AINDA FACULDADE DE DIREITO
Cyro de Mattos
Ingressei na Faculdade de
Direito da Universidade Federal da Bahia quando era localizada na Praça da
Piedade, nas imediações do Gabinete Português de Leitura, terminando o curso no
prédio novo construído no Vale do
Canela.
Informo que na minha turma
da Faculdade, idos de 1958 a 1962, havia
o deputado federal Raul Ferraz, o deputado estadual Arquimedes Pedreira e a
Desembargadora Lucy Lopes Moreira. O pensador social João Berbert, o que se foi
tão cedo na viagem sem regresso. O padre Jair e o pianista Mário Boavista.
Havia também uma juíza da Justiça do Trabalho, Marietinha, a pequena notável.
Um juiz da Justiça Comum, Artur Caria, que usava óculos de lentes fortes, e o
jurista Dylson Dórea, a causar espanto com o brilho de sua memória. O casal
João Pedro e Célia, os noivos Eduardo Adami e Lícia. A estonteante Ynessa. O
empresário Marcelo Gomes, alegre baterista do conjunto que tocava na faculdade,
à noite, aos sábados. O nigeriano Edvaldo Brito, tributarista admirável, ‘’croner’’
do conjunto e o orador da turma. O civilista Antônio Luís Calmon Teixeira, de
fino trato e jeito manso, campeão imbatível de pesca submarina nas águas do Rio
Vermelho. O sinfônico Afrânio, tocador de oboé e outros instrumentos de música
erudita. Os craques Adalberto, Jair, Marcelo Santos e Cadilaque. O filósofo
Álvaro Peres, o poeta maior Ildásio Tavares, o magnífico romancista João Ubaldo
Ribeiro e o arguto crítico literário Davi Sales.
Ressalta o cronista as
molequeiras do delegado Dermeval Pó-Secante. As aventuras do Mascate Edvaldo
Bispo, consagrado por tribos comedoras de gente como “O Grande Cacique
Turgulês”, quando das suas negociações de terras devolutas no Baixo, Médio e
Alto Amazonas. O faro incorrigível do promotor Cícero de Magalhães para
descobrir as batidas mais gostosas nos botecos escondidos da Cidade Baixa. Os
estudos abalizados do recatado Vilaboim, sempre recolhido à elaboração do
vigésimo e último volume da primeira parte de seu Tratado Puro de Direito
Internacional decorrente do comportamento atávico do urubu nas correntes
aéreas.
Se lembrar é maneira de
conhecer a vida, amá-la no vertical aceno das distâncias, como é bom saber que
tive dentro daquela faculdade uma juventude marcante, a inscrever no tempo um
calendário feito de sensações ricas, gestos discordantes e atos solidários.
Discussões acaloradas aconteciam num ambiente de companheirismo, as opiniões se
fazendo livres em seus ritmos de passagem. O pensamento ideológico
conflitava-se e terminava muitas vezes em amizade permanente, o ideal dava
lugar às relações cotidianas fora das dimensões críticas.
De anel no dedo e diploma
na mão, regressaria ao Sul da Bahia com muitas lembranças agradáveis de
meus idos acadêmicos na gloriosa Faculdade de Direito. Depois de muitos anos de
militância profissional, questionando o percurso do moço do interior que se fez
advogado, proclamaria dentro de mim a certeza dos que não se agacharam neste
chão verbal da lei com suas ervas
daninhas nestes versos:
“O sinete cônscio sempre
para deslindar os cipós
na terra a se fazer limpa
refrescada pela chuva
fecundada por um sol
com
seus raios quentes
na
pauta e julgamento,
o mundo
desses crimes
nos
porões e sonhos
de
minha própria lei”.
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