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sexta-feira, 30 de abril de 2021

 

Cyro de Mattos Doou Setenta

Livros de Seu Canto Poético

Para as Bibliotecas do Estado

 

 

O escritor e poeta Cyro de Mattos doou setenta exemplares do livro Canto até Hoje para as bibliotecas e espaço de leitura do Estado.  O livro reúne sua obra poética completa, em comemoração aos 60 anos da sua carreira literária. Tem o selo editorial da Fundação Casa de Jorge Amado e capa de Juarez Paraiso. Volume de 800 páginas, foi vencedor do Concurso das Artes Jorge Portugal, da FUNCEB/Lei Aldir Blanc, e contém  12 livros de poemas de Cyro, publicados no Brasil, cinco inéditos e mais seis editados no exterior.

           Traz no final um conjunto de ensaios sobre a sua obra poética, assinados por Jorge Amado, Nelly Novaes Coelho, Assis Brasil, Eduardo Portella, Carlos Moisés, Fernando Py, Heloisa Prazeres, Hélio Pólvora, Helena Parente Cunha, Maria Irene Ramalho dos Santos, Graça Capinha, essas duas da Universidade de Coimbra, Alfredo Pérez Alencart, da Universidade de Salamanca, e Juan Angel Torres Rechy, filólogo e poeta mexicano.

 

terça-feira, 20 de abril de 2021

 

                     Dez Anos da Academia de Letras de Itabuna

                                       

                                   Cyro de Mattos

 

A Academia de Letras de Itabuna, carinhosamente chamada ALITA, foi instalada em 19 de abril de 2011, data em que se comemora o Dia do Índio, esse primeiro habitante do Brasil, que com a sua gente indefesa foi usurpado e massacrado pelo colonizador europeu, e que até hoje caminha nos rastros da desgraça. Essa instituição está cumprindo hoje dez anos de atividades na área das letras e do saber. Tudo aconteceu quando, depois de exaustivas reuniões, na sede da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, da qual eu era o presidente, ela foi criada numa manhã de alegria, tendo como patrono o escritor Adonias Filho.  

 A ideia de sua criação veio em razão da dissidência que tive na primeira reunião para a instalação da Academia Grapiúna de Letras, pois não me sentia bem com as perspectivas na constituição do quadro de associados daquela primeira instituição. Logo depois os juízes de direito Marcos Bandeira e Antônio Laranjeiras afastaram-se também da Academia Grapiúna de Letras, e, com o promotor Carlos Eduardo Passos, voltaram a insistir comigo para que fosse criada outra academia de letras em Itabuna.

          Resisti a princípio quanto à minha participação na segunda academia, depois resolvi aderir à ideia por amor a Itabuna e devoção à literatura. Cedi a sala de diretoria da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania para as reuniões preliminares. Em nossos primeiros encontros discutimos a respeito do quadro de patronos e de membros efetivos, sobre a elaboração do estatuto e do regimento. As confreiras Sônia Maron e Sione Porto tiveram papel importante na confecção desses documentos.  Indiquei a maioria dos nomes para compor o quadro de patronos e de membros.

        A Academia de Letras de Itabuna vem se mantendo com dificuldades, ao longo desses dez anos. Sem recurso financeiro para responder aos seus propósitos, Deus sabe como teima em existir com base na determinação e sonho de alguns abnegados. Destacam-se, nessa fase de sua infância, entre as suas atividades principais, os eventos seguuintes:

            Solenidade de instalação no salão nobre da FTC, com o presidente da Academia de Letras da Bahia, o escritor Aramis Ribeiro Costa, dando posse aos novos acadêmicos   Janete Ruiz, Antônio Laranjeiras, Carlos Eduardo Passos, Cyro de Mattos, Rui Póvoas, Carlos Valder, Ari Quadros, Ceres Marylise, Sione Porto, Sônia Carvalho Maron de Almeida, Maria Palma de Andrade, Maria de Lourdes Neto Simões, Marcos Bandeira e Baísa Nora; a criação do site com  destaque para as atuações de Ceres Marylise no início e ano depois   Raquel Rocha;  programação especial do  Centenário Jorge Amado; Mês da Consciência Negra, com o tema Códigos da Pele, no terreiro de candomblé do professor e babalorixá   Rui Póvoas; comemoração do Dia do Índio; posse dos acadêmicos  Hélio Pólvora, Edivaldo Brito, Celina  Santos, Raquel Rocha, Jorge Batista,  Ritinha Dantas, Raimunda Assis, João Otávio, Silmara Oliveira, Delile Moreira,  Cristiano Lobo, Aleilton Fonseca e Renato Prata; criação da logomarca  “Litteris Amplecti”, Letras em Abraço; lançamento dos livros  Atalhos e Descaminhos” , de Ceres Marylise, Corpo e Alma, de Sione Porto,  Sendas e Trilhas, de Delile Moreira, Entre Margens, de Margarida Fahel, O Canto Contido, de Valdelice Soares Pinheiro, Histórias Dispersas de Adonias Filho,  Os  Ventos Gemedores, romance, e O Velho Campo da Desportiva, os dois  últimos livros de nossa autoria; o Natal da Alita no espaço cultural do Montepio dos Artistas; Projeto Roda de Leitura, de autoria de Raquel Rocha, com  contação de histórias pelos alitanos nas escolas; participação na comemoração do Centenário de Adonias  Filho em Itajuípe; e o lançamento de três números da revista Guriatã, da qual fui idealizador e sou o editor atual.      

           Nesses dez anos de ousadia e sonho, ressalte-se na presidência da Academia a atuação dos juízes de direito Marcos Bandeira e Sonia Carvalho e, atualmente, da professora Silmara Oliveira, que vem recorrendo à realização de “lives” para a discussão de assuntos internos e temas importantes, como o do legado de nosso patrono Adonias Filho e o da situação do menor na sociedade de hoje.                         

         Nesse percurso de dedicação e sacrifício, não se pode deixar de agradecer à Faculdade de Tecnologia e Ciência, na pessoa de seu diretor geral Cristiano Lobo, nosso confrade, pelos serviços que nos vem prestando em parceria generosa.  

        Apesar dos tempos difíceis, agravados com a traição da noite exercida sem piedade pelo coronavírus, e até mesmo como resistência em nossa cidadela do saber para ser, exorto nesse instante a caminhada árdua dessa instituição, dizendo contente, avante, ó Academia de Letras de Itabuna, com o seu espírito de corpo constituído de valores indiscutíveis e formas de conhecimento da vida  desde o seu amanhecer, andamento para o bem das letras e grandeza da cultura local, da Bahia e do Brasil. Concluo minha breve exposição, talvez com formato de crônica, lembrando os versos de Fernando Pessoa, o genial poeta português:

 

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.

Deus quis que a terra fosse toda uma,

Que o mar unisse, já não separasse.

Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

 

domingo, 18 de abril de 2021

 

COIMBRA

 

Cyro de Mattos

        Para

                               João Paulo Moreira

                          

 Logo que conheci, tocou-me o coração. Fez lembrar a antiga Salvador. Grandes casas de muitas janelas nas encostas. Ruelas, becos e ladeiras. Tudo é relíquia preciosa nessa paixão secular, a vida aflora em ofícios de outros tempos. Transpira na pele do tempo aderência de seres e coisas numa sequência soberba de raridades arquitetônicas.

Na Alta de Coimbra a rainha do coração da cidade, a Universidade, fundada em 1º de março de 1290. A Torre desponta como o seu emblema e da própria cidade, mal o dia mostra os primeiros vestígios. A mulher no hotel disse-me que um dos sinos, numa das grandes janelas, chamado de “a cabra”, regulou a vida acadêmica e da cidade durante muitos anos. A Torre emerge num sobranceiro barroco, a sobressair na linha dos telhados.

A Biblioteca Joanina distingue-se também na Alta de Coimbra. Obra de artistas portugueses, com o seu portal nobre no exterior, de estilo barroco. Cobertos por sólidas estantes as paredes no interior. Ricamente decorado o andar superior com três amplas salas. Decoradas com talha lacada a verde, vermelho e dourado, comunicam-se entre si por arcos idênticos ao portal que na parede superior ostentam insígnias das antigas Faculdades. Formas arquitetônicas da ilusão impressionam, a revelar o milagre do fazer a vida além da morte, de maneira artística. O edifício começou a ser construído por ordem do Rei D. João V, entre 1716 e 1724. Abriga riquíssimo conjunto bibliográfico mundialmente famoso, superior a trezentos mil volumes.

A cidade cantada nas histórias que encantam guarda uma atmosfera de recolhimento. Altares em formas de tessitura humana artisticamente trabalhada e o órgão barroco. A Sé Velha assenta-se num monumento românico considerado o mais belo de Portugal. Ali, a Igreja de Santa Cruz. Fundada há mais de oitocentos anos pelo primeiro rei de Portugal,  D. Afonso Henriques, foi berço esplendoroso da renascença Coimbrã. Ali, a Igreja de São Tiago e a Praça do Comércio para onde convergem ruas medievais. E o Arco de Almedina e as escadinhas do Quebra-Costas e a Porta Manuelina do Palácio de Sub-Ripas e a Torre do Anto. E a silhueta monumental da Sé Nova e o Museu Nacional Machado de Castro, com suas admiráveis coleções de pintura, escultura, ourivesaria e tapeçaria. E, junto à margem esquerda do rio Mondego, a Igreja de Santa-Clara-A-Velha, abrigo maternal do imponente Mosteiro de Santa-Clara-a-Nova, onde repousa a Rainha Santa Isabel, a padroeira da cidade.

Estende-se belíssimo manto branco de casario na cidade cruzada por séculos e séculos de história, que aconchega nas serenatas de fado de Coimbra e suaviza em seus beirais floridos. Faz da noite criança adormecida de sono nas cantigas cantadas pelas vozes jovens de As Mondeguinas.

Comoventes vozes, alternância de vagas tristes e remotas, que batem e voltam e batem. No aceno da distância amanheço com esses raios de sol no quarto e vou até a sacada do apartamento no hotel. Ruídos acendem o dia, acontecem em geral com os humanos por todos os pontos da cidade cheia de vida.

Saudade e paixão, saber e beleza, labor e oração. Inteligência que se vê em líquido sentido no espelho real do rio Mondego. À margem o provisório tempo secular ante o eterno que passa por debaixo dos arcos da Ponte de Santa Clara. Melhor sabem isso as andorinhas que trissam no céu azul. Desfiam o vento ameno e propõe sobre os telhados outra manhã de verão.

 

 

 

 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

 Morre em São Paulo, aos 84 anos, o Acadêmico Alfredo Bosi


“A tanta dor, soma-se a morte do admirável acadêmico Alfredo Bosi. Sou tomado de profunda emoção. Nem encontro palavras. Escrevo com olhos marejados. Bosi: um homem de profunda erudição, humanista inconteste, um homem que estudou o Renascimento e que o representou. Realizou uma abordagem nova da cultura do Brasil. Dialética da colonização é um clássico desde o nascedouro. Sem Ecléa, sua querida companheira, o mundo ficou mais áspero, ele, o suave, o profundo e delicado espírito. Sabia Dante e Machado, com a mesma intimidade, Gadda e Guimarães Rosa. Em tanta dor, essa que nos fere. Jamais relegou a segundo plano os direitos civis e as liberdades. Amado amigo, fraterno, radical.”, declarou o presidente da ABL, Marco Lucchesi.
 
O Acadêmico e professor Alfredo Bosi faleceu na manhã do dia 7 de abril de 2021, em São Paulo, vítima de pneumonia associada a Covid-19. Diante da recomendação de se evitar reuniões e aglomerações por conta do coronavírus, não haverá velório.

“A tanta dor, soma-se a morte do admirável acadêmico Alfredo Bosi. Sou tomado de profunda emoção. Nem encontro palavras. Escrevo com olhos marejados.  Bosi: um homem de profunda erudição, humanista inconteste, um homem que estudou o Renascimento e que o representou. Realizou uma abordagem nova da cultura do Brasil. Dialética da colonização é um clássico desde o nascedouro. Sem Ecléa, sua querida companheira, o mundo ficou mais áspero, ele, o suave, o profundo e delicado espírito. Sabia Dante e Machado, com a mesma intimidade, Gadda e Guimarães Rosa. Em tanta dor, essa que nos fere. Jamais relegou a segundo plano os direitos civis e as liberdades. Amado amigo, fraterno, radical.”, declarou o Presidente da ABL, Acadêmico Marco Lucchesi.
 
O Acadêmico
 
Alfredo Bosi é o sétimo ocupante da Cadeira nº 12. Foi eleito em 20 de março de 2003, na sucessão de Dom Lucas Moreira Neves, e recebido em 30 de setembro de 2003 pelo acadêmico Eduardo Portella. O Acadêmico nasceu em São Paulo (SP), em 26 de agosto de 1936. Foi casado com a psicóloga social, escritora e professora do Instituto de Psicologia da USP, Ecléa Bosi, com quem teve dois filhos: Viviana e José Alfredo.
 
Descendente de italianos, logo depois de se formar em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), em 1960, recebeu uma bolsa de estudos na Itália e ficou um ano letivo em Florença. De volta ao Brasil, assumiu os cursos de língua e literatura italiana na USP. Embora professor de literatura italiana, seu interesse pela literatura brasileira o levou a escrever os livros Pré-Modernismo (1966) e História Concisa da Literatura Brasileira (1970).
 
Em 1970, decidiu-se pelo ensino de literatura brasileira no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, da qual foi Professor Titular de Literatura Brasileira. Ocupou também a Cátedra Brasileira de Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda da Maison des Sciences de l’Homme (Paris).
 
Foi vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP de 1987 a 1997. Nesse último ano, em dezembro, passou a ocupar o cargo de diretor. Entre outras atividades no IEA, coordenou o Educação para a Cidadania (1991-96), integrou a comissão coordenadora da Cátedra Simón Bolívar (convênio entre a USP e a Fundação Memorial da América Latina) e coordenou a Comissão de Defesa da Universidade Pública (1998). Desde 1989 era editor da revista Estudos Avançados.
 

sexta-feira, 2 de abril de 2021

 

Amado Galileu

Cyro de Mattos

                                                             Para Alfredo Perez Alencart

          

                  Contam que nasceu numa manjedoura, o berço de palha. Foi anunciado por uma estrela, no céu toda acesa de Deus. Os bichos cantaram: Jesus nasceu! Jesus nasceu! Os pastores tocavam uma música serena nas suas doces flautas. São José, o pai, o que tinha mãos no labor de enxó, plaina e formão, soube que de agora em diante ia talhar a mais pura fé do seu constante coração. Virgem Maria, mãe do menino, dizia baixinho: Pobrezinho quando for um homem, de tanto nos amar, vai morrer na cruz.

      Os três reis magos foram chegando, vieram de longe, muito longe, atravessaram montanhas e desertos. Traziam, como presente para o menino, mirra, incenso e ouro. Ajoelharam-se. Não eram dignos de tocar naquela palha, mas bastava agora que fizessem o bem ao próximo seriam salvos. Abelhas com os seus zumbidos de ouro vieram colocar afeto e mel no coração de cada um dos reis.

    Contam mais que foi um menino que brincava como qualquer menino, mas que gostava de ficar às vezes sozinho, olhando para a linha do horizonte. Quando ficou rapaz, não teve dúvida, havia sido o escolhido entre os seres humanos para ultrapassar aquela linha. Para conseguir a façanha teria que fazer uma mágica em que disseminasse uma rosa na manjedoura dos ares. Juntar todas as mãos numa só mesa onde todos seriam irmãos.

     Teve que trazer as sementes dadas pelo Pai para plantar cirandas nas areias do deserto. Os sentimentos daquele homem com olhar de mendigo e profeta correram nas águas doces do rio, seguiram no vento manso, que soprou a flor sozinha na plantinha do brejo. Foram levados pela borboleta até o lugar onde o amor sempre permanece.

      Ora, vejam só, sair por aí de mãos dadas como criança e espalhar num instante só ternura nessa terra? Convencer os homens de que viver vale a pena desde que a vida seja exercida numa comunhão em que não haja desigualdade, injustiça, opressão? A vida sem solidão, a vida como uma dança, a vida sem agressão? Os bichos sem matança e a mata sem queimada? Sem veneno as nuvens na chuva despejando a poluição?

     Os donos do poder no sistema organizado não perdoaram a afronta. Traçaram o mais pérfido calvário. Fizeram que carregasse uma cruz pesada. Puseram uma coroa de espinho na cabeça, cuspiram, chicotearam. Ó desamor, quão amarga é a tua memória! Morra o rebelado, o falso profeta, o demolidor da ordem, o falso fazedor de milagre? Os que estavam cegos investiam, urravam, não se cansavam. Até que decretaram a crucificação. Não aceitaram que no seu lugar ficasse o ladrão, que para ali fora apenado com a crucificação pelos crimes cometidos.

      Mas o que se viu, depois de perversa infâmia, é que até hoje toca um sino na cidade e na campina, só para nos dizer que do menino se fez o homem, em duras pedras no caminho. Vestido de aleluias, ressuscitou, ressuscitou, por ser divino e eterno só nos quer o bem.

     Esse amado galileu.