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domingo, 28 de junho de 2020


                  

           Outra Perda  Enorme
                                      
                                Cyro de Mattos

Ano de  tristezas. Mal me refaço da grande perda com o escritor e confrade João Carlos Teixeira Gomes, o amigo Joca,   recebo outra notícia que abala quando leio na mídia  que o  professor e escritor Luís Henrique Dias Tavares também nos deixou. Professor emérito da Universidade  Federal da Bahia, ilustre membro da Academia de Letras da Bahia, ficcionista dos bons e um dos mais completos conhecedores de história da Bahia. Há tempos que se comentava  na Academia de Letras da Bahia que seu estado de saúde era delicado. 
 Se  era para continuar a sofrer, sem possibilidades de voltar ao bom convívio  de familiares e amigos, prostrado sem forças em  difícil quadro, pensava comigo ser melhor partir para o descanso na cidade onde se tem  um sono sem sonho. Mas ninguém quer abdicar da esperança nessas horas em que tudo que é feito não reverte o quadro.  Onde há um fio de vida, sempre o  coração é aceso com a  chama da esperança, que nos dá a crença  de que  os dias poderão voltar a ser  como antes.
O confrade Luís Henrique Dias Tavares  foi meu professor de história no Colégio da Bahia (Central), nos idos de 1955. Era querido pelos alunos, que ficavam seduzidos com seus dizeres límpidos na aula de  história. Fazia-nos ver que a vida vertia  conhecimentos históricos com leveza ali na sala de aula. Dominava com simplicidade o assunto,  que transmitia com alma aos alunos. Ninguém naquele momento, sustentado com o saber daquele professor de estatura baixa,  ficava desatento. Seus  ensinamentos chegavam  precisos, acessíveis, dava-nos prazer O professor revelou-se tempo depois como agradável ficcionista, cronista premiado pela Academia  Brasileira de Letras.   
Aquele homem prestimoso  foi o responsável pelo meu ingresso na Academia de Letras da Bahia. Um dia, telefonou-me perguntando se eu não queria fazer parte da entidade,  que precisava de gente  nova para renovar seus quadros. Aconteceu o telefonema no segundo semestre de 2002.  Adiantou-me que eu não  ocuparia um  lugar merecido  de membro efetivo,  porque, na minha condição de escritor residente no interior, os estatutos  não admitiam isso, só permitiam que  apenas me tornasse sócio correspondente da instituição. Respondi que aceitava, era uma honra o convite que recebia dele para exercer  importante mister.
Com a alteração dos estatutos anos mais tarde, um grupo de confrades generosos,  integrados pelos acadêmicos Aramis Ribeiro Costa, Joaci Goes, Gerana Damulakis e  João Carlos Teixeira Gomes,  sustentou a bandeira para que eu  me tornasse membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Tinha a certeza  que,  se o confrade Luís Henrique Dias Tavares estivesse bem de saúde naquela oportunidade,  viria se juntar a esse grupo de acadêmicos,   que abonava dessa vez  minha  candidatura para membro efetivo da instituição.
Foi um homem de notório saber, erudição e sensibilidade andavam com ele   animadas para que a vida fosse beneficiada com novas  riquezas de conhecimento da história,  cores  que fazem bem aos olhos, sons que agradam aos ouvidos. Só poucos conseguem erguer um acervo tão digno como ele  no seu  ser-estar, no seu  pensar o mundo e sentir a vida. 
Ó tempo, ó vida, ó solidão. É assim que fomos feitos para passar a cada dia,  como o vento que  agora esteve aqui e foi embora? É assim mesmo essa  viagem em que  seguimos como passageiros limitados e contraditórios?  Somos náufragos  do barco que singra sem rumo por  mares desconhecidos?
            Sou cristão, também tenho a crença nos orixás, herdada de minha bisavó paterna. Essa condição sincrética de fé sempre me motivou a continuar na jornada. Compele-me que siga adiante   escrevendo  ficções, ensaios e  poemas na tentativa de fazer a leitura do mundo mais completa.  Como nesse agudo instante em  que acabo de concluir um poema para ser dedicado ao meu   atencioso confrade e saudoso mestre.    
          Como pequena homenagem, abaixo transcrevo o  poema.

Ó Tempo

Para Luís Henrique,
em memória.

Quem entende teu gesto?
O passado não tem volta.
Não se esvaem as dores
presas  ao  presente.

O vento que se aloja
em tuas asas  fabrica
o reino das questões
que não se decifram.

Em rigor de atitude
no musgo de teu muro
pões frieza no meu peito
quando cai o inverno.

Até no encanto assustas,
a flor que aparece
é a mesma que breve
no pó desaparece.

Oculto  nessa palavra
que ceifa  a inocência,
a solidão das horas
em  teu enigma me ofertas.

sexta-feira, 19 de junho de 2020


            

            A Perda do Joca
              Cyro de Mattos       

Acordo assustado com a notícia desagradável  de que a Bahia perde o jornalista e escritor João Carlos Teixeira Gomes. Jornalista combativo, conhecido como o  pena de aço, sonetista dos melhores, ensaísta exemplar, contista brilhante, torcedor apaixonado do Bahia. Membro da Academia de Letras da Bahia,  efetivo e eficiente. Um bom amigo, nosso  contemporâneo desde os idos de 1955,  no Colégio da Bahia (Central), passando pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da  Bahia, no período compreendido entre 1958 a 1962,   ao longo de militância cultural por mais de sessenta anos.
 A Bahia perde um grande homem, os de sua geração  um enorme companheiro,  inteligente e solidário. Em Agudo Mundo, livro inédito, presto uma modesta  homenagem a esse escritor singular de pluralidades significativas,  talento soberbo,  com o “Poema do Joca”, como assim era  chamado pela voz carinhosa dos amigos.  
Abaixo transcrevo poema, que com prazer lhe dedico, mas que nos seus versos agora me deixa saudoso e triste. 


Poema do Joca

João Carlos Teixeira Gomes,
moço apelidado de Joca,
De tanto afeto que por ele temos,
quem não sabe fique sabendo.

Eis que surge menestrel
no Colégio da Bahia,
na Faculdade às voltas
com o direito e as letras.

Eis o Joca jornalista
arrojado, contundente.
é o ensaísta de Gregório,
boca de fogo como ele.

Eis o Joca poeta grande, 
nesses rincões da Bahia,
de gafanhoto domador,
contemplativo da esfinge. 

De bom gosto sonetista,
entre tesouro e labirinto,
um dos melhores no Brasil.
Até mesmo em terra lusa.

O conhecido Pena de Aço,
não há outro que o iguale,
estremece o  poderoso,
iluminado como sempre.

                 










                    A Perda do Joca
                   
                      Cyro de Mattos 

Acordo assustado com a notícia desagradável  de que a Bahia perde o jornalista e escritor João Carlos Teixeira Gomes. Jornalista combativo, conhecido como o  pena de aço, sonetista dos melhores, ensaísta exemplar, contista brilhante, torcedor apaixonado do Bahia. Membro da Academia de Letras da Bahia,  efetivo e eficiente. Um bom amigo, nosso  contemporâneo desde os idos de 1955,  no Colégio da Bahia (Central), passando pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da  Bahia, no período compreendido entre 1958 a 1962,   ao longo de militância cultural por mais de sessenta anos.
 A Bahia perde um grande homem, os de sua geração  um enorme companheiro,  inteligente e solidário. Em Agudo Mundo, livro inédito, presto uma modesta  homenagem a esse escritor singular de pluralidades significativas,  talento soberbo,  com o “Poema do Joca”, como assim era  chamado pela voz carinhosa dos amigos.  
Abaixo transcrevo o poema, que com prazer lhe dedico, mas que nos seus versos agora me deixa saudoso e triste. 


Poema do Joca

João Carlos Teixeira Gomes,
moço apelidado de Joca,
De tanto afeto que por ele temos,
quem não sabe fique sabendo.

Eis que surge menestrel
no Colégio da Bahia,
na Faculdade às voltas
com o direito e as letras.

Eis o Joca jornalista
arrojado, contundente.
é o ensaísta de Gregório,
boca de fogo como ele.

Eis o Joca poeta grande, 
nesses rincões da Bahia,
de gafanhoto domador,
contemplativo da esfinge. 

De bom gosto sonetista,
entre tesouro e labirinto,
um dos melhores no Brasil.
Até mesmo em terra lusa.

O conhecido Pena de Aço,
não há outro que o iguale,
estremece o  poderoso,
iluminado como sempre.

                 





quarta-feira, 17 de junho de 2020






                  Um Mestre da Crônica  Esquecido
        
                               Cyro de Mattos

De origem grega, a palavra crônica vem de chronos, que quer dizer tempo. Forma  textual de narrativa curta, possui uma inclinação para  os fatos da vida diária, contemporâneos. Escrita para o jornal ou revista, televisão ou rádio, o estofo literário retira-lhe a condição estrita de jornalismo, cuja linguagem é objetiva para informar o fato. Conciso e útil,  o jornalismo pretende aproximar  do evento os  seres humanos com a linguagem precisa, onde quer que estejam,  para que tomem  conhecimento do que acontece no mundo, enquanto a crônica ameniza a notícia ou o evento levado ao leitor sobre a vida diária.    
Na crônica de humor, o autor faz graça com o cotidiano. Na crônica  ensaio, o cronista tece crítica ao que acontece no sistema organizado, detectando falhas nas relações sociais e de poder. Na crônica filosófica logra extrair do cotidiano reflexões  sábias  a partir de um fato. Na jornalística enfoca aspectos particulares de notícias ou fatos, que podem acontecer na área esportiva, policial e política ou  em outros campos da atuação humana.
Pode ser atemporal, se o  assunto,  extraído da realidade exterior sob bases sentimentais,  revestir-se  de arcabouço  literário, servindo para ser lido tempos depois   desgarrado do seu contexto  e ainda assim causando emoção.  Sempre dando  tratamento agradável ao assunto em  que está descrevendo,  a crônica é  de tal forma argumentativa ou  digressiva nos devaneios dos sentimentos. Seu lirismo poetiza a vida, aviva  o evento com graça,  tornando-o ameno pelo eu que  o recorda no relógio do peito.
A crônica atingiu o ápice na Idade Média quando passou a registrar  uma série de acontecimentos e a obedecer  uma sequência linear. Nessa época  era destituída de qualquer interpretação nas informações de natureza histórica. Com a significação dos fatos em fase moderna entrou em uso no século XIX , passando  a designar textos que, embora remotamente se ligam à forma originária,  revestem-se de tratamento literário para tornar o assunto menos insípido e fugaz.  Em nossas letras,  Machado de Assis, no século XIX,  com engenho e arte  encontrou os meios necessários para lhe dar expressividade. 
         A crônica no seu arcabouço de escrita híbrida, entre o jornal e o literário, não apresenta limites muito definidos. Sujeita ao efêmero que passa  ante o eterno que fica, o espaço que melhor  achou para morar e se expandir  foi  o jornal, lugar em que  demonstra  leveza na informação do fato e corresponde  ao que os ingleses chamam de commentary, sketch, light essay, literary column, human interest stor.. Usa a oralidade na fala dos personagens e o coloquial na escrita, a linguagem é  simples, alguns querem que seja   como  poesia espontânea  em forma de prosa.
      A crítica não aceita a crônica como uma expressão  literária significativa,  se comparada ao romance, à poesia e ao conto.  Nenhuma literatura se faz grande com livros de crônicas, alega-se. No Brasil, quando se fala em cronistas de primeira grandeza soam com aplausos os nomes de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Heitor Cony, Henrique Pongeti, Stanislaw Ponte Preta, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues  e Fernando  Veríssimo.
         No elenco formado por esses cronistas de primeira qualidade  poderia figurar o baiano (de Ilhéus) Fernando Leite Mendes?
          Como todo bom autor, ele escreveu um sem-número de crônicas para todos os gostos com fina sensibilidade. Dariam, se publicadas,  vários volumes. Ficaram esparsas, esquecidas, perdidas no baú do tempo. O único livro desse cronista admirável, Os olhos azuis de D. Alina e algumas crônicas (1985), hoje uma raridade  bibliográfica,  foi publicado postumamente, graças à iniciativa do sobrinho Gumercindo Leite Mendes. O volume reúne cinqüenta crônicas, algumas antológicas, como “Os gatos e  “Elogio do urubu, a primeira de humor e a segunda com sabor de prosa poética; “João da Verdura”   e  “Adeus, Tamiroff”, crônicas, como de resto,  além do cotidiano, de tão humanas, atingem o universal, em seus tons carregados de subjetividade comovente.   Apresentam-se pontuadas de ternura na exposição do drama.  
          Jornalista de talento excepcional, de Salvador seguiu Fernando Leite Mendes com sua vocação para o  Rio onde, nos anos em que residiu na metrópole, nunca esqueceu  as raízes  baianas, sintonizadas em  Ilhéus e Salvador. Em terras cariocas,  no seu voo de homem inteligente,     se impôs como editor, redator e cronista dos principais veículos da imprensa.  Lúcido,  esteve presente em algumas colunas importantes que assinou: “O homem da rua”, “ A poesia do asfalto”, “Sextas-feiras estórias”.  Foi editor  político do jornal “Última Hora”,  redator da “Revista da Semana e do  “Consórcio Time-Life”, exímio editorialista do “ Diário de Notícias” e do  “Correio da Manhã”, redator-chefe do “Diário Carioca”. A notícia informada por ele estava em boas mãos.
Intensamente humano, autêntico  lírico que gostava de expressar  o lado encantador da vida, como mostra em várias passagens de “Os olhos azuis de D. Alina”;  com a alma triste pelo  que percebeu  na figura de Jacinto de Gouveia, um tocador de piano no cabaré de Ilhéus, que fumava cachimbo inglês e usava cachecol, na cidade atlântica de clima tropical,  vivendo pobremente, e que, na última vez que viu o cronista,  pediu-lhe que trouxesse do Rio a partitura do poema sinfônico Finlândia, de Sibelius; irônico como pede o assunto em Um comedor de vidro”; alegre com os lances aguerridos da pelada,  vista da janela, quando então se revoltou  com o adulto que quis interrompê-la,  depois aceitou  o convite dos meninos e foi pegar no gol. 
Com uma capacidade de falar de modo simples e, ao mesmo tempo, sedutor e culto, de gesto solidário e terno, o  tempo não quis que esse amanuense da palavra vivesse  mais anos aqui entre os humanos.  Foi-se embora aos 48 anos. Tivesse mais tempo para esbanjar seu talento verbal, certamente teria  posto numa festa demorada da vida mais riso, fraternidade, esperança e sonho, companhias necessárias, ontem como hoje. Haveria mais leitura desses momentos fotográficos que ele registrou  no teclado da  sua máquina portátil Remington, levada para ser usada onde estivesse, em Hong Kong ou Paris. Mais escuta sensível  dos seres humanos haveria, graças a um senhor gordo, com alma de menino, um relógio de cordas suaves no peito, cujos ponteiros costumavam marcar como poesia os  passos da existência. Mais divulgado, em seu brinquedo preferido, a crônica, ensejaria  minutos de delícia às novas gerações. 

*MENDES, Fernando Leite. Os olhos azuis de D. Alina e outras crônicas, Fundação Cultural do Estado da Bahia, Salvador, 1985.

**Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Também publicado  em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Dinamarca e Rússia. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.  Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia). Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e Pen Clube do Brasil. Advogado aposentado. Jornalista com passagem na imprensa do Rio quando foi redator de O Jornal, Jornal do Comércio, dos Diários Associados, Diário de Notícias, Revistas Posto de  Serviço e Brasileira de Turismo, editadas por Sebastião Nery e Fernando Leite Mendes.


sexta-feira, 12 de junho de 2020




A Cidade e a Coronavírus
            

                                                         Cyro de Mattos 

     Quando a cidade comemora  outro ano de emancipação política, falam do progresso e vocação de seu povo para o trabalho. A cidade vive o clima de festa e desperta muito cedo com a descarga de foguetes que crepitam no céu. Os moradores sabem que a cidade é antes de tudo raiz que se aninha no peito e seiva que escorre no esforço dos dias.
 É trama com ânsia e sonho. Acontece nas mãos generosas do padeiro, no feijão preparado pela cozinheira, que o ano todo tem calo e calor nas mãos. Na colher do pedreiro. No sermão do padre, na filarmônica tocando na praça, convidando o povo para voar na valsa. Na cuia do cego, na  cartilha da professora. Na bola do menino que quebrou a vidraça do vizinho. Com os namorados que passeiam de mãos dadas no jardim. Na rua, na loja, no armazém, no banco, a cidade com o seu modo de estipular o mundo.
Na guerra da palavra em tempo de eleições quando a vitória é uma questão de vida ou morte. No jornal televisivo que dá a notícia boa ou má, sempre veloz,  indo de canto a canto. Nos dias de  hoje, dessa terrível coronavírus e de um governo executivo que se nutre de ódio com um presidente incendiário, certamente a notícia fere e deixa o brasileiro atônito.      
Com sangue nas veias que sangram todos os dias, a cidade anda às vezes triste, os pés descalços, adormece embaixo de marquises. Atropela na dura lei da vida, converte-se em tempo de violência e miséria, que cada vez mais assusta.
Com vários jornais, emissoras de rádio,  canais de televisão, colégios, hospitais, ruas e avenidas asfaltadas, universidade como brasa verdejante em seu novo dizer da lavra, a cidade vive agora a época da automação, da moderna sociedade de massas. Sabe que hoje o mundo é uma aldeia global, não podendo desviar-se dessa sintonia. Mas na cidade ainda encontramos a maneira sensível de alguns conceberem a vida com a razão e a emoção na mais completa leitura do mundo através da arte da palavra.  Existem aqueles que lambem as palavras e se alucinam. Falam de coisas agudas. Tentam com a palavra permanecer na vida, negando a morte.
Mas ninguém imaginaria que a cidade fosse interrompida no seu fluxo de vida com essa guerra da coronavírus. Agora todos andam de máscara quando uma necessidade impõe que vá  comprar algo necessário na farmácia.  Em nossas casas vivemos  recolhidos na quarentena.  A notícia na televisão informa  os estragos que a coronavírus  vem fazendo aos frágeis seres humanos. A cidade está vazia. Vivemos um clímax de filme de ficção científica. De pesadelo e desalento. As ruas desertas.  Impiedosa, sorrateira, veloz, a coronavírus ataca todo o planeta e não se satisfaz com as vítimas que mata a todo instante.
 Mas venceremos essa impiedosa guerra bacteriana,  esperando-se que no próximo ano estejamos comemorando o dia de aniversário da cidade  com abraços, euforia de risos no rosto aberto de contente, sem faltar as badaladas do sino na catedral de São José, o padroeiro da cidade,  e  a descarga de foguetes no céu. 




terça-feira, 2 de junho de 2020




Crônica da Lagoa Encantada

              Cyro de Mattos


Alguns acham que o melhor caminho para você chegar à Lagoa Encantada, na Praia do Norte, em Ilhéus, é partir do Distrito de Sambaituba, tomando o barco “Karine” sob o comando do “Capitão Tute”. O distrito fica a uns 18 quilômetros de Ilhéus, a estrada é de barro.
Você sobe de barco o rio Almada, vê reservas da Mata Atlântica com suas velhas árvores, percebe uma vegetação aquática que varia. Divisa ao longo das margens pastos de fazenda de pecuária, algumas pertenceram aos desbravadores na época da penetração e conquista da terra, numa zona sem  fronteira. Variação de pássaros enfeita a paisagem: gavião, sangue-de-boi, paturis, sabiás, sanhaçus, jaçanãs, jandaias e garças. Pescadores em canoas, levando o peixe ou a feira, numa manhã que é fundamental, ou ainda a notícia no correio das águas, cruzam o barco a subir o rio Almada num trajeto feito de sustos e descobertas esplêndidas. A paisagem reserva o susto mais esplêndido quando o barco sai das águas nem sempre rasas do rio Almada e, depois da curva, você se deslumbra ante a imensidão de água. São mais ou menos 20 quilômetros de água por onde num círculo imenso a lagoa expande-se e, sob o sol quente do verão, cintilam milhares de espelhos.
Dizem que  é encantada porque nela existe uma cidade submersa, com navios iluminados e até galos clarinetam na madrugada. Um sol aracnídeo desfia ouro na água. Ilhas se movem e peixes de fora dançam nas vagas. O vento inventa uma música de harpa. À noite, sereias brincam em verdes cirandas. Há espumas de prata e um rumor de anáguas. Então se escuta uma suave cantata, vozes doces que oferecem as mais lindas esmeraldas. Os moradores mais antigos dizem ainda que se a lua deita, sob sete capas, a noite encantada, quem pescar na lagoa nunca mais retorna.
A água cristalina, de temperatura agradável, murmura a seu ouvido que recanto especial é a cachoeira do Riacho das Caldeiras. Harmonia e existência unem-se ali sem qualquer esforço. Lugar ideal para você renovar a energia, ser feliz, abraçar os momentos puríssimos que esse santuário oferece e de você nada toma.
É assim a Lagoa Encantada, ainda sem suporte turístico. Vários portos ao longo do belo percurso. Urucutuca, Campinhos e Laranjeiras. Em sua monotonia saudável soprada por voz do morador simples,  o povoado de Vila Nova vem servindo de apoio turístico aos que visitam a Lagoa. Mas lá o que não falta é a passarada que canta e peixes que sobram. De volta á civilização, você chega convencido que teve um sonho acordado. De beleza e encanto. Alma e corpo viajaram nele, não se cansaram de ver e sentir, e quiseram ficar por lá.
A Lagoa Encantada parece o paraíso começando de novo, mal o sol desponta.