Descoberta de
Castro Alves
Cyro de Mattos
Saltou do bonde na
parada próxima ao Restaurante Cacique e Cine Guarani, com o firme propósito de
conhecer aquele monumento de mais de dez metros, um homem lá no alto encimando
o pedestal. Aquele homem de cabeleira negra e basta devia ser muito importante para
que fosse homenageado em monumento tão grandioso.
Atravessou a rua e se aproximou do monumento.
O olhar curioso viu que em um dos lados estava um livro aberto com um sabre atravessado, tendo em letras
douradas os versos: “Não cora o sabre
do ombrear com o livro”. Em placa de mármore,
numa das faces da base, lia-se:
“A Bahia a Castro Alves.”
Aquela estátua de bronze assentada no alto representava um poeta, muito querido pelo povo baiano,
estava ali na
atitude de fala, de quem declamava, tendo a cabeça descoberta, fronte erguida,
olhar perdido no infinito, chapéu mole de estudante à mão esquerda, braço
direito estendido. De um lado da coluna, viu um grupo em bronze, representando
um anjo em posição de voo, a levantar uma mulher escrava pelo braço, erguendo-a
ao alto. Viu também um casal de
escravos.
Quem era esse poeta que a Bahia dedicava imenso amor?
Lembrou da biblioteca da agremiação estudantil no Colégio dos Irmãos Maristas.
E foi lá, durante a semana, na hora do
recreio, folheando o livro ABC de Castro
Alves, de Jorge Amado, que ficou conhecendo a vida e a obra daquele grande
poeta.
Era um rapaz esbelto, que vivera pouco.
Nasceu na fazenda Cabaceiras, próxima a Curralinhos, na Bahia, em 14
de março de 1847. Tinha grandes olhos vivos, maneiras que
impressionavam a quem o assistisse declamando versos de amor, às flores e em
solidariedade aos escravos. Causava admiração aos homens e arrebatava paixões
às mulheres. Seu estilo contestador
contra a situação da escravidão dos negros na Bahia o tornou conhecido como O Poeta
dos Escravos. Além de abolicionista exaltado,
foi um liberal atuante, que clamava
pela instalação da República no Brasil. Teve como colega Rui Barbosa no
Colégio Abílio Borges, em Salvador, e na Faculdade de Direito do Recife.
Faleceu aos 6 de julho de 1847, aos 24 anos, em
Salvador, vítima de tuberculose.
Depois de conhecer um pouco a vida do poeta romântico, interessou-se por
sua poesia. Foi ler, um a um, os livros desse poeta cantor do amor, da água, das
pétalas, dos negros escravos e da liberdade. Publicara em vida apenas um livro:
Espumas Flutuantes, em 1870. Seus
outros livros, A Cachoeira de Paulo Afonso, 1876 , Os Escravos, 1883, Hinos
do Equador, 1921, tiveram edição póstuma.
Na medida em que fazia a leitura duma poesia cativante e libertária, ia anotando
alguns versos no caderno, que lhe enriqueciam a sensibilidade.
Como esses:
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
Ou
esses:
Oh! Bendito o que semeia
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar!
Livros à mão cheia
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar!
Ou ainda esses, escritos com graça e
leveza:
Prendi
meus afetos, formosa Pepita...
mas, onde?
No tempo? No espaço? Nas névoas?
Não rias...
Prendi-me num laço de fita!
mas, onde?
No tempo? No espaço? Nas névoas?
Não rias...
Prendi-me num laço de fita!
Perguntava-se como era que no coração de um poeta tão jovem como Castro
Alves cabia tanta afetividade e
solidariedade aos excluídos. Com a
leitura de cada livro, sua alma foi-se impregnando da beleza e da verdade
postas pelo poeta maior em versos
comoventes, escorridos com amor e talento raro, que só os gênios possuem.
Castro Alves tornou-se em pouco tempo
um ídolo para o jovem do interior, desses em que
a marca de uma época ou de um tema brilha com a individualidade
manifestada numa espécie de criador que permanece sempre ante a vida que
passa.
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