vinte:

“Extraordinária capacidade de dar aos aspectos mais típicos da realidade nacional, em estilo profundamente impregnado da nossa fala brasileira, a revelação de um escritor visceralmente nosso... admirável ficcionista”.

Convém lembrar que foi em 1968 que Cyro de Mattos viu seu nome ser incluído entre os bons contistas, quando a narrativa “Inocentes e Selvagens” – selecionada para figurar neste e-book – recebeu o Prêmio Internacional Cervantes, da Casa dos Quixotes, para autores portugueses, africanos e brasileiros de língua comum.
É ele quem revela, em correspondência de outubro de 2018, ao organizador deste volume:

– “Concorri com mais de 100 autores. Como era um concurso  expressivo na época,  lançou-me como autor de ficção curta no circuito nacional. Eu era desconhecido, estava dando os primeiros passos,  hesitantes, em minhas atividades literárias. Havia publicado Berro de Fogo, contos, livro riscado de minha bibliografia; nasceu imaturo, cheio de vícios.”

A atitude consciente do contista, rigoroso a ponto de abandonar um livro que não mais respondia ao rigor da sua obra, nos remete ao escritor português Miguel Torga, cujo primeiro volume das suas obras publicadas no Brasil, pela Nova Fronteira, em 1996, tive a oportunidade de fazer uma introdução crítica, por sugestão da família do autor. Como foi observado, não apenas vários contos, mas alguns livros torguianos, na sua forma original, foram reescritos, repetidamente, em novas e constantes reedições. Nesse particular, o nosso Cyro de Mattos adota o procedimento do autor português da geração de presença, diferentemente do que fez o também grapiúna Jorge Amado, fundador e figura de topo do ciclo do cacau na Literatura Brasileira.
Amado não volta aos seus romances da juventude para reescrevê-los. Ao contrário, deixa essas obras na forma original, mesmo quando revelam uma escrita em processo de amadurecimento ou quando traduzem uma perspectiva ideológica que se modificou ao longo do tempo, especialmente ao descobrir – com traumas e assombro – as incoerências da prática comunista de Stálin, contrárias à sua concepção humanista da socialização dos bens e dos valores.
Voltando ao juízo feito por Cyro de Mattos das suas narrativas, convém transcrever mais um trecho da já referida correspondência:

– “O conto “Os Recuados”, pungente e denso, é a história de uma mãe miserável, coitada, que mata o filho por amor, pois não suportava mais vê-lo chegar em casa bêbado. Ele bebia muito porque se via rejeitado como um índio pelos humanos, na feira. Deixo que isso seja visto nas entrelinhas.”

Em 1983, a Editora Tchê, de Porto Alegre, deu a lume o livro Os Recuados, de onde foi retirado o conto título, para compor este livro digital agora publicado na coleção “Teal” da E-Book.Br. Estes dois contos já citados são fundamentais na obra do autor e, coincidentemente, ouvindo-o sobre suas preferências, ele destacou as duas narrativas que ao lado de outras já tínhamos em vista para integrar este volume.
Surpreendentemente, para mim, Cyro de Matos destacou textos por ele intitulados de “contos de gente jovem”. O primeiro deles é “História do Galo Clarim”, que eu não conhecia e creio continuar ainda inédito, e o segundo é “O Menino e o Boi do Menino”, que completam este volume intitulado Nos Tempos do Trabuco. Esse último texto saiu em 2007 como um pequeno livro para os novos leitores infanto-juvenis, através da editora Biruta, de São Paulo.
Pela qualidade dessa faceta do escritor, a de autor de livros para jovens e crianças, e ainda mais pela natureza das narrativas de múltiplo alcance, isto é, capazes de interessar ao público adulto e a conquistar jovens andarilhos que se aventuram pelos caminhos da leitura, tais inclusões valorizam este e-book..
Embora apenas os contos “Inocentes e Selvagens” e “Os Recuados” integrem explicitamente a sangrenta temática do ciclo do cacau na Literatura Brasileira, o leitor das obras de Cyro de Mattos tende a situar esses singelos acontecimentos da infância no mesmo cenário geográfico das suas outras narrativas ficcionais, plenas de heroísmo e vilania que marcam a saga do cacau.
Convém observar que “Inocentes e Selvagens”, além de ter aberto espaço para esse escritor nascido em 1939, na cidade de Itabuna, veio a integrar o livro Duas Narrativas Rústicas, editado no Rio de Janeiro, em 1985, pela editora Cátedra.
Jorge Amado foi um dos muitos leitores privilegiados da obra desse escritor a deixar patente a admiração pela sua escrita genuinamente brasileira:

“Cyro de Mattos possui uma personalidade vigorosa e original, a condição humana dos personagens que surgem do seu conhecimento e da sua emoção nada tem de artificialismo... O autor de Os Brabos pisa chão verdadeiro, toca a carne e o sangue dos homens, entre sombras e abismos.”

Diplomado em Direito pela Universidade Federal da Bahia, ele foi atraído pela força e pelo encanto da palavra escrita. Seguindo o caminho da maioria dos escritores brasileiros da região Nordeste, Cyro também se fez retirante, levando seu gibão de couro, cheio de histórias pra contar, até a ex-capital do país, o Rio de Janeiro. Para encontrar audiência, trabalhou como redator do Diário de Notícias, do Jornal do Comércio e de O Jornal, de 1966 a 1971; colaborando ainda com artigos e contos na revista A Cigarra e nos Cadernos Brasileiros e Leitura, além do Suplemento Literário do Jornal do Brasil e d’O Jornal do Escritor.
Como o bom filho quase sempre retorna à casa paterna, o escritor Cyro de Mattos voltou a morar em Itabuna, onde exerceu a advocacia e também encontrou tranquilidade para fazer frondosa a sua obra de mil e uma facetas.


·        Cid Seixas é poeta,  ensaísta e Doutor em Letras pela USP. Editor da Editora Digital Universitária. O texto  “Do Trabuco à palavra” é a apresentação do livro “Nos Tempos do Trabuco”, do baiano Cyro de Mattos, publicado pela e-book Editora Digital Universitária, Salvador, 2018.