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terça-feira, 22 de janeiro de 2019







                  Minhas Memórias Esportivas do Goleiro Luís Carlos
                                                      
                                          Cyro de Mattos

    


            O goleiro Luís Carlos deixou-nos na véspera do Natal. Foi jogar nas canchas do céu, defender a cidadela de um time divino e maravilhoso,   neste certamente estarão atuando jogadores amadores inesquecíveis,  que se exibiram com a sua classe e empenho, do lado de cá, no Velho Campo da Desportiva, como Leo Briglia, Santinho, Humberto Cesar, Leto, Abiezer, Tombinha, Valdemir Chicão, Zequinha Carmo, Porroló, Zé Davi e o velocista Nenem, entre outros. 
              Luis Carlos Alves Franco, casado, pai de três filhos. Um goleiro elástico e elegante quando agarrava a bola ou mandava para escanteio, em defesas sensacionais. Sabia repor a bola em jogo com habilidade. Jogou em vários times importantes do futebol amador: Grêmio, Janízaros, Flamengo e Fluminense. Foi hexacampeão pela seleção de Itabuna no Intermunicipal. Assim que a seleção amadora tornou-se um time profissional para participar do campeonato baiano, ele foi o goleiro de várias temporadas. Numa delas, em 1967, conquistou o título de vice-campeão pelo Itabuna. Jogou também futebol de salão e basquete.
        Começou no Vasquinho, de Gil Néri, o técnico que dirigiu a seleção amadora de Itabuna e se sagrou campeão em vários anos. O Vasquinho disputava o campeonato no campo do bairro de Fátima. Do Vasquinho, ele foi defender o Grêmio, um dos times grandes do campeonato realizado no Campo da Desportiva. No Grêmio atuou primeiro no segundo quadro, até se firmar como goleiro do time principal. Foi campeão pelo Flamengo, duas vezes  pelo Janizaros e tetra pelo Fluminense. Como não existia televisão naquela época, costumava acompanhar o campeonato carioca nas transmissões pelo rádio. As rádios de Salvador não entravam em Itabuna, pouco se sabia dos times profissionais que disputavam o campeonato baiano na Capital. Era um leitor voraz das revistas  “Mundo Ilustrado” e “Manchete Esportiva”, que traziam lances dos times nas partidas do campeonato carioca e estampava fotos dos goleiros fazendo grandes defesas.
         Jogou ao lado e contra os melhores jogadores do futebol amador de Itabuna. O lateral Albérico, no Grêmio, Zequinha Carmo, Péricles, Tertu, Gagé, Codinho, no Flamengo, para não falar na seleção amadora com Santinho, Pinga, Ronaldo Dantas, Valdemir Chicão, Humberto, Tombinha, Abiezer, Jonga, Leto, Lua, Fernando e Carlos Riela. Ele informou que a seleção amadora de Itabuna fazia a preparação física de madrugada no Campo da Desportiva ou às vezes em alguma praça no centro da cidade. Quando o rio Cachoeira voltava ao curso normal, depois de uma grande cheia, deixava um grande areal perto do poço da Pedra do Gelo. Gostava de jogar pelada no areal. Tombinha, seu companheiro de time no Janízaros, não perdia uma pelada. Santinho era outro que participava das peladas no areal.
      No seu tempo, o clássico local mais disputado era entre o Flamengo e o Fluminense. Em um desses clássicos dos mais disputados, o Flamengo perdia de três a zero no primeiro tempo. O centroavante Caçote virou o jogo no segundo tempo, fazendo quatro gols. Os gols saíram rapidamente. Caçote parecia que estava com um demônio no corpo naquela partida. Fazia um gol atrás do outro. Ele comentou que Seu Astor era um torcedor ferrenho do Fluminense. O filho Fernando Riela estava no Rio de Janeiro e já ia assinar contrato com o Vasco da Gama. O pai mandou chamar o filho para jogar aquele Fla-Flu. Fernando Riela fez misérias nesse jogo, mas o Flamengo teve mais sorte, saiu vencedor e campeão daquela temporada.
      Na época em que passou a jogar futebol como goleiro, Luis Carlos disse que foi beneficiado na posição porque também jogava basquete, o que lhe ajudou na firmeza dos braços. Naquele tempo não existia preparador físico para treinar os jogadores amadores, quem fazia esse trabalho, no fundo do quintal ou em algum jardim, de madrugada, eram os próprios jogadores. Disse Luis Carlos que sempre foi bem recebido em todos os times que jogou, mas no Janizaros conquistou mais títulos. Da seleção amadora de Itabuna lembrava que a de 1966 era um timaço. Foi dela que saiu a base para o Itabuna se tornar um time profissional.
        Quando a seleção vencia fora de casa, informou,  o time era recebido com festa. Tinha até missa na catedral de São José. A festa continuava à noite na sede do Itabuna Social Clube onde hoje funciona o Banco do Brasil. Era ali que acontecia a grande homenagem aos atletas  com discursos de agradecimento, baile com direito à cerveja de graça e muito samba para alegrar a rapaziada. “Era uma verdadeira apoteose, feita de orgulho e felicidade. A nossa seleção transmitia amor a todos”, revelou.  
      Com tristeza, guarda bons momentos desse tempo que não voltam mais. Existem muitas fotos que foram guardadas com carinho pelo goleiro. Olhando algumas delas hoje, podemos visualizar o Campo da Desportiva lotado nos clássicos, os ares felizes de seus torcedores quando a seleção jogava e sempre ganhava. “Não me lembro que ela tenha perdido um jogo na Desportiva”, disse Luís Carlos.
     Para qualquer jogador da região era uma grande conquista pertencer a um dos times grandes que participava do campeonato no Campo da Desportiva. O goleiro Luís Carlos não conseguiu dormir quando vestiu a camisa do Grêmio pela primeira vez. Aquilo que tanto queria deixava de ser um sonho. Relembrou uma velha Desportiva cheia de lama, o piso esburacado, a grama sem qualquer tratamento. Mas ali era o palco em que desfilaram grandes jogadores durante quase meio século. Muitos deles foram atuar em equipes profissionais de Salvador, alguns até do Rio, São Paulo e Belo Horizonte.
        Os meios de comunicação daquela época não eram como hoje. Vivíamos isolados no interior. Ilhéus tinha um aeroporto e navegação marítima, o que facilitava seu contato com o mundo de fora. Se fosse hoje, muitos jogadores amadores do seu tempo fariam carreira em grandes clubes do Brasil, disso não tinha dúvida o goleiro Luís carlos. A torcida de cada time e da seleção era fiel e vibrante. Quando superlotava o pequeno estádio, onde não cabia uma agulha de tanta gente, tinha torcedor que ficava no galho das árvores, no lado de fora, ao redor do campo; no telhado das casas, no terraço do prédio do Hospital Maria Goreti e no morro onde foi erguida a igreja Maria Goretti,  do bairro da Mangabinha.
          Antes de se tornar um jogador da Desportiva, ele assistia belas partidas no estádio local e, numa delas, quando ainda era adolescente, viu de perto a atuação do Botafogo com  Mané Garrincha na velha Desportiva. “Ele deu um show de bola e só jogou um pouco no primeiro tempo. E nesse pouco tempo pagou o ingresso.”
              Falar de alguns companheiros? Pinga era um centroavante arisco, rápido, bom controle de bola, frio na hora de fazer o gol. Zequinha Carmo era o tipo do centroavante rompedor. Deu muitas vitórias ao Flamengo em partidas decisivas. Acreditava em todos os lances, não havia bola perdida para ele. Quando todos pensavam que não ia alcançar a bola, ele a pegava e fazia o gol. Ronaldo Dantas, um zagueiro de estatura pequena, mas com ótima impulsão. Pulava acima dos atacantes altos, parecendo que tinha mola nos pés. Danielzão, por exemplo, não levava uma melhor com ele quando disputavam a bola pelo alto. Tinha uma técnica invejável, saía jogando com calma de dentro da área, depois de driblar o atacante. Abiezer era outra categoria, batia no calcanhar do atacante com toque sutil, sem ninguém perceber. Ele tinha uma técnica de desarmar o atacante que impressionava. Era um atleta magro como uma vara, mas o atacante tinha dificuldade em vencê-lo pelo alto ou com a bola no chão. Era muito eficiente. Fernando Riela, um ponteiro esquerdo que até hoje ele não  viu no Brasil outro igual. Carregava a bola pela linha de fundo, cruzava, pegava o rebote e fazia o gol.
      Para Lúis Carlos, José de Almeida Alcântara foi o prefeito que mais incentivou o futebol amador de Itabuna. Ele apoiava a seleção de Itabuna quando jogava fora de casa. Decretava feriado quando o time retornava com o título de campeão. Como prefeito foi o maior torcedor. Se Luís Carlos fosse formar a melhor seleção com os jogadores de sua geração, escolheria: Plínio, Zé Davi e Ronaldo; Valdemir Chicão, Abiezer e Hamilton; Gajé, Santinho, Jonga, Tombinha e Fernando Riela. “O excesso de bons craques amadores naquele tempo tornava difícil fazer uma escalação com os onze melhores”, observou o goleiro. Ele guarda muitas medalhas conquistadas como campeão dos times que defendeu e pela seleção. Os filhos não se interessam por futebol, mas os netos, quem sabe, poderão se tornar bons atletas, e elas servirem de incentivo para eles. Além das medalhas, o goleiro guarda com carinho e saudade alguns recortes de jornais, trazendo noticias, crônicas e muitas fotos dos tempos áureos do futebol amador de Itabuna na velha Desportiva.
           “A imprensa sempre vivenciou o nosso futebol amador em todos os momentos. Nomes como Lourival Ferreira, Orlando Cardoso, Geraldo Borges, Iedo Nogueira, Lima Galo, Edson Almeida, Raimundo Galvão e Ramiro Aquino souberam muito bem divulgar, valorizar e incentivar o esporte em nossa cidade”,  completou  Luís Carlos.

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019






Poesia de Valdelice Pinheiro
É Publicada na Espanha  com
Tradução de A. P. Alencart



Com o título de “Bautismo y Otros Poemas/Batismo e Outros Poemas ”, o poeta peruano-espanhol Alfredo Perez Alencart  traduziu cinco poemas de Valdelice  Soares Pinheiro, que foram publicados no jornal  “Protestante Digital”, em edição de 10 de janeiro deste ano. Os poemas de Valdelice foram ilustrados com imagens dos pintores Tintoretto,  Nicolás  Maes e Picasso e são os seguintes: “El Bautismo de Cristo/Batismo de Cristo”, “Creación/ Criação”, “Poema para la Natividad/Poema de Natal”, “Paz/Paz” e “Se yo te digo adiós/Se eu te disser adeus”. Além disso, a matéria sobre a autora itabunense   traz na introdução uma foto  grande quando a poeta era jovem.  
O poeta Alfredo Perez Alencart referiu-se a  Valdelice Soares Pinheiro como uma autora excelente, ressaltando que apesar de pouco conhecida no Brasil é possuidora de uma poesia magnífica. “ Com especial prazer, traduzi estes  poemas da brasileira Valdelice Soares Pinheiro (1929-1993), nascida e falecida em Itabuna, Estado da Bahia. Em vida ela apenas publicou dois livros de poemas : “De Dentro de Mim” (1961) e “Pacto” (1977. Além desses poemários publicou   alguns poemas esparsos. Em 2011 apareceu “O Canto Contido”, coletânea organizada pelo poeta e ficcionista Cyro de Mattos, reunindo os dois primeiros livros e textos dispersos, do qual foram extraídos os cinco poemas que verti para o espanhol.”
         Alfredo Perez Alencart é um poeta peruano há anos radicado em Salamanca onde é professor da universidade dessa cidade conhecida como de saber e cultura. É tradutor dos poetas brasileiros Carlos Nejar,  Álvaro Alves de  Faria, Cyro de Mattos, Paulo de Tarso  e da portuguesa Maria do Samero Barroso, entre outros.  Muito premiado, autor de mais de vinte livros,  esse poeta imenso é publicado em mais de vinte países.
          Leia abaixo os poemas de Valdelice Soares Pinheiro publicados na Espanha:

EL BAUTISMO DE CRISTO: .   BAUTISMO   Yo te prometo, hermano, un bautismo cristiano. Haré tu inmersión en las mismas aguas mías, dentro de las mismas oportunidades. Sin caridad, por obligación, te envolveré en la flor del trigo azul, perfumaré tu cuerpo en la realidad del pan y te untaré de leche y miel. Abriré tu sonrisa en una nueva Primavera. CREACIÓN   Dios besó a las abejas y a las cerezas y dibujó los divinos dientes en la pulpa de una guayaba. Después encargó a los niños y a los pajaritos el sabor de la vida. POEMA PARA LA NAVIDAD   En medio de todas las alegrías por el Niño Dios nacido, tanta sangre por los niños que no nacen. En medio de todos los perfumes y hosannas, tanto grito, tanto olor de dolor en la boca de los niños con hambre. En medio de toda la paz de aquella estrella, tanta inquietud en los ojos de mis hermanos, tanto odio en las manos de los generales.   Niño Jesús, cruz y redención, abre de nuevo tu cuerpo sobre nosotros.  PAZ   Plántense los sueños en la alborada de los dedos. Coséchense las espigas en la mañana de las manos. Y, en el descanso de la noche, la mesa puesta, nazca el amor en el calor del pan. SI YO TE DIGO ADIÓS   Yo abriré mis ojos llenos de lágrimas sí, un día, a la orilla de cualquier camino, yo te digo adiós

Para ler a matéria sobre Valdelice no”Protestante Digital” clique no link abaixo:   http://protestantedigital.com/cultural/46180/Bautismo_y_otros_poemas_de_Valdelice_Soares_Pinheiro_traducidos_por_A_P_Alencart


quarta-feira, 2 de janeiro de 2019


            


        Conversa com Luís Carlos

                      Cyro de Mattos

           O goleiro Luís Carlos deixou-nos na véspera do Natal. Foi jogar nas canchas do céu, defender a cidadela de um time divino e maravilhoso,  neste certamente estarão atuando jogadores amadores inesquecíveis,  que se exibiram com a sua classe e empenho, do lado de cá, no Velho Campo da Desportiva, como Leo Briglia, Santinho, Humberto Cesar, Leto, Abiezer, Tombinha, Valdemir Chicão, Zequinha Carmo, Zé Davi, Porroló e o velocista Nenem, entre tantos de qualidades  expressivas.
          Luis Carlos Alves Franco, casado, pai de três filhos. Um goleiro elástico e elegante quando agarrava a bola ou mandava para escanteio, em defesas sensacionais. Sabia repor a bola em jogo com habilidade. Jogou em vários times importantes do futebol amador: Grêmio, Janízaros, Flamengo e Fluminense. Foi hexacampeão pela seleção de Itabuna no Intermunicipal. Assim que a seleção amadora tornou-se um time profissional para participar do campeonato baiano, ele foi o goleiro de várias temporadas. Numa delas, em 1967, conquistou o título de vice-campeão pelo Itabuna. Jogou também futebol de salão e basquete.
     Começou no Vasquinho de Gil Neri, técnico campeão  várias vezes pela seleção de Itabuna no Intermunicipal.  Com tristeza, guardava bons momentos daqueles tempos da Desportiva, que não voltam mais. Existem muitas fotos que foram guardadas com carinho pelo goleiro. Olhando algumas delas hoje, podemos visualizar o Campo da Desportiva lotado nos clássicos, os ares felizes de seus torcedores quando a seleção jogava e sempre ganhava. “Não me lembro que ela tenha perdido um jogo na Desportiva”, disse Luís Carlos.
     Para qualquer jogador do Sul da Bahia era uma grande conquista pertencer a um dos times grandes que participava do campeonato no Campo da Desportiva. O goleiro Luís Carlos não conseguiu dormir quando vestiu a camisa do Grêmio pela primeira vez. Aquilo que tanto queria deixava de ser um sonho. Relembrou uma velha Desportiva cheia de lama, o piso esburacado, a grama sem qualquer tratamento. Mas ali era o palco em que desfilaram grandes jogadores durante quase meio século. Muitos deles foram atuar em equipes profissionais de Salvador, alguns até do Rio, São Paulo e Belo Horizonte.
          Antes de se tornar um jogador da Desportiva, ele assistia belas partidas no estádio local e, numa delas, quando ainda era adolescente, viu de perto a atuação do Botafogo com Mané Garrincha, o demônio de pernas tortas.  “Ele deu um show de bola e só jogou um pouco no primeiro tempo. E nesse pouco tempo pagou o ingresso.”
      Para Luis Carlos, José de Almeida Alcântara foi o prefeito que mais incentivou o futebol amador local.  Ele apoiava a seleção de Itabuna quando jogava fora de casa. Decretava feriado quando o time retornava com o título de campeão. Como prefeito foi um torcedor entusiasta.  Se Luís Carlos fosse formar a melhor seleção de futebol da cidade  com os jogadores de sua geração,  escolheria: Plínio, Zé Davi e Ronaldo; Valdemir Chicão, Abiezer e Hamilton; Gajé, Santinho, Jonga, Tombinha e Fernando Riela. “O excesso de bons craques amadores naquele tempo tornava difícil fazer uma escalação com os onze melhores”, observou o goleiro.
        Fora das canchas esportivas, Luís Carlos foi  exemplar filho, marido, pai, avô e  irmão.  Bancário condigno. Amigo atencioso e franco.  Querido pelos parentes, reverenciado pelos desportistas. Cidadão itabunense dos bons.  Sua jornada que se fez aqui neste planeta deixa marcas positivas, próprias da natureza humana de criaturas emblemáticas.

·        *Cyro de Mattos é escritor e poeta. Doutor Honoris Causa da UESC. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Publicado em Portugal, Itália, Espanha, França, Alemanha, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Autor de 44 livros de diversos gêneros.  Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.