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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

 

O Pequeno Franzino Lua

                    Cyro de Mattos

 

O futebol de Itabuna, digno de seu passado amador brilhante, quando era vencedor constante, dava orgulho à cidade. De uns tempos para cá se tornara em grande frustração, abatendo o torcedor de gerações passadas, acostumado a comparecer ao velho Campo da Desportiva para torcer com entusiasmo pelo seu time do coração. A frustração que esse torcedor saudoso carrega dentro dele hoje força que acenda o coração no sentimento de amor e saudade. De grandeza, autoestima. Lembre-se do tempo em que esse futebol amador foi pródigo em oferecer partidas memoráveis, portadoras da verdade como reflexo da vida, dizendo que nela existe a alegria dos que vencem, a tristeza dos que perdem, conformismo ou não dos que empatam em cada batalha.

           Eram    quatro irmãos, quatro craques do nosso futebol amador. Os quatro irmãos Riela formaram um capítulo à parte nas partidas disputadas no Campo da Desportiva. Eram conhecidos como os quatro mosqueteiros do rei, pois constante era o sentimento de união entre eles no relacionamento com a vida. Fernando, Carlos, Leto e Lua eram inseparáveis. A separação somente acontecia quando iam defender as cores de seu clube. Carlos e Fernando jogaram no Fluminense, Leto no Flamengo e Lua no Janízaros. Quando se enfrentavam, o sentimento de irmandade ficava de lado, cada um dava o melhor para defender o seu time. Os quatro eram jogadores dotados de recursos técnicos invejáveis. Cada um com a sua característica na intimidade com a bola.

Fizeram história no Campo da Desportiva. Fernando como um ponta-esquerda que driblava numa velocidade espantosa, deixava o marcador para trás, batido pelo chão, e o torcedor incrédulo ante a investida impetuosa, fundamental na conclusão da jogada perfeita pela beirada do campo. O meia-direita Carlos tinha boa visão de jogo, não olhava para a bola, de cabeça erguida via o companheiro e o campo para o lançamento preciso. Era um médio armador elegante. Leto jogou no Flamengo e se sagrou campeão pela seleção de Itabuna, médio-esquerdo implacável na marcação, com uma eficiência exemplar anulava o ponta-direita, que pouco pegava na bola durante os lances acirrados da partida.

         Lua, o mais novo, era dos quatro o que mais encantava, fazia o torcedor ficar com a boca larga, de tanto que sorria com os seus dribles desconcertantes.  Parecia flutuar em campo na condução da bola, um pássaro que se desvencilhava do obstáculo e no chão voava?  Gingava, driblava, enganava, aquele jogador franzino transvestido em um artista que desenhava a jogada como num sonho. Fazia a tabelinha com o companheiro, deslizava, bailarino ou vento ligeiro que fazia o espetáculo pontilhado de riso e gozo?

         Os admiradores de Lua não cansavam de dizer que dos irmãos Riela ele era o melhor, o que tinha mais recursos técnicos, o pequeno maior. Jogou no Janízaros e na seleção amadora de Itabuna quando esta começou o declínio para não mais conquistar o Intermunicipal. O seu futebol era de tão boa qualidade que foi aproveitado no time profissional do Itabuna. Tinha recursos para jogar em qualquer time grande do Rio ou São Paulo. Se fosse hoje, não tenho dúvida, melhor preparado fisicamente, estaria atuando até em equipes europeias de ponta. Por que não? Quem viu, sabe do que estou falando, não me deixa mentir.

          Aquele jogador franzino, travesso em cada drible que dava, deixou-nos há pouco, está em outras dimensões fazendo os anjos não parar de sorrir com os seus dribles cheios de molecagem.  

 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

 



 
No Brasil o "I Seminário Edivaldo M. Boaventura"- Academia Baiana de Educação: homenagem a um imenso educador 

por
Antonella Rita Roscilli


                                                                      

                                                                                                                                                                                  

Muito poderà contar Itália sobre  o prof. Edivaldo M. Boaventura quem està escrevendo estas páginas, e que teve o imenso privilegio de conhecer este grande educador, sempre acompanhado por uma humanidade e gentileza impar junto à sua esposa Solange. Tive a honra de ter ele como orador durante a minha posse em 2012 como membro correspondente pela Italia na ALB. Me convidou para escrever o prefacio da obra dele "Viagens a caminho do saber" (Quarteto ed.), com a bela capa criada por Daniel Boaventura.

Com ele promovemos em 2017 no IGHB-Instituto Geográfico Histórico da Bahia o seminário “O Príncipe italiano Umberto di Savoia e a sua passagem na Bahia em 1924” e foi uma grande alegria ter ele na mesa com um texto belissimo, junto ao ex Governador Roberto Santos, filho do Reitor Edgar Santos que tanto fez para desenvolver a Universidade Federal da Bahia. E ainda, ter a honra de ter ele como colaborador desta Revista italiana "Sarapegbe", com artigos brilhantes. Guardo na minha estante suas  preciosas obras.
 
A "Academia Baiana de Educação" organiza para o dia 10 de dezembro o I Seminario Edivaldo M. Boaventura, um webinario que visa comemorar os 87 anos de nascimento de Edivaldo M. Boaventura (Feira de Santana, 10 de dezembro 1933- Salvador, 22 de agosto de 2018), uma das mais notáveis personalidades do cenário cultural e educacional baiano e brasileiro contemporâneo, e que deixou um conjunto de obras e ações de valor incomensurável para o estado da Bahia e o Brasil inteiro. Profissional dedicado, acreditava firme na Educação como fator de desenvolvimento e a isso dedicou a própria vida, com alta competência e coerência e humildade.
 
O Seminário, organizado por Alfredo Matta  teve como anfitrião Astor de Castro Pessoa, Presidente da Academia Baiana de Educação, e como conferencistas professores e intelectuais de alto nível profissional como Antonietta Nunes, Dom Emanuel Amaral, Adriano Eysen, Leda Jesuino, Lidia Pimenta, Adriano Matta, Francisca de Paula, e do Portugal Miguel Monteiro.  Durante o evento foi lançado o Memorial virtual e houve o pré-lançamento do livro "A criação da UNEB: Percursos de Edivaldo Boaventura" (ed. Mondrongo), Adriano Eysen, Bruno Lopes Do Rosario e Lidia Boaventura Pimenta (organizadores).
 
                                                                   
Professor e educador, Edivaldo M. Boaventura contribuiu na formação de professores e de profissionais, e orientou milhares de estudantes até o fim da sua vida. Entre as suas múltiplas atividades, foi escritor, diretor-geral do Jornal A Tarde, ocupou a cadeira 39 da Academia de Letras da Bahia-ALB desde 1971, foi Presidente da ALB quando foram reorganizados o site na Internet, o Arquivo e a Biblioteca da ALB, re-inaugurada por ele no dia 10 de agosto de 2012 e intitulada a Jorge Amado.
 
Exerceu funções de importância e destaque na sociedade baiana, como secretário de Educação e Cultura da Bahia, além de ser fundador e primeiro Reitor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) com seus muitos Campus que difundiram a UNEB em vários lugares e cidades do interior da Bahia, assim possibilitando aos jovens o direito de acesso à educação academica publica, de qualidade e inclusiva, a sem  eles terem mais a obrigação de deixar a própria cidade para poder continuar com os estudos. Era Membro da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia, membro da Academia Brasileira de Educação, Membro e Orador Oficial do IGHB, fundador da Faculdade de Educação da Ufba e Academia de Ciências da Bahia.
 
Foi pioneiro na introdução dos estudos africanos na educação. Em "A construção da universidade baiana: origens, missões e afrodescendência"(ed. Edufba), na página 215 Edivaldo M. Boaventura escreve: "A educação estaria comprometida se não estivesse assentada na realidade histórico-cultural da sociedade a que se destina. Firmada nesta convicção, a Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia, gestão 1983-1987, instituiu a disciplina Introdução aos Estudos Africanos, precedida do Curso de Especialização em Estudos da História e das Culturas Africanas para habilitar docentes no ensino dessa matéria. Desenvolvemos uma iniciativa pioneira e condizente com as tradições afrobaianas." 

Entre as muitas e ilustres atividades, não podemos esquecer a criação do primeiro parque na Bahia, o Parque Castro Alves, em Muritiba, na Fazenda Cabaceiras, onde o poeta Castro Alves nasceu, a cerca de 150 quilômetros de Salvador. "Hildérico Pinheiro de Oliveiro trabalhara com Anísio Teixeira, e foi fundamental nesse projeto. Pedro Calmon também desenhou o que imaginava. O parque acabou saindo no segundo semestre de 1970. Deixamos a localidade com quatro salas de aula, então o curso primário completo" disse uma vez. E depois criou um outro, o importante e belo Parque de Canudos. 
 
No Jornal A Tarde, Edivaldo Boaventura assumiu o cargo de diretor-geral em 1996. Durante a gestão, ele deu especial atenção ao projeto A Tarde Educaçãoinserindo o jornal nas escolas do interior da Bahia. Orgulhoso Cidadão de Feira de Santana era membro da Academia Feirense de Letras. Apaixonado estimador do Portugal, foi condecorado pelo governo de Portugal com a Ordem da Instrução Pública no grau de Comendador, pelos serviços prestados à educação e cultura nos dois países de língua portuguesa.
 
Educador e trabalhador incansável e visionario, jà há muito tempo ele estava convencido de que a educação a distância é um fator fundamental, ao atingir áreas e pessoas muito distantes dos grandes centros deste país continental e do estado da Bahia, que tem mais de 560 mil quilômetros quadrados. "Temos que ser pelas aprendizagens híbridas, a presencial e aquela a distância; as duas modalidades devem se complementar" dizia.
Edivaldo M. Boaventura permanece um farol de Luz e viverà para sempre através seus livros que continuam ajudando milhares de estudantes e estudiosos.
 

Antonella Rita Roscilli. Lusitanista, jornalista, escritora e tradutora. Formada na Itália em Língua e Literatura do Brasil e dos países africanos de língua oficial portuguesa, trabalhou por muitos anos na emissora publica  RAI-Radiotelevisione Italiana. Se ocupa de temáticas interculturais e comunicação. No Brasil faz parte da Academia de Letras da Bahia e do Instituto Geográfico Histórico (IGHB), eleita Membro Correspondente pela Itália. No Brasil està vinculada à UFBA e è pesquisadora do CNPq.  Como biógrafa da memorialista Zélia Gattai, esposa do escritor Jorge Amado, publicou no Brasil obras quais Zélia de Euá Rodeada de Estrelas (ed. Casa de Palavras), Da palavra à imagem em “Anarquistas, graças a Deus” e Zélia Gattai e a Emigração italiana no Brasil entre Séc. XIX e XX com a Edufba, editora da Universidade Federal da Bahia. 

 

OS 100 ANOS DE NASCIMENTO DE CLARICE LISPECTOR

 

Ricardo Cravo Albin

 

Nesta quinta feira a literatura está em festas. A celebração dos 100 anos de Clarice Lispector representa mais, muito mais, para o fazer literário, o escrito na língua portuguesa, do que pode avaliar nossa apelidada “vã consciência”.

 

Clarice, que se intitulava mais uma jornalista do que escritora, errou em sua auto avaliação. Porque tudo que fez manejando palavras e o estímulo do intelecto em forma de arte ficou revestido de um grau superior e universal.

 

Por essa razão, acode-me a memória das muitas conversas que mantínhamos dentro do Conselho de Literatura do Museu da Imagem e do Som, de que ela participava a meu convite tanto na busca dos nomes para os depoimentos destinados à posteridade quanto para escolha dos prêmios Golfinho de Ouro e Estácio de Sá, os melhores do ano em literatura. Ao final da tarde, o Conselho de Literatura já encerrado, eu levava Clarice ao seu apartamento no Leme, na Gustavo Sampaio.

 

Evoco essa memória de amizade e admiração porque já naquela época muitos críticos intuíam dentro e fora do Conselho que caberia à Clarice uma consagração internacional. Sua literatura absolutamente original para a época estimulava o futuro, projetava audácia, arquitetava beleza e surpresa.

 

Seguem abaixo, tanto como farei amanhã com seu vizinho de data de aniversário, Noel Rosa, algumas frases que definem a essência do seu pensamento provocador.

 

1- “Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir.”

2- “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”

3- “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”

4- “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”

5- “O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.”

6- “Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.”

7- “Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar.”

8- “Que minha solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”

9- “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.”

10- “E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.”

11- “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.”

12- “Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.”

 

Como fiz questão de que o Pen Clube Internacional do Brasil a homenageasse, repito aqui a frase que encimou toda a correspondência do nosso Organismo Internacional.

 

2020 – ANO DOS 100 ANOS DE CLARICE LISPECTOR

 

·      Ricardo Cravo Albin é presidente do Pen Clube do Brasil.

 

 

OS 100 ANOS DE NASCIMENTO DE CLARICE LISPECTOR

 

                          Ricardo Cravo Albin

 

Nesta quinta feira a literatura está em festas. A celebração dos 100 anos de Clarice Lispector representa mais, muito mais, para o fazer literário, o escrito na língua portuguesa, do que pode avaliar nossa apelidada “vã consciência”.

 

Clarice, que se intitulava mais uma jornalista do que escritora, errou em sua auto avaliação. Porque tudo que fez manejando palavras e o estímulo do intelecto em forma de arte ficou revestido de um grau superior e universal.

 

Por essa razão, acode-me a memória das muitas conversas que mantínhamos dentro do Conselho de Literatura do Museu da Imagem e do Som, de que ela participava a meu convite tanto na busca dos nomes para os depoimentos destinados à posteridade quanto para escolha dos prêmios Golfinho de Ouro e Estácio de Sá, os melhores do ano em literatura. Ao final da tarde, o Conselho de Literatura já encerrado, eu levava Clarice ao seu apartamento no Leme, na Gustavo Sampaio.

 

Evoco essa memória de amizade e admiração porque já naquela época muitos críticos intuíam dentro e fora do Conselho que caberia à Clarice uma consagração internacional. Sua literatura absolutamente original para a época estimulava o futuro, projetava audácia, arquitetava beleza e surpresa.

 

Seguem abaixo, tanto como farei amanhã com seu vizinho de data de aniversário, Noel Rosa, algumas frases que definem a essência do seu pensamento provocador.

 

1- “Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir.”

2- “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”

3- “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”

4- “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”

5- “O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.”

6- “Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.”

7- “Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, Depende de quando e como você me vê passar.”

8- “Que minha solidão me sirva de companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo.”

9- “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca.”

10- “E se me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar.”

11- “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.”

12- “Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam.”

 

Como fiz questão de que o Pen Clube Internacional do Brasil a homenageasse, repito aqui a frase que encimou toda a correspondência do nosso Organismo Internacional.

 

2020 – ANO DOS 100 ANOS DE CLARICE LISPECTOR

 

·      Ricardo Cravo Albin é presidente do Pen Clube do Brasil.

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

 

                 Academia de Letras da Bahia e Eletrogóes

              Concedem Prêmio ao Escritor Cyro de Mattos


A Academia de Letras da Bahia e a Eletrogóes  concederam o Prêmio Conjunto de Obra deste ano ao escritor Cyro de Mattos, autor baiano (de Itabuna), com cerca de 50 livros pessoais publicados, de diversos gêneros,  organizador de dez antologias, também editado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos, além de participar de dezenas antologias no Brasil e exterior. Neste ano, Cyro de Mattos publicou os livros Prosa e Poesia no Sul da Bahia, ensaios, Infância com Bicho e Pesadelo, contos, na Coleção Mestres da Literatura Baiana, e O Discurso do Rio, poesia, em Portugal.

 O Prêmio Conjunto de Obra Academia de Letras da Bahia e Eletrogóes consiste em uma placa alusiva à obra do escritor homenageado e valor em espécie, que serão entregues ao agraciado em sessão online, na festa de confraternização natalina da Academia de Letras da Bahia, em data a ser designada neste mês de dezembro. Este prêmio é o mais elevado da Academia de Letras da Bahia e já foi conquistado nas edições anteriores pela poeta Myriam Fraga, escritor Hélio Pólvora,  educador Edvaldo Boaventura, historiador João José Reis e romancista Gláucia Lemos.  


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

 

Novo Livro de Poesia

de Cyro de Mattos É

Publicado em Portugal

 

 

A Editora Palimage, de Coimbra, Portugal, acaba de publicar O Discurso do Rio, novo livro do baiano (de Itabuna) Cyro de Mattos, reunindo trinta sonetos, com prefácio da professora doutora Graça Capinha, da Universidade de Coimbra. O livro integra a coleção Palavra Imagem, e seus poemas foram motivados pela situação atual do rio Cachoeira,  que divide a cidade natal do autor em duas partes, com suas águas poluídas hoje, como se fosse um esgoto a céu aberto, comparado ao tempo de antigamente quando havia um ambiente de beleza que habitava as suas correntes puríssimas.

Este é o quinto livro de poemas que a Editora Palimage publica de Cyro de Mattos na Coleção Palavra Imagem, que reúne poetas representativos da poesia contemporânea portuguesa.  Membro de instituições culturais importantes, como a Academia de Letras da Bahia, os outros livros desse autor baiano publicados pela Editora Palimage são Vinte Poemas do Rio, inglês-português, Ecológico, Vinte e Um Poemas de Amor e Poemas Ibero-Americanos. 

        A professora Graça Capinha observa que “alguns poetas brasileiros têm a capacidade extraordinária de conseguir regressar às coisas primeiras, como se, de fato, abrir uma janela e olhar o mundo pela vez primeira fosse possível”. Acrescenta que olham com as palavras, é certo, mas, mesmo essas, parecem trazer-lhes (-nos) os primeiros sons.” Mostra assim que “Cyro de Mattos é um desses poetas e não será certamente por mero acaso que, além de poeta e ficcionista, este seja também um autor de livros para crianças. Digamos que, tratando-se de escrever sobre um rio, este só poderia assim ser: um autor-menino, de olhos lavados e bem abertos”.
          

 

Novo Livro de Poesia

de Cyro de Mattos É

Publicado em Portugal

 

 

A Editora Palimage, de Coimbra, Portugal, acaba de publicar O Discurso do Rio, novo livro do baiano (de Itabuna) Cyro de Mattos, reunindo trinta sonetos, com prefácio da professora doutora Graça Capinha, da Universidade de Coimbra. O livro integra a coleção Palavra Imagem, e seus poemas foram motivados pela situação atual do rio Cachoeira,  que divide a cidade natal do autor em duas partes, com suas águas poluídas hoje, como se fosse um esgoto a céu aberto, comparado ao tempo de antigamente quando havia um ambiente de beleza que habitava as suas correntes puríssimas.

Este é o quinto livro de poemas que a Editora Palimage publica de Cyro de Mattos na Coleção Palavra Imagem, que reúne poetas representativos da poesia contemporânea portuguesa.  Membro de instituições culturais importantes, como a Academia de Letras da Bahia, os outros livros desse autor baiano publicados pela Editora Palimage são Vinte Poemas do Rio, inglês-português, Ecológico, Vinte e Um Poemas de Amor e Poemas Ibero-Americanos. 

        A professora Graça Capinha observa que “alguns poetas brasileiros têm a capacidade extraordinária de conseguir regressar às coisas primeiras, como se, de fato, abrir uma janela e olhar o mundo pela vez primeira fosse possível”. Acrescenta que olham com as palavras, é certo, mas, mesmo essas, parecem trazer-lhes (-nos) os primeiros sons.” Mostra assim que “Cyro de Mattos é um desses poetas e não será certamente por mero acaso que, além de poeta e ficcionista, este seja também um autor de livros para crianças. Digamos que, tratando-se de escrever sobre um rio, este só poderia assim ser: um autor-menino, de olhos lavados e bem abertos”.
          

sábado, 14 de novembro de 2020

 

             A Fala do Santo em Muniz Sodré

                     Cyro de Mattos

 

            Muniz Sodré reúne em A Lei do Santo (2000) quinze contos, que têm como tema o mundo do negro afrodescendente e do brasileiro negro.  Esse universo rico de saber e mistério é revelado numa prosa fácil de ser captada através das seguintes histórias: “Purificação”, “Água de rio”, “A lei do santo”, “Oluô”,  “À moda da Bahia: Tengo Lemba”, “Al dente”,  “Vermelho Havana”, “O cágado na cartola”, “Diferença”, “Metafísica do galo”,  “Uma filha de Obá”,  “Chuva”,  “O despejo”, “Batatundê” e “A partida”.

              O autor desses contos, que escorrem no texto com uma linguagem clara, sutilezas no dizer fácil para revelar o mistério que se ata imperceptível ao mundo real, é sociólogo e Obá Aressá Nilé Axé Opô Afonjá. Formado em capoeira pela Escola de Capoeira Regional de Mestre Bimba, sediada em Salvador. Dessa maneira, dotado do atributo erudito e do saber popular  percebe-se de logo que o autor  movimenta-se  à vontade para falar do Oculto, do Destino, do Fundamento, do Preceito,  do Rito, da Comida, do Som e da Cor, de tudo que emerge da lei do santo na qual seus mitos e crendices resvalam-se pelo mundo cotidiano do negro. Na escritura pontuada de saber e mistério ocorre um ritmo cativante, que interliga o divino ao real, circunscreve autor e leitor num círculo que ao mesmo tempo reflete o escritor, o ensaísta, o pensador e o artista da palavra, íntimo do assunto, e o negro da Bahia ou de outro lugar.  

            São contos bem escritos, de imaginário simbólico que atrai, torna cúmplice o leitor de um mundo que responde à sua cosmogonia com as marcas da magia, oriunda de verdades míticas, sentimentos e belezas além do tempo. Saberes que em sintonia com o mistério vêm das raízes, dizem de um modo particular de ser negro e seu mundo com bases na fé, que é capaz de iluminar a parte noturna do ser com vistas à compreensão dos seres e as coisas.  É assim que, nesses textos de ficção breve, vozes emanadas das fissuras e aberturas tênues fazem com que se enxergue de maneira saudável uma cultura que tem sua história milenar, transcendências povoadas de deuses trazidos da África.

       O negro é mostrado aqui com o seu universo feito de histórias, sintonia com sonhos, símbolos de costumes, crenças, saberes e ritos. Evidenciado como protagonista de situações encobertas de mistério, flagrado e deflagrado através de sua vida corriqueira, tantas vezes importante no palco da existência, na trama que o envolve e quer suplantar a ideologia, para assim alcançar com o seu entendimento herdado dos antepassados as dimensões da utopia.  O plano dessa utopia é feito de saberes provindos de profundas camadas míticas, de ressonâncias que chegam a provocar o efeito do estranhamento. Auxiliado pelo orixá na demanda armada  pelo difícil gesto do viver, esse negro, consequência de virtudes e defeitos no contexto que é indiferente ao seu destino,  mostra-se  de corpo e alma como consegue encarar a situação desigual, superar os ditames da dura lei da vida, em geral imposta pelo não preto, e também como não pode  se desvencilhar de crenças e costumes tão dele. 

             O imaginário desse negro pulsa com sombras herdadas de outros tempos, cada uma à espera de ser desvendada. Quando uma delas aflora com luzes das camadas ocultas do mistério mostra-se ligada a uma cosmogonia que se reflete no mundo e vibra em cada destino. Não é difícil perceber que o inexplicável que cerca por todos os lados esse negro procede de fímbrias e vislumbres, que se projetam além do tempo.  Na escrita fluente, a narrativa segura de Muniz Sodré costura personagens que infundem com o seu caráter um jeito de ser negro, que parece não ser deste mundo, embora pise o chão do cotidiano em rotação contínua. É que em Fala do Santo o tempo do cotidiano posto em cada personagem movimenta-se sob o enlace do saber guardado como tesouro em segredo. O lugar onde os personagens definem-se está sempre nos limites do acontecimento impossível, que prende até o desfecho. Este, se não é do nosso mundo, surpreende com o susto provocado na surpresa que ilumina, abrange a beleza e a poesia, retiradas do divino para o encontro perfeito com o real externo. A natureza de cada personagem com seus feitos impregnados de voos impossíveis, percalços difíceis, possibilita a história dotada de sugestões, auscultações, questões na medida que é necessária para dar a entender que o mundo do negro é de profunda magia, belo, adensado de saberes, cantos e falares respeitáveis. Suas surpresas que instigam na trama atraente decorrem de crença inexplicável através da razão lógica, ao contrário se sustenta com os fios duma magia que esconde um tesouro guardado no segredo.     

            Uma das marcas do autor na execução da história consiste no humor, que às vezes aparece com a roupagem da ironia, capaz de suscitar em pouco instante o riso que a vida oferece no trecho envolvente da prosa espontânea.  O conto “Al vento” é exemplo da boa qualidade expressiva do narrador, que sabe prender com o enleio da intriga.  É vivido por Mirinho, homem baixo e atarracado, que tem dentes fortes, fizeram sua fama desde pequeno quando torava cana, descascava e chupava com “presteza de máquina”. Quando topava com osso de boi, não se intimidava. Suas presas rasgavam e estraçalhavam com prazer tudo que encontrassem de duro pela frente, chegando rápido ao tutano. Carne-seca fosse como pedra era logo triturada, virava uma coisa macia, degustada  como uma pasta saborosa.

           Recebera de presente do padrinho Anacleto um violão antigo, de grande valor.  Como o padrinho era tocador de cavaquinho, formou-se a dupla, bastante admirada quando se apresentava no bar ou botequim. Anacleto, o padrinho, era um homem corajoso e violento, todos o temiam. Vivia na lei do santo, dado a comer carne de cachorro, daí ser considerado como filho de Ogum. Achava que o afilhado tinha também a cabeça comandada pelo santo.

           Mirinho foi morar em Niterói, levando o violão como instrumento necessário para atenuar as saudades quando batessem no peito com as cenas do interior. Fez-se   conhecido nas serestas, rodas de choro e onde quer que se exibisse um conjunto musical. Trecho desse conto admirável diz que “desgraça às vezes se acumula para o pobre como dinheiro em mãos de gente rica: o sujeito não precisa fazer nada, cresce o montão, como uma pedra que role e, contrariando o provérbio, com limo’.

Mirinho já havia passado momento infeliz pela perda da mãe, do pai, um irmão e até mesmo um filho, mas sentiu um forte aperto no coração quando tomou conhecimento que o padrinho fora morto pelas costas. Certa vez, nessa maré de tristeza, um assaltante investiu contra o rapaz para tomar o violão. Resistiu. Na briga, desigual para ele, prestes a ser vencido por golpes sucessivos do agressor feroz, ouviu uma voz a dizer-lhe: “use os dentes”. Era aviso do padrinho em hora vexatória. Agarrou-se ao homem, alto e forte, que lhe desfechara vários murros durante a luta. Enfiou a dentada no peito, rasgando o mamilo e os músculos do ladrão. Tudo poderia ter terminado com a fuga do ladrão ensanguentado, não aparecesse a voz do padrinho, dizendo que queria receber seu agrado pela ajuda. Queria comer carne de cachorro gordo. A iguaria era para ser preparada com as carnes de Tarzan, o cachorro de estimação de Mirinho. A exigência não foi aceita, mas o espírito de seu França continuou aparecendo nos sonhos do afilhado, fazendo caretas e exigindo que fosse cumprido o que pedia como recompensa de sua ajuda na refrega acirrada que Mirinho teve com o assaltante.

O espírito do padrinho ficou ofendido com a recusa do afilhado. Não havia outra explicação para o que passou a acontecer com os dentes de Mirinho e de Tarzan. Foram caindo um após outro, de maneira incontornável. E ficaram expostos como troféus da desgraça na vaza de tijolos que lhes serviam de prateleira. Difícil era saber, aos olhos de quem visse, o que era de gente e de cachorro.

 “Al vento” é um primor de conto que aborda o negro ligado no seu plano mágico ao palco da vida, podendo figurar em qualquer antologia do gênero, como também outras histórias que integram A Fala do Santo.  E esse é o melhor elogio que se pode fazer à arte de contar a história do negro com o jeito de Muniz Sodré, autor que usa  linguagem simples por conta do santo, sabe informar, nas passagens da escrita saborosa, e bem, as intervenções do que está oculto. Como este acontece no enredo que prende e forma um diálogo harmonioso com o leitor, em muitas situações chegando a hipnotizar. 

 

Referência

 

SODRÉ, Muniz. A Fala do Santo, Editora do Livro Técnico, Rio de Janeiro, 2000.

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 10 de novembro de 2020

 

Coleção Mestres da Literatura

Baiana Inclui Cyro de Mattos

 

As Edições da Assembleia Legislativa da Bahia – ALBA acabam de publicar o livro Infância com Bicho e Pesadelo, do baiano Cyro de Mattos, uma reunião de contos e novelas, incluindo a obra na Coleção Mestres da Literatura Baiana,  da qual fazem parte livros dos autores Hildegardes Viana, Vasconcelos Maia, Hélio Pólvora, Wilson Lins, Afonso Manta, Ruy Espinheira Filho, Guido Guerra, Osório Alves de Castro, Gláucia Lemos e outros.  

             A Coleção Mestres da Literatura Baiana representa um esforço conjunto da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia e da Academia de Letras da Bahia para publicar obras fundamentais da literatura baiana, e dessa forma contribuir para o maior conhecimento e a preservação do valioso trabalho dos mestres das nossas letras.  Obras de grande valor literário e de enorme importância para a cultura baiana e brasileira tiveram público limitado e hoje se encontram esgotadas.

          Escritor premiado, publicado em oito idiomas,  membro da Academia de Letras da Bahia, Cyro de Mattos reúne no livro Infância com Bicho e Pesadelo as histórias seguintes: Infância com Bicho e  Pesadelo, Ladainha nas Pedras, Inocentes e Selvagens, Coronel, Cacaueiro e Travessia, O  Cavaleiro Vingador contra o Mandão da Crueldade, Restos da Mata, Pelas Águas, Os Recuados, Pai, Filha, Berro de  Fogo, As Ligações do Padre com a Vizinha e Todo o Peso Terrestre.

 

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

 

Discurso do Herói de Palmares

      Por   Cyro de Mattos

 

Ao receber a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador, em sessão solene, online, às 20 horas, no dia 3 de novembro de 2020.

 

Boa noite a todos.

           Ilustre jurista, vereador e confrade Edvaldo Brito.

Primeiro  quero agradecer esse momento a Deus, depois à  minha esposa Mariza, que tem sido minha base durante 52 anos de casados, aos meus três filhos André Luís, Josefina e Adriano, que tanto me  motivam para que eu seja um cidadão digno, e aos meus seis netos, Rafael, Pedro Henrique, Gabriel, Luís Fernando, Marizinha e Murilo, que me dão alegria e certeza de que quando eu estiver em outra dimensão continuarei ainda aqui, neste velho mundo, em cada um deles.

Faço um agradecimento especial ao professor emérito e jurista consagrado, vereador Edvaldo Brito, o autor do projeto para que esta Casa me concedesse a distinção. Muito me honra ter sido colega daquele estudante pobre na turma de 62 da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Aquele rapaz de corpo comprido, que foi o orador da turma. Esse homem de cor, cidadão digno, um símbolo vitorioso da negritude na Bahia e no Brasil. Essa criatura rara, de cultura adquirida com esforço nos livros, brilho de sua inteligência, crença na força dos antepassados, e que se sabe herdeiro da fraternidade e compromissado com a verdade, portador do axé, que, como se diz no candomblé, é “a luz do dia”. É por sua iniciativa generosa que estou aqui sendo homenageado, apesar de surpreso até agora ao receber essa láurea, e comovido.  

Certa vez minha tetravó materna contou à minha trisavó que contou à minha bisavó que contou à minha avó que uma gente que vivia nas suas aldeias foi retirada da África como bicho, pior do que bicho, para a escravidão no Brasil Colonial.  Filho foi retirado da mãe, marido da mulher, irmão do irmão, acorrentados foram trazidos com os rostos tristes, até que se viram jogados para o embarque como um fardo deplorável no porão fétido do navio negreiro.  Longe, tão longe, foi ficando atrás na savana a lágrima de Deus.  No rumo desconhecido, seguia aquela gente na carga desgraçada, feita com vozes sofridas na cena lastimada. Uma pobre gente solitária vagando pela imensidão das ondas salgadas. Viajava marcada sem perdão, o corpo amassado, a fome e a sede nas horas de aflição, menos para o traficante branco, que conduzia o navio por entre as águas de cobiça e perversidade.

No poema “Navio Negreiro”, de meu livro Poemas de Terreiro e Orixás, dou minha versão dessa sinistra embarcação com sua carga sofrida numa rota dos infernos.  Eis o poema:  

 

Navio Negreiro

 

não adiantava

gemer

não adiantava

mugir

não adiantava

 viver

muito melhor

morrer

 

funda a ferida

amargo o ferrão

ardido o sal

aguda a solidão

negro negro negro

o mugido anuncia

a sede e a fome

 de boi em agonia

 

todo esse mar

é a desgraça

não branca

que até hoje

das entranhas

rola nas ondas

o seu mal-estar

 

o despejo na praia

diz de um tesouro

alimentado do pai

alimentado da mãe

do filho e do irmão

como ofensas no amor

do suor fabricado 

para a saborosa canção

do constante senhor

 

 Na rota da desgraça foi submetida essa gente ao trabalho servil do Brasil colonial. Alguns negros inconformados fugiam da senzala em busca da liberdade na mata fechada. Não conseguiam reter o suor e a amargura que derramavam todos os dias para irrigar o canavial do senhor de engenho.  A fome do Brasil açucareiro era insaciável, nunca se satisfazia com o trabalho de graça dado pelo braço escravo. O feitor com os cachorros logo ia atrás do negro fujão, que terminava castigado com a sua afronta no pelourinho. Treze, trinta, cinquenta chibatadas. Muitos não suportavam o castigo, morriam esfacelados.  Tristes, os outros olhavam, não podiam fazer nada. Calados, lambiam o vento, que soprava no peito a sina feita de atrocidades, assim guardadas como ruínas dos dias nos gemidos mudos.  

Quem de novo fugisse e fosse apanhado, o remédio agora era cortar um pé, para que o exemplo fosse melhor disseminado.  Minha avó contava que em outros casos de insubmissão a língua era cortada daquele negro falador, inflamando os outros para fazer a revolta. Contou mais que minha tetravó tinha o seio farto, foi lambido, bebido como gostosura o seu leite puro para o anjinho do senhor não sucumbir. Senhores bigodudos, sisudos doutores provaram do leite morno e doce, saindo ilesos das sombras da morte.  A paga daquele ofício era na roupa lavada, engomada, no fogão aceso e abanado, no asseio de inúmeros cômodos, no carrego de feixes de cana, em tudo que tinha o gosto amargo para que a vida continuasse no seu ritmo invariável de dor e solidão.

O mel da cabaça da negrinha era para servir a seu dono, que deixava o fel nas entranhas. Matava a sede do que batia os dentes, montava nela com todas as forças que pudesse reunir e perfurava, sem remorso, umas carnes tenras. Arrancava os tampos com sua flor guardada entre as pernas, olhe lá, não tens que gritar, é pra ficar abafada nos lamentos, entorpecida pelo som e a fúria dos meus punhos, o querer é só meu, ninguém se atreva a interromper.  Passava o inverno, passava o verão, o tempo e as dores essa gente desgraçada ia moendo, remoendo. Como devia ser, os céus ordenavam. As horas se resumiam na fome e na sede de animal em passividade e agonia. O final todos sabiam, uma coisa, que teve a vida toda em luto perpétuo, era enterrada na cova rasa, mais nada.   

E dizer que o Brasil foi carregado nos ombros dessa gente vítima de mazelas, violência e injustiça. De toda sorte de vilanias, preconceitos, desigualdades. Essa gente da qual também procedo, que deu o suor de sol a sol ao jugo do senhor branco e de volta recebeu a canga. O Brasil tem uma dívida com o negro que é impagável. Esquecido dessa dívida, ainda se vê hoje, em pleno século vinte e um, atos pusilânimes que alimentam a mancha que envergonha, essa chaga que subtrai e faz da vida um horror com fendas acumuladas de aversão, feridas que não curam.  

Ontem na televisão, diante do rosto da humanidade pasma, a notícia veio com a cena do negro que teve a vida esmagada pelo policial branco.  Tiros foram desfechados nas costas de outro, que, indefeso, tentou fugir da perseguição como fúria canina. É comum a rejeição ao negro, considerado ao longo dos séculos como um ser inferior, de gradações baixas, daí não ser nada de mais ser visto até hoje no semblante inocente dele o ladrão ou o assassino. 

Diante de tantas atitudes para alimentar o império do mal, destruir o espírito universal do bem, mais que nunca é preciso resistir, denunciar, lutar para desfazer a mentira e ao invés disso gritar a todos pulmões que a liberdade é o valor maior, a igualdade não é privilégio de ninguém, Deus fez todos nós com a mesma alma, o amor é o sentimento mais forte.

Devo lembrar que o Quilombo dos Palmares era formado por três aldeias. Aí por volta de 1640 viveram cerca de dez mil quilombolas. Eram fortes e contentes, plantavam de tudo e não se serviam da terra como fonte única de riqueza, através do açúcar. Cada família em Palmares ocupava um lote de terra, o que tirava dela era para o seu sustento. Em 1670, já inúmeros povoados cobriam muitos quilômetros de terra na serra do Barriga, em Alagoas.  Palmares havia se transformado em um Estado, situado na borda do litoral do mundo canavieiro. Tornava-se por isso mesmo em grave ameaça ao império do açúcar, com seu sistema fixo calcado no braço escravo, em benefício exclusivo do senhor de engenho.

         Tinha uma população de trinta mil almas quando sob o comando de Zumbi sucumbiu às investidas de Domingos Jorge Velho, chefe de um exército armado de canhões, constituído de nove mil homens. Sucessor do trono de Ganga Zumba, Zumbi mostrara ser um guerreiro implacável antes mesmo de ser derrotado por Domingos Jorge Velho. Há quem diga que ele se pareceu aos heróis de guerra Aníbal, Alexandre, Ciro e Napoleão. Diferente deles porque não combateu para conquistar territórios e glórias, mas para fazer de Palmares uma flecha a ser atirada para o coração da liberdade.

Muitos historiadores esconderam dos compêndios oficiais a grandeza do caráter de Zumbi dos Palmares, mas a verdade prevaleceu. Ele se tornou um verdadeiro herói do Brasil, símbolo da resistência negra perante o ferro do colono usurpador. De maneira que a essa altura só me resta dizer nesse momento de especial reconhecimento o quanto me dignifica receber da Câmara de Vereadores de Salvador, a mais antiga do Brasil, uma honraria com o nome desse herói negro. E assim terminar minha fala com um poema inspirado nessa figura, que por sua coragem, amor à liberdade, lealdade ao seu povo, tornou-se um marco elevado da tão esperada abolição.

 

Zumbi

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

ritmo da liberdade.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

batuque da igualdade.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

manual da fraternidade.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares

sem o açúcar insaciável.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

gente em grito indignada.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

no abismo a África salta. 

 

Luzes da Manhã,

força do amor

pelo chão e nos ares.

 

Espero que minha voz como um grão nos ventos da resistência venha se juntar ao movimento que vem lutando nos anos pela sanidade da razão, expandindo-se para a valorização e conscientização do universo do negro.

A todos, o meu muito obrigado por esse momento gratificante em minha jornada de vida.

 

 

 

 

 

Discurso do Herói de Palmares

      Por   Cyro de Mattos

 

Ao receber a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara de Vereadores de Salvador, em sessão solene, online, às 20 horas, no dia 3 de novembro de 2020.

 

Boa noite a todos.

           Ilustre jurista, vereador e confrade Edvaldo Brito.

Primeiro  quero agradecer esse momento a Deus, depois à  minha esposa Mariza, que tem sido minha base durante 52 anos de casados, aos meus três filhos André Luís, Josefina e Adriano, que tanto me  motivam para que eu seja um cidadão digno, e aos meus seis netos, Rafael, Pedro Henrique, Gabriel, Luís Fernando, Marizinha e Murilo, que me dão alegria e certeza de que quando eu estiver em outra dimensão continuarei ainda aqui, neste velho mundo, em cada um deles.

Faço um agradecimento especial ao professor emérito e jurista consagrado, vereador Edvaldo Brito, o autor do projeto para que esta Casa me concedesse a distinção. Muito me honra ter sido colega daquele estudante pobre na turma de 62 da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Aquele rapaz de corpo comprido, que foi o orador da turma. Esse homem de cor, cidadão digno, um símbolo vitorioso da negritude na Bahia e no Brasil. Essa criatura rara, de cultura adquirida com esforço nos livros, brilho de sua inteligência, crença na força dos antepassados, e que se sabe herdeiro da fraternidade e compromissado com a verdade, portador do axé, que, como se diz no candomblé, é “a luz do dia”. É por sua iniciativa generosa que estou aqui sendo homenageado, apesar de surpreso até agora ao receber essa láurea, e comovido.  

Certa vez minha tetravó materna contou à minha trisavó que contou à minha bisavó que contou à minha avó que uma gente que vivia nas suas aldeias foi retirada da África como bicho, pior do que bicho, para a escravidão no Brasil Colonial.  Filho foi retirado da mãe, marido da mulher, irmão do irmão, acorrentados foram trazidos com os rostos tristes, até que se viram jogados para o embarque como um fardo deplorável no porão fétido do navio negreiro.  Longe, tão longe, foi ficando atrás na savana a lágrima de Deus.  No rumo desconhecido, seguia aquela gente na carga desgraçada, feita com vozes sofridas na cena lastimada. Uma pobre gente solitária vagando pela imensidão das ondas salgadas. Viajava marcada sem perdão, o corpo amassado, a fome e a sede nas horas de aflição, menos para o traficante branco, que conduzia o navio por entre as águas de cobiça e perversidade.

No poema “Navio Negreiro”, de meu livro Poemas de Terreiro e Orixás, dou minha versão dessa sinistra embarcação com sua carga sofrida numa rota dos infernos.  Eis o poema:  

 

Navio Negreiro

 

não adiantava

gemer

não adiantava

mugir

não adiantava

 viver

muito melhor

morrer

 

funda a ferida

amargo o ferrão

ardido o sal

aguda a solidão

negro negro negro

o mugido anuncia

a sede e a fome

 de boi em agonia

 

todo esse mar

é a desgraça

não branca

que até hoje

das entranhas

rola nas ondas

o seu mal-estar

 

o despejo na praia

diz de um tesouro

alimentado do pai

alimentado da mãe

do filho e do irmão

como ofensas no amor

do suor fabricado 

para a saborosa canção

do constante senhor

 

 Na rota da desgraça foi submetida essa gente ao trabalho servil do Brasil colonial. Alguns negros inconformados fugiam da senzala em busca da liberdade na mata fechada. Não conseguiam reter o suor e a amargura que derramavam todos os dias para irrigar o canavial do senhor de engenho.  A fome do Brasil açucareiro era insaciável, nunca se satisfazia com o trabalho de graça dado pelo braço escravo. O feitor com os cachorros logo ia atrás do negro fujão, que terminava castigado com a sua afronta no pelourinho. Treze, trinta, cinquenta chibatadas. Muitos não suportavam o castigo, morriam esfacelados.  Tristes, os outros olhavam, não podiam fazer nada. Calados, lambiam o vento, que soprava no peito a sina feita de atrocidades, assim guardadas como ruínas dos dias nos gemidos mudos.  

Quem de novo fugisse e fosse apanhado, o remédio agora era cortar um pé, para que o exemplo fosse melhor disseminado.  Minha avó contava que em outros casos de insubmissão a língua era cortada daquele negro falador, inflamando os outros para fazer a revolta. Contou mais que minha tetravó tinha o seio farto, foi lambido, bebido como gostosura o seu leite puro para o anjinho do senhor não sucumbir. Senhores bigodudos, sisudos doutores provaram do leite morno e doce, saindo ilesos das sombras da morte.  A paga daquele ofício era na roupa lavada, engomada, no fogão aceso e abanado, no asseio de inúmeros cômodos, no carrego de feixes de cana, em tudo que tinha o gosto amargo para que a vida continuasse no seu ritmo invariável de dor e solidão.

O mel da cabaça da negrinha era para servir a seu dono, que deixava o fel nas entranhas. Matava a sede do que batia os dentes, montava nela com todas as forças que pudesse reunir e perfurava, sem remorso, umas carnes tenras. Arrancava os tampos com sua flor guardada entre as pernas, olhe lá, não tens que gritar, é pra ficar abafada nos lamentos, entorpecida pelo som e a fúria dos meus punhos, o querer é só meu, ninguém se atreva a interromper.  Passava o inverno, passava o verão, o tempo e as dores essa gente desgraçada ia moendo, remoendo. Como devia ser, os céus ordenavam. As horas se resumiam na fome e na sede de animal em passividade e agonia. O final todos sabiam, uma coisa, que teve a vida toda em luto perpétuo, era enterrada na cova rasa, mais nada.   

E dizer que o Brasil foi carregado nos ombros dessa gente vítima de mazelas, violência e injustiça. De toda sorte de vilanias, preconceitos, desigualdades. Essa gente da qual também procedo, que deu o suor de sol a sol ao jugo do senhor branco e de volta recebeu a canga. O Brasil tem uma dívida com o negro que é impagável. Esquecido dessa dívida, ainda se vê hoje, em pleno século vinte e um, atos pusilânimes que alimentam a mancha que envergonha, essa chaga que subtrai e faz da vida um horror com fendas acumuladas de aversão, feridas que não curam.  

Ontem na televisão, diante do rosto da humanidade pasma, a notícia veio com a cena do negro que teve a vida esmagada pelo policial branco.  Tiros foram desfechados nas costas de outro, que, indefeso, tentou fugir da perseguição como fúria canina. É comum a rejeição ao negro, considerado ao longo dos séculos como um ser inferior, de gradações baixas, daí não ser nada de mais ser visto até hoje no semblante inocente dele o ladrão ou o assassino. 

Diante de tantas atitudes para alimentar o império do mal, destruir o espírito universal do bem, mais que nunca é preciso resistir, denunciar, lutar para desfazer a mentira e ao invés disso gritar a todos pulmões que a liberdade é o valor maior, a igualdade não é privilégio de ninguém, Deus fez todos nós com a mesma alma, o amor é o sentimento mais forte.

Devo lembrar que o Quilombo dos Palmares era formado por três aldeias. Aí por volta de 1640 viveram cerca de dez mil quilombolas. Eram fortes e contentes, plantavam de tudo e não se serviam da terra como fonte única de riqueza, através do açúcar. Cada família em Palmares ocupava um lote de terra, o que tirava dela era para o seu sustento. Em 1670, já inúmeros povoados cobriam muitos quilômetros de terra na serra do Barriga, em Alagoas.  Palmares havia se transformado em um Estado, situado na borda do litoral do mundo canavieiro. Tornava-se por isso mesmo em grave ameaça ao império do açúcar, com seu sistema fixo calcado no braço escravo, em benefício exclusivo do senhor de engenho.

         Tinha uma população de trinta mil almas quando sob o comando de Zumbi sucumbiu às investidas de Domingos Jorge Velho, chefe de um exército armado de canhões, constituído de nove mil homens. Sucessor do trono de Ganga Zumba, Zumbi mostrara ser um guerreiro implacável antes mesmo de ser derrotado por Domingos Jorge Velho. Há quem diga que ele se pareceu aos heróis de guerra Aníbal, Alexandre, Ciro e Napoleão. Diferente deles porque não combateu para conquistar territórios e glórias, mas para fazer de Palmares uma flecha a ser atirada para o coração da liberdade.

Muitos historiadores esconderam dos compêndios oficiais a grandeza do caráter de Zumbi dos Palmares, mas a verdade prevaleceu. Ele se tornou um verdadeiro herói do Brasil, símbolo da resistência negra perante o ferro do colono usurpador. De maneira que a essa altura só me resta dizer nesse momento de especial reconhecimento o quanto me dignifica receber da Câmara de Vereadores de Salvador, a mais antiga do Brasil, uma honraria com o nome desse herói negro. E assim terminar minha fala com um poema inspirado nessa figura, que por sua coragem, amor à liberdade, lealdade ao seu povo, tornou-se um marco elevado da tão esperada abolição.

 

Zumbi

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

ritmo da liberdade.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

batuque da igualdade.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

manual da fraternidade.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares

sem o açúcar insaciável.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

gente em grito indignada.

 

Falo Zumbi,

digo Palmares,

no abismo a África salta. 

 

Luzes da Manhã,

força do amor

pelo chão e nos ares.

 

Espero que minha voz como um grão nos ventos da resistência venha se juntar ao movimento que vem lutando nos anos pela sanidade da razão, expandindo-se para a valorização e conscientização do universo do negro.

A todos, o meu muito obrigado por esse momento gratificante em minha jornada de vida.