Páginas

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O Índio Pataxó

Cyro de Mattos
      
    Apareceu de repente, sem ninguém esperar ou pensar que isso pudesse acontecer um dia. Não usava cocar feito com penas de tucano. Nem usava enfeites nos braços e pernas com penas de arara. Não tinha o beiço de baixo furado e metido por ele um osso, como uma vez eu tinha visto na revista. Ao invés de tanga, uma calça de mescla azul arregaçada nas pernas até o joelho. O peito nu. Era alto, tinha braços compridos, musculosos. Lábios grossos, cara achatada, cabelos pretos, crescidos, amarrados atrás com um cordão grosso, dando idéia de um pequeno rabo de cavalo.

            Passou a morar na Ilha do Jegue, que ficava no meio do rio. De onde ele tinha vindo? Um menino metido a saber das coisas disse que veio da Reserva Paraguaçu-Caramuru, que ficava a cerca de algumas léguas da vila de Pau-Brasil. Devia ter cometido algum malfeito na aldeia e foi colocado pelo cacique para fora da tribo. O menino acrescentou que o pai tinha fazenda de pecuária lá naquelas bandas. Uma vez ele foi de jipe com o pai até a Reserva Paraguaçu-Caramuru conhecer os índios. Trouxe de lá um cocar, que o pai comprou do cacique e deu para ele.

            O menino foi logo desmentido. O que acabara de contar era  pura conversa fiada. Segundo a professora de geografia e história, aquele índio pertencia ao povo Pataxó, que vivia amalocado em Camacã, um povoado que surgiu com os acampamentos armados pelos forasteiros no meio da mata. A professora havia informado também que os homens derrubavam as árvores nativas com o machado para que a madeira de lei fosse aproveitada como tábua, peças, esteios e estacas. Com a derrubada das árvores grandes, a mata ia sendo raleada. Apareciam as clareiras e,  ao mesmo tempo, a caça desaparecia. Os índios tinham dificuldade para encontrar o que comer nas matas onde a caça ia cada vez mais desaparecendo com a presença dos machadeiros.

            A professora observara que, em contato com os homens que derrubavam as árvores nativas, os índios iam pegando sarampo e gripe, doenças que eles não conheciam. Como remédio feito com folha e raiz não curava aquelas doenças que foram  trazidas pelos machadeiros, os índios iam morrendo da noite para o dia. Dizimados pelas doenças dos brancos, talvez só restasse da tribo apenas aquele índio que acabava de aparecer na cidade e estava morando na Ilha do jegue, lá no meio do rio.

            Os outros meninos ficaram sorrindo com o que acabava de contar o mais franzino da turma, aquele pixote que um dia ia se tornar escritor para narrar histórias de gente grande e pequena acontecidas na região com suas vilas e cidades, que iam surgindo com a derrubada das matas.

            Ele não falava, o tempo todo tinha o rosto fechado. Os olhos pretos quase imóveis. Do barranco gostava de ficar olhando o rio. Pegava o arco, esticava-o e disparava a flecha, que subia feito um raio, sumia e ia cair na ilha, lá longe. Os meninos ficavam pasmados, abrindo a boca e fazendo óóóóó! Só um homem como aquele índio, com força descomunal, era capaz de fazer tamanha proeza. Um homem habilidoso no manejo do arco e flecha, que tivesse a pontaria certeira como a dele.

            Um dia, o índio surpreendeu ao menino franzino, mostrando o rosto tomado por um sorriso. Ele tinha acabado de avistar um gavião lá no alto do céu. Soltava pios estridentes e seguia soberbo no voo, rumo às serras que cercavam uma das partes da cidade, no outro lado do rio. Nesse dia, o céu estava bem azul e brilhava feito um espelho, com poucas nuvens gordas. Nesse mesmo instante em que ele havia avistado o gavião, disse alguma coisa numa fala que não se entendia, como se fosse feita de ruídos, grunhidos ou talvez gemidos. O que ele falara era por causa do gavião, não havia dúvida, os olhos dele brilhavam na direção da ave que foi sumindo num ponto longínquo. O que seria que ele queria dizer no momento que avistou o gavião atravessando o céu alagado de azul?

             De dia era visto nadando e mergulhando nos poços mais fundos. Demorava muito no fundo das águas, tinha um fôlego que deixava gente grande admirada. Quando vinha à tona, trazia o peixe espetado na lança. Nadava veloz, atravessava o rio sem precisar descansar em alguma pedra, proeza que homem algum da cidade conseguia fazer. Em pouco tempo se tornou no fato mais importante da cidade, através de comentários constantes, face às façanhas mais incríveis que só ele fazia. Para tristeza minha e de outros meninos, desapareceu de repente como havia aparecido, sem ninguém esperar ou pensar que isso fosse acontecer um dia.


Nenhum comentário:

Postar um comentário