O Menino e a Bola
Cyro de Mattos
-
Abra
essa porta, menino.
-
Não
quero não.
-
O
que é que você tem?
-
Não
sei.
-
Por
que você não acaba com esse choro?
-
Não
posso não.
-
Você
vai ficar trancado aí dentro o tempo todo?
-
Vou.
-
E
sua mãe, seu pai?
-
Eu
não quero ver ninguém.
-
Jura?
-
Não
quero.
-
E
seus brinquedos?
-
Dê
pro Tonico.
-
Deixe
de bobagem, Vilinho. Tudo já passou.
-
Eu
não vou esquecer.
-
Esqueça
tudo, Vilinho. Você já é um homem.
-
Não
posso.
-
Mas
que coisa mais esquisita!
-
Ainda
dói, tio.
-
O
quê?
-
Dói
muito, aqui no lado esquerdo.
-
Você
foi o vencedor?
-
Fui.
-
E
então? O que é que você mais queria?
-
Isso
não importa.
-
Como
não importa?
-
Eu
já disse que nunca vou esquecer.
-
Tire,
menino, tire logo essas bobagens da
cabeça.
-
Não
posso.
-
E
por que você não pode?
-
Tio,
por favor...
-
Olhe,
o Tonico e o Dudu estão aqui fora.
-
Eles
ainda estão aí? E por que não vão embora?
-
Eles
estão dizendo que você tinha razão, foi provocado primeiro.
-
Eu
não queria.
-
Hein?
-
Não
queria brigar não.
-
Mas
isso tinha que acontecer um dia.
-
Eu
já disse que não queria.
-
Aconteceu
também comigo quando eu tinha a sua idade.
-
Antes
eu tivesse dado a bola a ele.
-
Ele
quem?
-
O
Armando, que quis tomar minha bola.
-
O
filho do juiz?
-
Ele
mesmo.
-
Mas
ele é maior que você!
-
É.
-
E
você ganhou mesmo a briga?
-
Ganhei.
-
No
duro?
-
Ganhei.
-
Fale
a verdade.
-
Estou
falando.
-
Você
bateu muito nele?
-
Bati.
-
-
Então por que todo esse choro? Por que ficar trancado aí dentro o tempo
todo?
-
Eu
não tive outro jeito.
-
O
que mesmo?
-
Não
tive outro jeito.
-
Abra
essa porta, menino!
-
Não
abro.
-
Vai
abrir ou não vai?
-
Acredite,
tio, só bati nele pra me defender.
Um
choro agudo irrompeu dentro do quarto.
-
Abra
essa porta, Vilinho. Por que você não quer abrir?
-
Não
posso.
-
Abra
logo. O Tonico e o Dudu estão querendo falar com você.
-
Não
me interessa falar com ninguém.
-
Por
que você não quer?
-
Porque
não quero.
-
Quer
que eu mande chamar seus pais?
-
Não.
-
Tem
certeza?
-
Tenho.
-
E
o que é que você quer que eu faça?
-
Tio,
por favor, vá embora... me deixe aqui em paz.
E
o choro agudo continuou dentro do quarto.
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