Mãe
Cyro
de Mattos
A
mãe era afeto, dedicação, bons conselhos. Apressada dizia: “Menino, já
para dentro, que vem o vento ventoso levado, levando cisco! Menino, já para dentro!” Alertava: “ Boa romaria faz quem em sua casa está em paz.” Gostava de fazer adivinhas. Sobre o sol: “ O que é,
o que é, o ano todo no deserto o mais quente é?” Para estimular na resposta correta, ela
recomendava: “Responda certo como um menino esperto.” De pura carícia era a
adivinha sobre a própria mãe. “O que é, o que é, o beijo da noite, de dia a melhor
sombra é?” Para facilitar na resposta dizia
que todos os dias essa pessoa acompanhava de coração o filho onde ele estivesse.
A casa era pequena, mas os dias tinham
sempre as mãos zelosas da mãe. Colocavam
nos vasos aquelas rosas, como sonho deixavam a manhã rosada e
perfumada. Esbanjavam pelos ares só ternura. Davam vida à máquina de costura as
suas pernas ativas. Os bordados, como beleza tecida por mãos até certo ponto
divinas, ganhavam admiração de quem fizesse a encomenda e fosse recebê-la
pronta. Como o mundo de Deus era
grandão. Os doces que a mãe fazia cativavam com açúcar.
Uma mãe
é para cem filhos, mas cem filhos não são para uma mãe, ela disse. Só depois como homem crescido, o filho saberia o sentido justo do que ela quis dizer com isso. Conheceria
então nos dias quanta falta suas mãos
faziam, pois já não mais cuidavam, não
limpavam os caminhos do filho na lei da vida, agora teria de ser sem ela a
travessia.
- Você quer ser peixe ou ser gente? –
preocupada, a mãe perguntou. - Primeiro
a obrigação, depois a diversão, você só anda agora nadando e pescando no rio
com o bando de amigos. Finalizou e se
dirigiu calada para a cozinha.
Com os queridos amigos, o filho nadava,
mergulhava e pescava no rio, que descia sereno
com as águas de fontes puríssimas, dividindo a cidade em duas partes.
Ultrapassava os seus limites na aventura da vida e alcançava as linhas do
horizonte. A mãe comungava com o desejo
do pai. Sonhava com o filho formado na
profissão de advogado. Ao lado do marido,
não poupava esforços para que isso acontecesse um dia. O filho foi
estudar interno no Colégio Irmãos Maristas, em Salvador. Foi quando o tempo cor de sombras
hospedou-se no corpo da mãe com a doença
traiçoeira. Não sabia como, em Salvador, conseguia estudar à noite no
quarto enquanto ouvia no outro os gemidos da mãe. Doíam, como doíam. Das noites
sem madrugada não houve nela revolta enquanto perdurou a agonia. Sem abraçar o rancor,
escondia o choro no travesseiro.
Sem esquecê-la, anos depois, andou solitário
nas terras longes. Certo dia, entre medos
e sombras, pressentiu que as horas ultimavam a vez de a mãe ser do vento memória. Chorou.
Teve saudades de si. Procurou razões que explicassem essa hora do
inevitável, a mais certa de nossos
momentos. Nada, nada achou nessa noite que se cobre com um sossegado
manto eterno. O que é, o que é, viver para morrer? Eis a
questão, ser ou não ser. Quem é o mais sábio dos humanos que já achou a resposta certa dessa adivinha? Cada um no seu
canto, nesse vale de lágrimas, sofre o seu tanto, dissera a mãe.
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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Da Academia
de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa
Cruz.
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