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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020




AINDA FACULDADE DE DIREITO

Cyro de Mattos



Ingressei na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia quando era localizada na Praça da Piedade, nas imediações do Gabinete Português de Leitura, terminando o curso no prédio novo  construído no Vale do Canela.
Informo que na minha turma da Faculdade,  idos de 1958 a 1962, havia o deputado federal Raul Ferraz, o deputado estadual Arquimedes Pedreira e a Desembargadora Lucy Lopes Moreira. O pensador social João Berbert, o que se foi tão cedo na viagem sem regresso. O padre Jair e o pianista Mário Boavista. Havia também uma juíza da Justiça do Trabalho, Marietinha, a pequena notável. Um juiz da Justiça Comum, Artur Caria, que usava óculos de lentes fortes, e o jurista Dylson Dórea, a causar espanto com o brilho de sua memória. O casal João Pedro e Célia, os noivos Eduardo Adami e Lícia. A estonteante Ynessa. O empresário Marcelo Gomes, alegre baterista do conjunto que tocava na faculdade, à noite, aos sábados. O nigeriano Edvaldo Brito, tributarista admirável, ‘’croner’’ do conjunto e o orador da turma. O civilista Antônio Luís Calmon Teixeira, de fino trato e jeito manso, campeão imbatível de pesca submarina nas águas do Rio Vermelho. O sinfônico Afrânio, tocador de oboé e outros instrumentos de música erudita. Os craques Adalberto, Jair, Marcelo Santos e Cadilaque. O filósofo Álvaro Peres, o poeta maior Ildásio Tavares, o magnífico romancista João Ubaldo Ribeiro e o arguto crítico literário Davi Sales.
Ressalta o cronista as molequeiras do delegado Dermeval Pó-Secante. As aventuras do Mascate Edvaldo Bispo, consagrado por tribos comedoras de gente como “O Grande Cacique Turgulês”, quando das suas negociações de terras devolutas no Baixo, Médio e Alto Amazonas. O faro incorrigível do promotor Cícero de Magalhães para descobrir as batidas mais gostosas nos botecos escondidos da Cidade Baixa. Os estudos abalizados do recatado Vilaboim, sempre recolhido à elaboração do vigésimo e último volume da primeira parte de seu Tratado Puro de Direito Internacional decorrente do comportamento atávico do urubu nas correntes aéreas.
Se lembrar é maneira de conhecer a vida, amá-la no vertical aceno das distâncias, como é bom saber que tive dentro daquela faculdade uma juventude marcante, a inscrever no tempo um calendário feito de sensações ricas, gestos discordantes e atos solidários. Discussões acaloradas aconteciam num ambiente de companheirismo, as opiniões se fazendo livres em seus ritmos de passagem. O pensamento ideológico conflitava-se e terminava muitas vezes em amizade permanente, o ideal dava lugar às relações cotidianas fora das dimensões críticas.
De anel no dedo e diploma na mão, regressaria ao Sul                                                                                 da Bahia com muitas lembranças agradáveis de meus idos acadêmicos na gloriosa Faculdade de Direito. Depois de muitos anos de militância profissional, questionando o percurso do moço do interior que se fez advogado, proclamaria dentro de mim a certeza dos que não se agacharam neste chão verbal  da lei com suas ervas daninhas nestes versos:
           
         “O sinete cônscio sempre
            para deslindar os cipós
            na terra a se fazer limpa
            refrescada pela chuva
            fecundada por um sol
com seus raios quentes
na pauta e julgamento,
o mundo desses crimes
nos porões e sonhos
de minha própria lei”.

                                 



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