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sábado, 28 de março de 2020


                                  




                              RIO CACHOEIRA

                                 Cyro de Mattos        

               
           Cada cidade ou região tem o seu rio, com sua gente, águas, bichos e lendas. Escorrendo sentimentos líquidos, cada pessoa carrega no coração o rio de sua cidade. Cachoeira é como se chama o rio que atravessa a minha cidade. Divide-a em duas partes. Já teve lavadeiras, aguadeiros, pescadores  e tiradores de areia  quando ainda não existia a represa próxima à Ponte Velha. Baronesas não ficavam entulhadas entre as pedras pretas, espalhadas em vários trechos do rio. A Ilha do Jegue era comprida e nela nunca se viu uma garça. Bocas de vômito não despejavam detritos nas águas claras.
              Lavadeiras estendiam roupas que coloriam as inúmeras pedras pretas. O rio lavava suas águas com o canto das lavadeiras. Cores e cantos davam um belo visual ao velho rio. Pequenas correntezas conversavam entre as pedras. O leito era límpido, dava para se ver a areia com pedrinhas lisas e redondas.  Borboletas pousavam nas margaridas silvestres que cobriam os barrancos. Andorinhas trissavam acima do rio quando acontecia o entardecer.
           O rio Cachoeira perdeu muito de seu encanto, sem as lavadeiras, os pescadores, os aguadeiros e os tiradores de areia. De sol a sol, homens e meninos buscavam com suas pás  no fundo do rio a areia, que servia para as construções na cidade. Os jumentos transportavam em latas as cargas de areia. Tempo bom para o areeiro retirar a areia do fundo do rio era nos meses de verão. A cidade toda sabia, pelas mãos do areeiro, que o rio era uma dádiva e a argamassa da casa feita de fibra específica: calo, suor e areia. O homem passava  pelas ruas, tangendo com a taca os jumentos carregados de areia nas latas. As casas cochichavam. Areia sem a pá não seria dádiva. Nada seria a pá sem a areia. Ajoelhando as fachadas, as casas tomavam a velha bênção ao rio. Ao tirador de areia agradeciam comovidas.        
          Para quem não sabe, o velho  Cachoeira já forneceu à cidade água boa no bebedouro da vida. Esse tempo já vai longe, muito longe. Um  tempo de fontes puríssimas do nosso rio. Foi na infância da cidade quando ela tinha poucas ruas calçadas, três ou quatro bairros. Tropeçava nas pernas quando era chegado o inverno. Caminhava alegre batida pelos raios de sol quando era tempo de estio, o verão temperado de ardências por entre verdes e azuis das safras.  Tempo melhor  não havia para tomar banho com os querido amigos nas águas do nosso rio.
         O nosso rio Cachoeira ficava brabo nas cheias, descia  feito um réptil sem tamanho, espumando e invadindo as ruas ribeirinhas, até mesmo a avenida do comércio, a principal da cidade. Descia feito um bicho do outro mundo, levando no lombo toro de pau, bicho morto, porta e janela. Algumas dessas enchentes ficaram na memória do povo de minha cidade. Um poeta popular chegou a fotografar em versos a zanga do pequeno rio. Leia um trecho do que o poeta popular dizia.                                           
                                  
As casas comerciais,                                                                                                  
Assim que o dono chegava,                                                       
A que tinha ainda porta,                                                                                 
Quando ele a destrancava,                                                                     
A sua mercadoria                                                  
Coberta de lama achava.
           
           Tinha gente que acordava                                                                                                        Naquele grande alvoroço,                                                                                 
         A água levando tudo,                                                                                                                Fazendo o maior destroço,                                                                                                       O  pobre salvava a vida                                                                                                             Com água pelo pescoço.











quinta-feira, 26 de março de 2020


        


         Câmara Municipal de Salvador
         Faz Homenagem  a Cyro de Mattos
        Com  Medalha Zumbi dos Palmares
        
O projeto de Resolução N* 16/2020, da Câmara Municipal de Salvador, publicado no Diário Oficial,  em 20 de março de 2020, concedeu ao escritor baiano Cyro de Mattos a Medalha Zumbi dos Palmares, uma das mais altas honrarias daquela instituição legislativa.  Foi criada para homenagear  a pessoas atuantes no combate ao racismo, discriminação e intolerância na cidade de Salvador e Bahia, bem como na valorização da cultura do negro afrodescendente baiano. .
O projeto  é de autoria do professor e vereador Edvaldo Brito, que salienta em sua justificativa a ênfase  que o autor baiano vem dando na sua vasta obra para a valorização do  negro,   através de publicação de  contos, crônicas,  poemas e artigos, em especial com os seus livros O Menino e o Trio Elétrico, Prêmio  da União Brasileira de Escritores (Rio), também editado na Itália, Natal das Crianças Negras, em seis idiomas, e Poemas de Terreiro e Orixás, das Edições Mazza (BH).
        Em Natal das Crianças Negras, Cyro de Mattos conta  o encontro pela primeira vez de duas crianças negras e pobres com   Papai  Noel na véspera de Natal. Na loja de brinquedos, o  velhinho aparece na telinha da televisão, de rosto alegre,  com suas promessas de presentear as crianças naquele dia cheio de inocência e esperança.  As crianças  Bel e Nel colocam os chinelos na janela. No outro dia, nada encontram neles. E então souberam que o Natal era a lágrima  que pelo rosto descia. Já em O Menino e o Trio Elétrico,  narra a história de Chapinha, um menino pobre e negro, que vende amendoim  no ônibus para ajudar  a mãe viúva e a vó Pequena no sustento  da vida.  Ele sonha  em ter  o seu abadá  para  sair atrás de um trio elétrico de arromba,   puxado por um astro da música popular baiana, mas em face de suas condições  pobres não vê como esse sonho possa ser realizado.  Cyro toca aqui  nas contradições do carnaval baiano, bom para turista se divertir e quem tem condições econômicas de viver  a festa   Em Poemas de Terreiro e Orixás, comparece com o seu modo solidário e encantatório de pensar o negro. Sentimentos refletem um jeito comovente de ser negro, ritmado no canto vindo da África, que transforma a alma em crença e magia.  Imagens dizem de coisas tristes,  que não se apagam no rastro das distâncias, na sucessão infeliz dos momentos e gritantes  situações adversas.   

















Prefeitura de  Recife Adquire 12 Mil Exemplares de Livro Infantil de Cyro de Mattos

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A Prefeitura Municipal de Recife acaba de adquirir doze mil exemplares de “Lorotas, Caretas e Piruetas”, de  Cyro de Mattos, livro de poesia infantil   publicado pela Editora  RHJ, de Belo Horizonte, com ilustrações de Luís Sartori do Vale.  O livro foi selecionado  e aprovado no Projeto –  Programa de Desenvolvimento  da  Educação e da Gestão Pública da Prefeitura Recifense, entre dezenas de autores brasileiros do gênero.  A Prefeitura de Recife destinará os exemplares  à rede escolar pública e privada, bibliotecas e instituições culturais.
“ Lorotas, Caretas e Piruetas”  recebeu  o Prêmio Alice Maria da Silva, da União  Brasileira de Escritores, RJ, em 2012. Reúne poemas em torno do mundo encantado e divertido do circo. Os personagens e cenas circenses compõem esta divertida coletânea de poesias. Os extraordinários versos com as peripécias  dos  palhaços brincam com o ritmo e os  sons das palavras, em poemas que garantem  a leitura ainda em processo e  alfabetização. Na Bienal Internacional do Livro de Minas, em 2012, escolas  de Belo Horizonte fizeram teatrinho dos poemas enquanto o autor recitou vários deles, como o Palhaço Sansão, Palhaço  Bom de Briga e o Palhaço Perguntador.
Ficcionista e poeta, Cyro de Mattos é membro das Academias de Letras da Bahia e de Ilhéus, Doutor Honoris  Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
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