Sua
Única Briga
Cyro de Mattos
Só brigou uma vez no
internato. Foi com um menino que jogava de ponta-esquerda no time de camisa
branca. Jogando como lateral direito no time de camisa azul, ele dava uma marcação implacável àquele menino
gago, troncudo, baixo, braços musculosos.
Em compensação era menor do que ele, que sempre se antecipava para tomar
a bola dele, um atacante arrojado, precisando ser marcado de perto.
Era um duelo à parte entre os dois quando o
time de camisa azul enfrentava o de camisa branca.
Na última partida, o
marcador e o atacante chocaram-se na
lateral do campo, temeu-se que os dois contendores tivessem se machucado
gravemente. Houve bate-boca, dedo em riste no rosto, da próxima vez eu lhe
quebro a canela, jogadores dos dois times apartaram os dois para evitar a
briga. Terminado o jogo, com o sangue ainda quente, atracaram-se,
a briga não continuou por mais tempo porque o Irmão Já-Morreu trilou o
apito várias vezes, pedindo a seguir que
os dois rivais lhe acompanhassem.
Adiante, no campo
vazio, sem grama, improvisado no terreno arenoso, localizado entre a parede alta de um dos pavilhões do pavimento térreo, de um lado, e um muro,
no outro com uma tela aramada, também alta, na frente e fundo, o Irmão Já-Morreu ordenou:
- Agora podem brigar à
vontade. Ninguém vai apartar.
A briga demorou mais de
uma hora. Nos lances com murros desfechados um ao outro, procurou evitar que o rival agarrasse o seu corpo. Se
isso acontecesse, seria derrubado, e, no chão, dominado, certamente ia ser
massacrado pelo rival, sem ter a mínima
chance para vencer a briga.
A certa altura da briga
renhida, os brigões mostravam cansaço, um se
agarrava ao outro para não cair, mas nenhum deles recuava, pensando em correr. Até que de tão
cansados com os golpes desfechados, os dois desabaram ao mesmo tempo, cada um
caiu para um lado. E ali mesmo ficariam desacordados, sem forças para levantar,
não fosse o Irmão Já-Morreu que jogou um
balde de água para despertar os
brigões, ainda com o sangue
quente.
·
Cyro
de Mattos é poeta e ficcionista. Detentor de prêmios literários importantes e,
entre eles, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, Associação dos Críticos
Literários de São Paulo, Nacional de Poesia Ribeiro Couto (UBE-RJ),
Internacional Maestrale Marengo d’Oro,
Itália, duas vezes, Menção Honrosa do Jabuti, Nacional Pen Clube do Brasil e Nacional
Cidade de Manaus. Publicado em oito idiomas.
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