Leva a galera ao delírio, milhares de vozes numa só garganta, corações saem atônitos pela boca. Pelé, um rei, esmurra o ar, abraço festivo dos companheiros e beijo nas alturas. A bola passou lá onde a coruja dorme, comenta o locutor. Que felicidade ver a rede balançar. Bandeiras desfraldadas, orgasmo de milhares, o estádio estremece com o grito geral. Desferido o chute, a bola rolou normal, bateu no montinho artilheiro e enganou o goleiro. Óóóóóóó! Que fatalidade!
Observa um torcedor: "Nada melhor do que um gol aos 45 minutos do segundo tempo". Nada mais prazeroso no último minuto, a conquista do campeonato assim nada é igual. No torcedor derrotado um soco na barriga, como dói, quando a partida é uma final de campeonato. É como um nocaute que derruba todos no abismo. Rosto cabisbaixo, bandeira enrolada, queimada. No gol de impedimento xingam o homem do apito vestido de preto e, de quebra, a mãe deixa de ser pura. Vociferam, ameaçam Deus e o mundo, nada mais terrível na alma do que a dor de não ser campeão. Estava escrito nas estrelas. Os deuses tinham escrito há milênios. De um lado o sol tão claro, do outro amargura e solidão.
Obra-prima dos pés, oferta divina que o craque festeja no topo da pirâmide humana. O torcedor ama as cores do momento azul, chora e ri. Reação em cadeia dos que mergulham em depressão. Certeza de guerra vencida, tudo por causa de um lance bobo do zagueiro. A bola ia sair pela linha de fundo, ele foi cortar com a mão. Agora não tem mais jeito. É sair pra outra, bola no pênalti só milagre pra não ser gol.
Gol engraçado, chapliniano, nascia da trama genial daqueles dribles desconcertantes. Comovia, encantava, fazia rir o estádio com a sua boca enorme. Garrincha dribla toda a defesa, pernas se enrolam no tapete verde, passa pelo goleiro que fica babando na grama. Com o pé na bola, espera que eles se levantem, o espanto da galera vai de canto a canto. Huuuuuuuuuuuuuu! E como uma criança irresponsável Garrincha toca a bola devagar para o fundo do gol. O que é isso torcida brasileira! Desmaios, risos, beijos. O estádio quase vem abaixo, o sol partindo-se em gargalhadas sonoras. "Este gol aí foi pra matar a mãe de qualquer um!"
Em 1950, Brasil contra Uruguai, final do campeonato mundial no Rio. O Brasil joga pelo empate. Um gol faz estremecer um estádio com 200 mil pessoas. Foi de Friaça no início do segundo tempo, lenços acenam para os valentes uruguaios. É campeão! É campeão! Todos os brasileiros cantam o grito de glória numa só corrente de irmãos. Veio o gol de empate dos uruguaios, Schiafino o autor da proeza. Um calafrio penetra ossos e nervos do Maracanã com a lotação máxima. O inexorável acontece aos 34 minutos. O ponteiro Gigia chuta a bola e a grama. Ninguém acredita no que vê, a bola entra entre a trave e o goleiro Barbosa. Lenços já não acenam. Aquela coisa que só infunde medo, estupidamente sem tamanho, percorre todo o estádio. Domina o ar de milhões de brasileiros. Ninguém pode reverter o capricho dos deuses. Encerrado o jogo, a procissão de mortos sai do Maracanã, o país das chuteiras, que pensa e ama pelos pés, em caos desencanta-se.
Na cidade pequena o menino vê as ruas desertas, bares fechados, a praça em silêncio. O padre não reza a missa das oito à noite. Daí pra frente o canto amargo da memória vai lamber chagas daquele que ficou frustrado no cais, esquecido de si, preso ao nada. Precisou que viesse a Suécia, em 1958, para explodir na garganta o grito com a força de granadas. O Brasil sagrava-se pela primeira vez campeão mundial de futebol. Em 1962, no Chile, outra vez o grito profundo é bisado, assim como no tricampeonato do México. Depois de vinte e quatro anos de espera, o grito volta a irromper nos Estados Unidos da América, através da conquista do tetracampeonato mundial de futebol. Sem dúvida, esse grito que faz sair atônito o coração pela garganta vai retornar em outros momentos de delírio do torcedor brasileiro. Nas disputas dos campeonatos mundiais de futebol. Melhor será com o título de campeão para a nossa Pátria amada.
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