Sete de Setembro
Cyro de Mattos
Atento assistia na televisão o desfile de Sete de Setembro, acontecendo na
avenida Cinquentenário. Vieram de repente de dentro do homem com acumuladas
juventudes duas lembranças longínquas, dizendo-me no coração coisas desse dia
revestido de civismo e evocação da pátria. Na primeira delas, o moço
compenetrado desfilava em sua terra natal vestido na farda gloriosa do único
ginásio da cidade.
Ginásio Divina Providência. Setembro tinha sentido com a cor do desfile
no ar verde e amarelo. Tambores uníssonos, compenetrados do toque, rufavam a
pátria amada. Marcha cívica ou efervescente música na pele de adolescentes com
a alma de girassóis flamantes? Nem o aguaceiro que despencou de súbito conseguiu
tirar o brilho de um escudo glorioso na marcha, sob os passos encharcados de
sonho.
A outra lembrança chegava-me do desfile em que participei duas vezes em
Salvador como aluno do Centro de Preparação de Oficiais de Reserva do Exército Brasileiro.
Desfilei com um fuzil pesado no ombro, vestido
na farda verde oliva, de tecido grosso, do Campo Grande até a Praça da Sé. Antes do desfile começar, recorria aos goles
de água ardente levada no cantil, para que assim os sentimentos cívicos sustentassem
meus passos na impassível performance ditada pela marcha, retumbante e solene.
Naqueles idos perdidos na nebulosa do tempo, cursei
o Serviço de Intendência durante dois anos no quartel do Forte de São Joaquim
da VI Região Militar, situado em Águas de Menino, em Salvador de Bahia. A Sexta Região Militar abrangia o território
formado pela Bahia e Sergipe. No início do
curso, tudo era desafio, o aprendizado sobre a vida militar decorria das aulas
teóricas constantes, com exames em cada mês, exercícios no pátio do quartel, marchas
e acampamentos no terreno árido, despovoado, onde não se ouvia o canto de um
passarinho.
Lá, naqueles ermos distantes de
uma cidade do interior, aprendíamos movimentos de guerra com treinamento de
tiros ao alvo, simulação de ataque e defesa, tomada de assalto das posições
estratégicas do inimigo. O tempo podia estar chuvoso, a água invadindo a
barraca no mato ou com um calor abrasador, de queimar a pele, o corpo com o
suor pegajoso, os exercícios prosseguiam na crueza do dia estafante. Sem hesitar, sérios, sempre os alunos mais
velhos diziam para os novos: “Acostumem depressa, não esperem moleza, pior é na
guerra!”
Tudo aconteceu como devia ser. Fui diplomado pelo Exército Brasileiro da
VI Região Militar como Tenente da Reserva, no Serviço de Intendência. Ufa! O “266”, como assim o moço do interior era
identificado no curso, sorriu em definitivo com a conquista briosa e patriótica
em fase importante de sua juventude, cheia de momentos impossíveis de esquecer.
Dava graças a Deus ao encerrar meu serviço militar, fundamentado na disciplina,
obrigação e fidelidade aos momentos adversos quando fosse chamado para lutar
com coragem em defesa da pátria.
Tempos depois, tudo me pareceu normal durante aqueles momentos ásperos na
prestação do serviço militar. A
princípio, o moço do interior não se conformava de terem sido interrompidos os
momentos bons que correspondiam a uma fase psíquica de sua vida. Houve cenas na
juventude como desafios marcados de prazer nas descobertas. Justamente naquela
paisagem em que entravam namoros nos bailes estudantis, aventuras no domingo
azul do mar. Jornadas que rolavam nas ondas acaloradas do tempo, ao balanço da
cidade de santos e orixás, porejando de magia e crença na sua beleza antiga.
Se a vida passa, muda, menos o tempo, que é irreversível em sua
categórica condição de ser hoje como ontem, dando e tomando, alegrou-me agora reviver
momentos daquele tempo quando então participei no desfile de Sete de Setembro.
Pensando bem, desfilar durante o Sete de Setembro com um fuzil pesado no
ombro, em percurso longo, não era nada, o pior só mesmo na guerra, como
observavam os alunos mais antigos no quartel ou acampamento.
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