Páginas

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Caboclo Alencar

                              Caboclo Alencar

                                      Cyro de Mattos

    
Não é caboclo, mas mulato, de olhos pequenos e espertos. Dono do barzinho ou boteco ABC da Noite, no Beco do Fuxico, antes Travessa dos Artistas, onde ficavam as tendas de cabeleireiro, alfaiate, sapateiro, relojoeiro e vendedores de coisas miúdas. O dono do ABC da Noite é filósofo por vocação, bebe no saber popular. Logra extrair da vida com simplicidade e espontaneidade uma sabedoria que dá alegria e descontração ao freguês que freqüenta o seu pequeno estabelecimento comercial: político, comerciário, professor, profissional liberal, caminhoneiro, pedreiro, viajante, estudante, jornalista, escritor, artista e por aí vai.
É tanta gente que  por lá aparece que ele não sabe o nome de muitos. E para não cometer a gafe, errando o nome, passou a chamar todo mundo de caboclo. E os fregueses passaram a chamá-lo também de caboclo. O chamamento pegou como visgo de jaca.  È ficou sendo  conhecido como o Caboclo Alencar, muito mais do que  Alencar Pereira da Silveira, comerciante há mais de setenta anos.
 De primeiro começou ajudando o padrasto a vender no único cômodo da casa o óleo animal, banhas e gorduras. Nos idos de 1950 houve uma queda no comércio de carne, o Caboclo Alencar resolveu assumir o ponto sozinho para transformá-lo em um pequeno bar. Surgiu o ABC da Noite, especializado na venda de batidas feitas com fruta e cachaça.
O ABC da Noite tem  mais de cinqüenta anos funcionando para sua distinta e fiel freguesia. Tornou-se um ponto tradicional na vida da cidade. No início funcionava até 21,30 horas. Hoje está aberto das 10 às 12,30 horas, e das 17 às 19 horas.  O dono do ABC da Noite fez a mudança de horário para aliviar o movimento na rua, que já é  estreita e, no horário do funcionamento do bar,  fica impossível de ser transitada, de tanto freguês ocupando seu espaço no lado de fora, à espera de sua vez para ser atendido no balcão pelo Caboclo Alencar.
O que faz um barzinho com um pequeno cômodo, uma geladeira, uma pia, um balcão, atrair  tanta gente para falar da vida alheia, sendo o prato principal do cardápio a fuxicaria política? Não se pode deixar de considerar que as batidas feitas pelo Caboclo Alencar são deliciosas, não existindo outras na cidade com igual sabor: de caju, cajá, gengibre, maracujá, pitanga e outras. Cada uma mais saborosa do que a outra. Juntem a isso os ensinamentos sábios do Caboclo, sem cobrar nada, com suas tiradas, sentenças,  provérbios, conselhos e ditos populares.
Há quem afirme que caminhoneiros vão visitar o ABC da Noite para pescar alguma frase interessante sobre a vida e colocá-la depois no pára-choque do caminhão. Pode ter certeza que o Caboclo Alencar vem dando uma contribuição inestimável  para a filosofia e a poesia na estrada com frases como essas:

Pior juiz é a consciência, tá?
Que bom se corrupção desse AIDS
Pobre só come carne fresca quando morde a língua
Fazer a criança é fácil, difícil é consertar o homem
Se morte é descanso prefiro viver cansado
O erro do médico a terra esconde
Faça da sua vida uma canção de amor

Para quem não sabe, o Caboclo Alencar é o criador da ciência Mulherologia. Vem transmitindo saberes e sabores da vida com muita propriedade aos freqüentadores da  Escolinha ABC da Noite. Tem dado tratamento notável aos diversos assuntos envolvendo o objeto que essa ciência estuda, embora ele seja um autodidata e só tenha concluído apenas o curso primário. No quadro negro o freguês da Escolinha ABC da Noite lê o assunto que deve ser abordado na semana.  Leva para a casa a ideia anotada  para ser desenvolvida em uma lauda, escrita legível, pode ser em prosa  ou verso. A composição deve ser lida depois pelo aluno em dicção clara. O aluno, leiam freguês, pode molhar a  goela com  uma  e, no máximo, duas batidas, antes de começar a leitura de um dos assuntos abaixo relacionados:

 Proteja seu cão: vacine sua sogra contra a raiva;
 Se casamento fosse bom, Cristo  não tinha morrido solteiro;
 Pra quem ama catinga de bode é cheiro;
 Namorar muito, noivar pouco e casar nunca;
Se Deus  fez algo melhor que  a mulher só  fez pra Ele;
 Carinho de mulher feia é dentada;
 Vitamina de chofer é sorriso de mulher;
 Por não ter uma roupa nova passei o ferro na velha;
 Saudade no jardim é flor, é dor;
 Marido de mulher feia só acorda assustado;
Faça da vida uma alegria, mas com mulher.

Para evitar tumulto e queixas de injustiça, na escolha do assunto anunciado no quadro negro, é feito um sorteio entre os alunos da Escolinha do ABC da Noite.
Antes que me esqueça, você encontra na parede do ABC da Noite, em letras grandes, a portaria seguinte:

Art. Primeiro – Aqui é permitido sonhar e sorrir.
Art. Segundo – Revogam-se as disposições em contrário.

                                   Caboclo Alencar.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Antonio Menezes Amigo

Antonio Menezes Amigo 

                                   Crônica de Cyro de Mattos


Prefiro vê-lo garoto jogando pelada comigo no campo da Praça Camacã, próximo à beira do rio. Cabelos finos assanhados, o rosto agitado, o corpo suado  no vaivém do jogo. Ele era  três ou quatro anos mais novo do que eu, sem dúvida  o mais jovem dos meninos que disputavam pelada  no campo de barro com muitos buracos. Jogava no meu time porque era meu amigo, mas não era bom de bola,  não chegando a ser ruim,  digamos que era um peladeiro esforçado.
Fui estudar em Salvador no internato do Colégio  Maristas, ele ficou estudando em Itabuna. Deixamos de nos encontrar para jogar futebol ou tomar banho no rio depois de cada pelada. Quando saí do internato,  soube que ele estava estudando em Salvador e por feliz coincidência ficamos hospedados duas vezes na mesma pensão.
Ele sempre foi o primeiro aluno dos colégios em que estudou. Tinha uma inteligência privilegiada, mas não se valia disso, estudava, estudava.  Tudo que estudava aprendia com facilidade. Tudo que lhe era transmitido pelo professor na sala de aula absorvia e não esquecia. Passou em primeiro lugar no vestibular de Medicina e fez o curso inteiro  como o primeiro aluno da classe.
 Em Salvador, na noite do sábado, encontrávamos agora no restaurante Cacique, junto do Cine Guarani e próximo do cabaré Tabaris. Conversávamos sobre nossas aventuras amorosas, informando um ao outro qual era a namorada conquistada daquela vez.  O assunto podia mudar para futebol, as aulas de capoeira com mestre Bimba ou algum fato interessante envolvendo pessoa conhecida  em nossa cidade, no Sul da Bahia. A conversa era sempre acompanhada de bons goles de cerveja e tira-gosto. Riso houvesse  quando a piada contada era muito boa. Depois íamos dar um pulo  no dancing da Boate Id, casa de mulheres que atraía estudantes, jornalistas, intelectuais e boêmios, gente que gostava de viver a noite de Salvador com música, amor  e sonho, embalando-a nos braços como se fosse o seu bem.  
Prefiro vê-lo com o ímpeto próprio do jovem que deseja  conhecer  a vida, sem temer  os perigos, os desafios  e os obstáculos. E como gostava de dançar nos bailes realizados no  Itabuna Clube e Grapiúna Tênis Clube. Era um pé de valsa que não poupava energia para dançar com a namorada até o fim do baile. No Carnaval era um folião bem animado. Em qualquer baile no Itabuna ou Grapiúna a  festa ficava mais alegre quando ele chegava. Contagiava os amigos, despertava suspirinhos e piscar de olho das meninas mais bonitas.  Por seus dotes de rapaz esbelto, sorridente, galanteador, ficou logo conhecido como Tonho Bonito. Apelido que foi dado por Seixas, seu amigo íntimo há anos, mas que Zé Laurindo, outro amigo íntimo, contestava e afirmava, alto e bom som,  que foi ele quem colocou. Não abria mão disso sob quaisquer aspectos.  Não admitia mesmo que fosse contestada a autoria desse apelido como reconhecimento de seus dons de rapaz atraente e sedutor, disputado pelas garotas mais bonitas da sociedade.
Prefiro vê-lo atuante como médico ortopedista do time profissional do  Itabuna Clube, sem cobrar nada. Como médico competente desde que iniciou a carreira. Montou uma clínica em sua especialização e adquiriu rápido uma grande clientela formada por  gente rica e pobre, que recebia dele o trato decente de quem exercia a profissão com amor, respeito ao paciente, sem distinção de classe. Aconteceu que precisei de seus serviços médicos.  Não quis que eu pagasse pelos seus serviços profissionais. Antes e depois dos exames que ele realizou em mim, ficou lembrando   nossa querida cidade naquele tempo que se foi com os momentos bons  da juventude.
Prefiro vê-lo como eficiente presidente do Instituto de Cacau da Bahia, zeloso provedor da Santa Casa de Misericórdia, deputado estadual inflamado quando discursava  e defendia um projeto com vistas ao bem-estar da cidade natal. Era dono de uma oratória arrojada, impressionando a quem ouvisse.
Encontrei com Carlinhos Galvão no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo,  quando eu estava para embarcar para  Belo Horizonte onde ia participar da Bienal do Livro de Minas. Aquele nosso amigo, radicado em São Paulo há anos, perguntou-me: “Como vai nosso amigo Tonho?”. Respondi: “ A situação dele é a mesma, bem difícil”. Os amigos Seixas e Zé Laurindo são sempre os que me dão notícias dele.
Prostrado na cama há muito tempo.  Reconhece  os entes queridos, os amigos Seixas e Zé Laurindo, não se mexe. “Tudo a família tem feito  para tirá-lo dessa situação”, disse Zé Laurindo. “O quadro é triste, dói, como dói”, disse Seixas. Não suportaria vê-lo minguando nas forças, outrora tão dinâmicas, sem que eu pelo menos possa  suavizar um pouco as cores desse quadro triste, sem sentido.  Prefiro vê-lo como marido exemplar, pai cuidadoso, fazendeiro operoso. Filho de quem os pais tanto se orgulhavam. Homem com olhares positivos quando reconhecia com prazer  as qualidades do outro no mundo. Gostava de valorizar suas origens neste chão engastado na memória do tempo a que se chama vida.
Prefiro vê-lo dentro das lembranças boas, cativantes, solidárias, desinteressadas, que só um verdadeiro amigo pode deixar como um legado que não tem preço. Dono de sonhos e beijos, esperanças e conquistas,  como ele sempre teve.  No rio da vida do qual somos parte sob o curso inexplicável do mistério. Nesse perfume vindo de uma roseira que plantamos com os nossos gestos, sentimentos e razões. Nossos ideais  que pulsaram ardentes  no coração do menino, no jovem e no homem. No torvelinho de  manhãs  e tardes sem a traiçoeira invenção da vida. 

*Cyro de Mattos é escritor premiado no Brasil e exterior, em concursos expressivos. Distinguido com a Comenda do Mérito do Governo do Estado da Bahia.



sexta-feira, 17 de maio de 2013

Entrevista a Albano Martins, notable poeta portugués.





“El tiempo pasó irrevocable, pero quedó la Poesía”

Entrevista de Alfredo Pérez Alencart, Universidad de Salamanca
Fotos: Jacqueline Alencar y Casino de Figueira
Ilustración: Miguel Elías, Universidad de Salamanca

Afincado Oporto, donde hasta hace poco dio clases en la Universidad Fernando Pessoa, un poeta destila la fiebre siempre nueva de la Poesía. No hace pirotecnias verbales, solo dice: “Basta una flor,/ basta un ala/ para saber que la primavera/ entró en nuestra casa”. Admiro a este Poeta a quien pude conocer personalmente en mi Salamanca, allá por octubre de 2009, como acredita su propio corazón en “Salamanca 2009”, un poema escrito en el hospital salmantino, mientras se sometía a una sesión de diálisis: “En el Colegio del Arzobispo,/ medalla y emblema/ de la ciudad, sólo los palomos y algún/ pardal solitario cargan/ en su pico el misterio/ del tiempo, hecho canto,/ y la música/ de las piedras, hecha/ oración del silencio./ (A Jacqueline y a Alfredo)”.
 
Con esta entrevista quiero trazar algunos de los puntos cardinales de Albano Martins (Telhado, Fundão, 1930), uno de los grandes nombres de la poesía portuguesa actual, junto con António Salvado, António Osório y Vasco Graça Moura. Licenciado en Filología Clásica por la Facultad de Letras de la Universidad de Lisboa, ejerce como profesor en Universidad Fernando Pessoa, de Porto. Publicó su primer libro, Secura Verde, en 1950. Su obra poética comprende más de 25 títulos, buena parte de ellos reunidos en Assim São as Algas (2000), Posteriormente publicó Castália e Outros Poemas (2001), Três Poemas de Amor Seguidos de Livro Quarto (2004)  Palinódias, palimpsestos (2006), así hasta llegar a Estão agora floridas as magnolias (2012). Una buena muestra de su obra se encuentra en As Escarpas do Dia (Poesia 1950-2010), publicada por Afrontamento  Además de poeta, también es traductor. Entre los autores que él trasvasó al portugués, destacan Pablo Neruda (seis libros, entre ellos Canto General, que le supuso el Gran Premio de Traducción APT/PEN Club Português), Giacomo Leopardi, Rafael Alberti y Nicolás Guillén. La República de Chile le concedió la  Orden al Mérito Docente y Cultural Gabriela Mistral. Es Doctor Honoris Causa por la Universidad S. Marcos (S. Paulo, Brasil). En España se publicó Escrito en rojo (Editorial Germanía, Alzira, 2009), en versión de Ana María da Costa Toscano.

Han pasado 62 años entre Secura verde y Estão agora floridas as magnolias, tu primero y último libro publicado, por el momento. ¿Qué ha pasado, además del tiempo? ¿O es que por la Poesía no pasa el Tiempo porque ella misma es nudo y plenitud de tiempos que no se queman?
 
Entre Verde sequía, de 1950, y Ahora están florecidas las magnolias, de 2012, el tiempo pasó irrevocable, pero quedó la Poesía, esa que vive y palpita en todos los poemas que escribí. En ellos, de algún modo, también el tiempo es el que vive y palpita. Apresado en una jaula dorada, añadiría.

¿Tuviste mortales impaciencias cuando joven o siempre te amparó el sosiego?

Tuve, naturalmente, como todos los jóvenes, mortales impaciencias, porque la juventud es un tiempo de inquietud (de revelación y revolución, también) y, como diría Pessoa, la oportunidad de “sentir todo de todas las formas”. El descubrimiento del amor, por ejemplo, es una experiencia única, intransferible, que nos roba el sueño y devora las entrañas. El sosiego, ése del que hablas, no pasa de ser, juzgo yo, una buena metáfora. ¿Cómo puede, en verdad, tener sosiego el poeta, cuando siguen sin respuesta las preguntas de Gauguin, cuando el hombre se ve todos los días agredido en su dignidad y la justicia es una mera figura retórica? No es casualidad que una de las obras fundamentales de Pessoa, y del siglo XX, pienso yo, tiene por título Libro del Desasosiego.

¿Cuáles tus lecturas iniciales, los autores que más te conmovieron hasta que te afirmaste con esa impronta tuya?

Comencé, naturalmente, por los autores de las antologías escolares; esto es, por los clásicos. En primer lugar Camões, a los que se unieron poetas como Bocage, Eugénio de Castro, Antero de Quental, Gonçalves Crespo, António Nobre, Cesário Verde, Camilo Pessanha y otros más, antes de llegar a los contemporáneos. De todos ellos, los antiguos y los modernos, los que más han contribuido a mi formación como poeta fueron, además de Camões, Cesário Verde y Camilo Pessanha. Pero hay otros que estimo mucho, hablando sólo de los portugueses: Pessoa (no todo), el Miguel Torga de los tres primeros volúmenes del Diario (allí están algunos de sus más bellos poemas), Vitorino Nemésio  (especialmente el de El animal armonioso y Yo, conmovido al oeste), Carlos de Oliveira, Sophia de Melo Breyner Andresen… Juzgo, por lo tanto, que nuestra idiosincracia, en cuanto creadores, es un complejo mosaico de influencias que, de forma sutil y encadenada, componen la imagen de ese puzzle de inquietudes y misterios a que llamamos poeta.
¿Poesía o Vida? ¿Acaso hay distinción alguna, salvo el lenguaje donde el poeta hace cocción de esa vida que luego presenta en forma de poema?

Poesía es Vida. No concibo una sin la otra, la primera sin la segunda. Tampoco son concebibles el fruto sin la flor, el árbol sin la raíz.
Además de poeta notable, eres traductor de clásicos griegos, italianos e hispanoamericanos. Háblanos de las traducciones que más te han marcado.

Neruda es una de las pasiones de mi adolescencia. Descubrí, a los diecinueve años, uno de sus libros más fascinantes y que siempre me ha acompañado: Veinte poemas de amor y una canción desesperada. Más adelante me surgió la invitación para traducir otro libro suyo, Los versos del capitán, de buena acogida editorial. Después vinieron otros, hasta los siete libros que traduje, de los cuales resaltaría el Canto general. Éste, juntamente con los Cantos de Leopardi, la Antologia Palatina y la  Antologia de la poesía griega clásica fueron las grandes aventuras –las verdaderas odiseas–  de mi actividad como traductor-amador. Esas obras han sido las que más me marcaron, no sólo por la dificultad y complejidad de las versiones, sino también por el desafío que representaron y por entusiasmo que me suscitaron.
Te has acercado a la poesía oriental, el haiku y sus variantes. ¿Crees necesario este abordaje para cualquier poeta que busque esencialidades?

Mi poesía siempre ha estado marcada por la consición. El descubrimiento de la poesía japonesa, del hayku, allá por 1967, significó el encuentro con una forma de expresión que en sí contenía la representación de lo esencial. Idea que ya estaba, en fin, contenida en los fragmentos de los líricos griegos arcaicos que encontré en las aulas de la universidad  (Safo, Alceu, Anacreonte, Mimnermo, Teógnis, entre otros), y en los epigramas seleccionados en las varias antologías organizadas a lo largo del tiempo, en particular en esa que hoy conocemos por el nombre de Antologia Palatina.
¿Qué recuerdos de tu infancia y adolescencia por esas duras y cautivantes tierras de A Beira Interior?

La Beira, la región de la Beira Interior y su paisaje son la matriz de todo. De ella viene mi amor por los árboles, por las flores, por los animales. Crecí allí, a la orilla del agua. Frente a la casa donde pasé la infancia, la casa de la Quinta da Rascoa, próxima a la aldea de Capinha, donde hice los estudios primarios, frente a esa casa, decía, pasaba el río Meimoa, con sus caudales temperados, solo alterados en invierno, sus embalses, sus chopos, almendros y sauces, sus sombras acogedoras donde, en el verano, me recogía a veces buscando protección y frescor ante el calor abrasante. En El espacio compartido, Rodomel Rododendro y otros lugares de mi escritura, se encuentra todo ese lugar que vuelve envuelto en una capa de poesía.
En O espaço partilhado, en Rodomel Rododendro y en la sección ‘Timbres e alegorias’ de O mesmo nombre te instalas en el poema en prosa. ¿Qué te impulsó a incluir estos prosemas en una obra signada por la brevedad o la fragmentación de exiguos versos poderosos?

El poema en prosa llegó de forma espontánea, no premeditada o programada. Su más amplia respiración (o mayor aliento) es dictada –impuesta– por las circunstancias o necesidades del instante creativo. Ella obedece a otras leyes (si de leyes se pueden hablar aquí), instaura otro ritmo, se expande por otros márgenes, pero no le disminuye ni limita el significado y el alcance. Por otro lado, hoy sabemos que lo que distingue la poesía de la prosa no es la extensión de las líneas, aunque sí el tipo de lenguaje de que una y otra se sirven.
La pintura, Albano, siempre ha estado a tu lado o tú al lado de ella. ¿Será porque también tú pintas con palabras? Háblanos de tu relación con ese otro lenguaje que interpreta la belleza y el horror del mundo.

Es verdad: la pintura siempre ocupó en mi vida un largo e importante lugar. Ya en otra oportudidad afirmé que si no fuese poeta es muy problable que sería pintor. Soy extemadamente sensible a las formas y a los colores, y esa inclinación se manifiesta ampliamente, estimo, en mi poesía, que está marcada por una fuerte sensorialidad y, hasta diría, por una vibrante sensualidad. En ella, todos mis sentidos estan empeñados de forma incondicional, esto es, de modo absoluto y sin reservas. Finalmente resaltaría que mi ambición es esa, de hecho, que las palabras valgan lo que para la pintura valen los colores. Como sabes, ya el viejo poeta Horacio proclamaba el Ut pictura poesis en su Arte Poética. Esto es “la poesía como la pintura”. Capte ella (o interprete, como dices) la belleza  o “el horror do mundo”.
Cuáles tus pintores favoritos. Ahora recuerdo que traduje tu poema dedicado al Jardín de las delicias… Qué porción de afectos ocupan Miró, Picasso, Klimt, Matisse…

Esos que citas son, efectivamente, algunos de mis pintores preferidos. Pero hay otros, incluyendo los portugueses Júlio, Mário Botas, Jorge Pinheiro y Cruzeiro Seixas. A Miró, sobre cuya pintura yo mantenía ciertas reservas, me rendí completamente, y de modo definitivo, cuando un día en Madrid entré al Museo Thyssen y vi una retrospectiva del grande pintor catalán. Delante mío tenía un conjundo de óleos titulados “Las Constelaciones”. Era el deslumbramiento. Fue en la secuencia de esa exposición que escribí el conjunto de poemas que titulé “En los jardines de Miró”, incluido en el libro La voz del mirar. En Picasso reconozco la genialidad, que se manifiesta en todos sus grados y variantes. En Klimt, la novedad de las tintas y la pureza de la expresión. En Matisse, al que sumaría a Chagal, es el lirismo del trazo y del color lo que me seduce. Pero también me seducen los “dibujos” de Lorca y las tentativas de Rafael Alberti por el dominio de las artes plásticas. Algunas de esas tentativas son verdaderos poemas coloridos, como esas que adornan la Antología Poética publicada en 1998 por la barcelonesa Editorial Optima.
El Eros en tu poesía está como vivificando las vocales de tus poemas. ¿Mientras vive el hombre siente y desea?

El Eros es, de hecho, como sugieres, la gran fuerza que recorre y sacude mi poesía, matizada, aquí y allí, por algunas notas de melancolía, derivada de la consciencia de la precariedad y de la fugacidad del tiempo. Tempus fugit, decían los latinos, y Horacio tradujo en una oda esa misma consciencia a través de la expresión carpe diem. Está ahí, sobreentendido, un consejo: aprovecha el día –el momento– que pasa, porque el tiempo se escora y no sabes si mañana estarás vivo. Es también esa lección del epicureísmo, filosofía de la vida –la filosofía del placer– que suscribo por completo.
Concluyendo: el amor es la única arma capaz de resistir a los asaltos del tiempo y, como sabes, a él no se hurtaron los propios dioses, comenzando por Júpiter, el padre de todos ellos. Respondo, finalmente, a tu pregunta: el hombre es un ser destinado para el amor y solo la muerte matará su deseo.

Brasil te viene reconociendo, tal como tú has reconocido, líricamente, a esa parte sustancial de la lusofonía. ¿Cuál el entrañamiento tuyo con Brasil? ¿Va más allá de A voz do chorinho…?

Sí, mi poesía ha encontrado en Brasil una receptividad y un reconocimiento mayor, bastante mayor, que en Portugal. Hace poco recibí, desde S. Paulo, la información de que una profesora de universidad prepara una tesis de doctorado sobre mi obra. Se sumaría así a otra ya defendida hace años en Río de Janeiro. Y también es verdad, como señalas, que a Brasil tengo dedicado un indefectible afecto. Mi deslumbramiento, que habrá sido semejante al de los navegantes que en 1500 desembarcaron por vez primera en aquellas tierras, ocurrió cuando en 1985 descendí en Galeão y entré en contacto con la realidad brasileña, teniendo inmediata traducción de dos libros que allí publiqué: A voz do chorinho ou os apelos da memória y Poemas do retorno. En los años siguientes volví a Brasil unas veinte veces, donde tengo hoy muchos y buenos amigos, además de numerosos admiradores y exégetas de mi poesía. Si existe una segunda patria, la mía es Brasil.
Lo vegetal (el bosque, la selva, las flores…) aparece con frecuencia en muchos de tus libros publicados.

El mundo vegetal lo traigo aferrado a la piel desde la infancia. En la vasta naturaleza muerta que era la Quinta da Rascoa predominaban los tonos verde, solo quebrados, en los otoños, por la invasión de otros colores de su variada paleta y, en el verano, por el amarillo de las mieses. Crecí con las flores, las plantas, los árboles del bosque (robles, eucaliptos, pinos) y del huerto (higueras, naranjos, cerezos, almendros). Dormí con ellas, las llevé a la escuela. Los sabores de los frutos de algunas de esas plantas todavía los guardo en mi memoria gustativa. Lo que he hecho, en mi poesía, es traerlos a la antecámara del habla, que es la palabra escrita. Es darles una voz y un nombre. Así les retribuyo, así les pago, la compañía y el bien que me hicieron en aquellos años dorados.
¿Qué significancia tiene el mar para un portugués como Albano?

El mar quedará siempre como símbolo del viaje y de la aventura. Metáfora mayor, en él caben todas las otras metáforas, las del Arte y las de la Vida. Es así desde Homero, Virgilio y Camões. Para mí, que no soy marinero, algunas veces el mar ha sido pretexto para viajes imaginarios y saltos en el abismos. En O espaço partilhado, le dediqué un largo poema en prosa y tengo un libro inédito, de poemas breves, Desta varanda, o mar, que también le es dedicado. A través de él, navego –navegamos todos, entiendo yo- en dirección a las ítacas que siempre se perfilan en nuestro horizonte vital.
Y hablando de España, ¿cuál es tu sentimiento hacia ella?

Tengo por España un antiguo y arraigado afecto o, diría mejor, admiración. Por el carácter de su pueblo, por la idiosincrasia de sus gentes, por su cultura: sus pintores, sus escultores, sus escritores, sus poetas. También por su música, por sus cantantes: Plácido Domingo, José Carreras, Monserrat Caballé. Y tengo, finalmente, algunos buenos amigos españoles. Es tanta la admiración que tengo, como decía Neruda, a “España en el corazón”.

Descríbenos tu relación con Vicente Aleixandre.

Mi relación epistolar con Vicente Aleixandre data de principios de los años cincuenta del siglo pasado. Deseoso de conocer más de cerca la obra del poeta, que yo sabía era uno de los nombres relevantes de la generación española del 27, le remitó un ejemplar de mi primer libro, Verde sequía, pidiéndole que me hiciera llegar un libro suyo, explicándole la dificultad de encontrar en las librerías lisboetas obras publicadas al otro lado de la frontera. Recibí, como respuesta, una carta y un ejemplar de Sombra del Paraíso, uno de sus libros más celebrados. Hasta 1956 fueron frecuentes entre nosotros el intercambio epistolar, acompañado por el envío de otros libros del poeta. Entonces mi vida sufrió un cambio radical: ingresé al servicio militar obligatorio; terminé la licenciatura de Filología Clásica en la Facultad de Letras de Lisboa; comencé una carrera de profesor; me casé y tuve una hija; hice la pasantía y prácticas pedagógicas; concursé a las oposiciones de la enseñanza oficial y fui a parar al Liceo de Angra do Heroísmo, en las islas Azores… Todo eso, sumado, contribuyó para que durante diecisiete años perdiese el contacto con Aleixandre. Lo retomé en 1980, cuando estuve ligado a la revista Nova Renascença, de Oporto, pidiéndole una colaboración para la misma. Estuve en Madrid en septiembre de 1981, para el lanzamiento del número 4 de la revista, dedicado en parte a Juan Ramón Jiménez. Intenté un encuentro con el poeta, pero estaba fuera de Madrid, convaleciente de una reciente intervención quirúrgica. Todo eso, y más, consta en el volumen Cartas a Albano Martins, ahora publicado en España por la Universidad de Córdoba.
¿Cuánto de antiguo tendría que ser un poeta moderno?

Juzgo que ningún poeta digno de este nombre puede recusar la herencia del pasado. Parafraseando a Alceu, poeta lírico griego del siglo VII-VI a. C., de la nada nada nacerá. Lo que cada uno recoge de esa herencia depende, necesariamente, de su cultura, formación e idiosincracia. Por otro lado, los términos ‘antiguo’ o ‘moderno’ son un tanto ambiguos y engañosos. Homero, Virgilio y Catulo, por ejemplo, son, desde mi punto de vista, tan modernos como Pessoa o Aleixandre.
Reflexiona sobre la Amistad, tan escasa, tan endeble cuando existe.

Que la Amistad resulta un valor importante en las relaciones sociales lo acredita, de hecho, que sobre ella escribió un tratado, De amicitia, el gran orador latino Marco Tulio Cicerón. Me acuerdo de que, cuando era joven, muchas veces oía decir: “Tener un amigo es tener un tesoro”. En esta formulación está contenida, me parece, toda una sabiduría. Si los hombres fuesen más amigos y solidarios de cierto que otra sería la historia humana. Auschwitz-Birkenau, Dachau y Treblinka no serían los lugares de horror que conocemos, sino simples referencias toponómicas sin mayor significado en la geografía europea.
Rica y valiosa es la lírica portuguesa de todos los tiempos. Danos tu canon básico de autores imprescindibles.

En la cumbre, Camões. Sumaría dos nombres, a mi modo de ver, irrebatibles: Cesário Verde y Camilo Pessanha. Y hay, también, poetas indispensables: Pessoa y Pascoaes, a que añadiríam ya más próximos a nosotros, Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Carlos de Oliveira, Herberto Helder, António Ramos Rosa, Sophia de Melo Breyner Andresen, Mário Cesariny de Vasconcelos…
¿En qué trabajas ahora? ¿Cuáles tus nuevos proyectos de escritura?

Tengo para próxima publicación unos diez libros, entre ellos dos pequeñas historias infantiles, cuatro libros de poesía, una Antología de Ugo Foscolo, el grande poeta italiano del siglo XVIII-XIX, otra del chileno David Rosenmann-Taub, contemporáneo nuestro, y una segunda edición de las Carminas de Catulo, con la traducción de treinta nuevos poemas. Mientras tanto, estoy reuniendo los textos en prosa escritos en los últimos años, con vista a publicar un tercer volumen de Circunloquios. Pido a los dioses que me den vida y salud para tener oportunidad de verlos todos en letra de imprenta. ¿Nuevos proyectos? Te confieso que nunca hice proyectos. Generosa amiga fue siempre la Poesía, que me buscó y no yo a ella.

El pasado 25 de febrero di muchos abrazos a mi amigo Albano. Fue en el Casino de Figueira  da Foz, donde se le tributó un reconocimiento y recibió un dibujo del pintor Miguel Elías. Antes, en los salones del hotel, hablamos largo y profundo, con su amada Kay y mi amada Jacqueline como testigos. Allí le recordé su bello hayku titulado “Las palabras”:
Ninguna rama
 es segura. Frágiles
 son las palabras.

Más abrazos, hasta siempre.



Sobre el autor
avatar

Alfredo Pérez Alencart es poeta peruano-español, profesor de la Universidad de Salamanca y Miembro de la Academia Castellana y Leonesa de la Poesía. Ha obtenido, entre otros reconocimientos, el Premio Internacional de Poesía “Medalla Vicente Gerbasi” (Venezuela, 2009) y el Premio de Poesía “Jorge Guillén” (España, 2012). Su poesía se ha traducido a veinte idiomas: portugués, alemán, inglés, ruso, coreano, filipino, francés, croata, búlgaro, japonés, rumano…

Sonetos da vassoura-de-Bruxa

 

Sonetos da  Vassoura-de-Bruxa


Cyro de Mattos



Ó morte quão amarga
É a tua memória.
Eclesiástico, 40-41


I

Julguei que seria esta a minha sorte
Desfrutar do meu trabalho no anel
Generoso de teus ramos. Do mel
Gozar todo o prazer até a morte.

Calo e calor em horas rastejadas
Encheram o meu sono de agonia,
Colher nuvens verdes e não ciladas
De tua luz sonora o que eu queria.

Só, nesse deserto, depois de muito
Arrastado entre sombras, fico vendo
No chão cinzas de tuas bruxas soltas.

De aflição sei, o sangue nas disputas,
A servos e donos do orvalho diga
O vento sobre aroma em terra amarga.



 

II



Pensei encontrar o paraíso nas
Terras do sem fim. Nas manhãs serenas
Frutos dourados. Verdejantes veias
Da vida retomada sem urgências.

Lá, no verde sem fim, perseverava
No velho aprendizado da utopia
Que me habita transpirando no hálito
De pesares e rumos da agonia.

Salpicado de flores, me queimava
Em teu sol forte, ardendo o pensamento
No ouro de tuas amêndoas. De tanto

Querer-te não reparti. De repente
Eis que me encontrei, nos meus rastros, triste.
Então vi nas mãos quanta solidão.


III


Vês morte no ar fendido por bruxas,
Aragem que na solidão despenca
Nostalgia, gargalhar incessante
Dos frutos já mortos.  Desfazer este

No espaço profundo que em tua alma há
Do animal ferido em face do mundo.
Estranho não habitar mais a terra
Dos frutos de ouro.  Nunca mais colher

Hábitos aprendidos com mãos crespas,
Peito molhado, vozes enfeitadas
De flor e chuva.  Diante de ti

Desalento e silêncio, estas sombras
Que te empurram através de desertos.
Como o vento nós mesmos não ficamos
­­IV

Falo das léguas com sua música
Incandescente, da voz na crônica
Lendo as estações em torno das rumas,
Sonho que projetei dentro das brumas.

Falo do fervor na hora mais suada
Que me esparramava, do ter ávida,
Das trilhas pelo olhar que já não voa,
Dos atalhos que um respiro magoa.

Da alma na constante canção impressa
De nódoas, sumindo na velha queixa
Daquilo que entardece sobre manchas.

Agora sob cinzas, no desamor
Espalhado por vassouras-de-bruxa,
Calo-me sem saber para onde vou.*

 

*Soneto incluído na Antologia de Poesia  Contemporânea Brasileira, organizada por Álvaro Alves de Faria, Editora Alma Azul, Coimbra, Portugal.


V


Maior prova de que já não existo
Está nos ares desse triste vento
Onde bruxas com suas crinas soltas,
Ao cabo de vassouras pelas pontas,

Ceifam-me. Dias e noites sem dó
Cobrem de sombras, deixam-me no pó,
Lamenta o coração estremecido.
Perfuram verão de outrora habitado

Do verde constante naqueles frutos
De ouro, suor molhado de acalantos
Em que me pus bem dentro desse mito.

Maior prova de que já não existo
Emerge agora da agonia, eu no meio,
Tentando na memória ser exílio.

VI

 

 


Tive muitos navios. Eles todos
Sob o brilho das safras, carregados
Nas estações das colheitas douradas,
Os cascos incansáveis pelas ondas.

Dentro de mim aquele alegre apito
Das distâncias, trazido pelo vento
Que dos campos de chuva e flor chegava.
Ó alma, ó força, ó vida. Sustentava

Um país inteiro o tempo arrumado
Aos montes por mãos nas vagas do espanto.
Relembro esses navios no pesar

Que sou em mim. No percurso do azar
Por vassoura de bruxas habitado.
No ar ressecado do que sou de morto.


VII

Infame, miserável, tesconjuro!
Eu que dormi na c ama da caipora,
Engoli da mata o silêncio duro,
Nos confins desci das ancas da aurora.

Eu que no buraco o saci peguei,
Lobisomem no tiro derrotei,
No boitatá uma sela botei,
Com o teu esgar o que fazer não sei.

Eu que como menino só fiz rir
Quando os frutos de ouro no meu jardim
Vi, colho só dores dentro de mim.

Feitas, no ocaso, de flores queimadas
Por bruxas que não param de sorrir.
Nada sou nas vastidões desoladas.

VIII

Comi da bosta que o diabo  cagou.
Muitas vezes enfrentei o desamor
Duro da mata fechada, carreguei
Nas costas os espectros da noite. Andei

Com os pés estremecidos e mãos rachadas.
Tive para beber danações, doridas
Paisagens postas na mesa rústica,
Só pra te ver fruto de ouro na música

Dos deuses por mim roubada. Tudo enfim
Venci. C aça e caçador. Só  não sabia
Que o sol se levanta e pra laçar o dia

A noite vem.  Nada valho. Sei em mim
O inevitável que me varre pro canto.
De bruxas, cinzas ao vento, sou de fato.

IX

Dentro de mim ressoa uma nação.
O clima que vem dela nas raízes
Se alimenta em razão de verdes vozes
Do suor derramado pelo chão.

Houve tempo de dedos corroídos,
Duro clamor nos dias mais sofridos,
Cobra no inverno, bala no verão,
De cacau era a flor no coração.

Homem de saga molhada, sangrada,
O ouro vegetal vi sustentar toda
Essa nação enquanto pela estrada

O tempo dava voltas. Tudo agora
Se desfaz. Cai das folhas, insonora,
Essa flor murcha que a agonia gera.*

*O soneto IX foi  incluído na Antologia do Terceiro Encontro Internacional de Poetas, da Universidade de Coimbra, Portugal, com a versão para o inglês por Manuel Portela, poeta, tradutor e Doutor em Cultura Inglesa. E também na antologia Poesia do Mundo/3, organizada por Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, Doutora em Literatura Norte-Americana.








X

Da mata treva que junto de ti
Retornas, o sol do espanto pálpebra
Abriu pra te ver nervos brabos de ânsia,
O acordar do mundo que estremeceste.

Do talho no espaço profundo a terra
Sangrando, do animal conhecedor,
Só, em torno dos dias mutilados,
Como o vento em face da vida dúbio.

Diante dos frutos de ouro apencados
Aroma dos céus conquistados, selva
De servos onde as noites estercam.

Ó flagelador de cantos no verde,
Essas bruxas penduradas nos galhos
Tu vês. Mãos gastas de varrer as cinzas.