As
meninas do coronel
Cyro de Mattos
Ficcionista,
poeta, autor de livros para crianças, memorialista, orador primoroso,
presidente por dois mandatos da Academia de Letras da Bahia, Aramis Ribeiro
Costa é figura das mais representativas no ambiente literário e cultural da
Bahia. É autor de 23 livros, de diversos gêneros. Com As Meninas do Coronel (2023)
publica o seu terceiro romance, que a exemplo dos outros dois, Uma Varanda
para o Jardim (1993) e Um Corpo Caído no Chão (2018), tem como
cenário Salvador no tempo que essa boa terra era chamada de Bahia.
Desse
terceiro romance, de fluência espantosa, narrativa que seduz ao longo de 653
páginas, o autor de novo se apresenta com a sua impressão digital procedente de
um ficcionista seguro, senhor de imaginário fecundo, estilo elegante, que não
se separa da trama envolvente um minuto sequer em cada página escrita. Em As Meninas do Coronel, o cenário
dessa Bahia reconstituída de beleza antiga, ambiente agradável, os costumes
eram impostos por preconceitos e padrões regrados pelo modelo social
organizado.
Sobre a situação material e de tristeza das
quatro moças, que não possuem parentes, não tem amigos, não recebem visitas,
Lustosa, personagem coadjuvante, que não se acha médico nem capitão da polícia
militar, apenas um jardineiro, observa:
“As
moças não ficarão mal. Ficarão mal de tristeza, porque eram muito apegadas ao
pai e só tinham ele. Mas, são moças. Tem
a vida pela frente. E tudo passa, até as maiores dores. Desde que nascemos, ao
longo de toda a nossa vida, o tempo nos mata e nos devolve, nos mata e nos
devolve, até que, um dia, apenas nos mata. Mas ainda não é o caso delas. O
senhor não concorda comigo?” (pg. 41)
São quatro moças lindas, de traços formosos,
que chamam atenção, a mais velha é a Ernestina, herdou o temperamento duro do
pai, Ludmila gosta de ler romances, contos e poesias, Fabiola é a mais bonita
de todas, passa o tempo ouvindo no grande rádio de madeira cantores famosos da
Rádio Mayrink Veiga e da Nacional, e a mais nova, Milceia, não se separa da
ideia de ser médica. São conhecidas como as meninas do Coronel Honório
Mendonça, homem admirado por suas atitudes rígidas no comando da Polícia
Militar. Quatro flores, como se dizia, que habitam o casarão da Rua Lellis
Piedade, quando então no bairro de Itapagipe se levava os dias com a vida
repetida pelas ondas da tranquilidade. Uma época em que a cidade se movimentava
com o bonde, a lotação e a marinete, ônibus de cadeira dura, desconfortável.
Há
passagens nesse romance imenso que se conectam com o trágico e o dramático,
contribuindo na junção dos atritos e sentimentos tristes para a formação de
amálgama harmonioso com suas notas tocantes, marcadas de anseios, incertezas,
impossibilidades. Esta música esplêndida
numa espécie de simbologia traumática, a exigir na trama desafiadora a presença
avassaladora de um ficcionista de habilidade singular, que se expresse diante
das ocorrências com naturalidade e grandeza criativa. É o caso de Aramis Ribeiro
Costa, com a sua maneira de projetar o literário como forma de conhecimento da
existência, com os seus mistérios produzidos por lances do destino. Dessa vez
nesse romance de sentimentos sofridos, mas também de algumas vivências alegres,
como sempre acontece na vida em sua rotação cotidiana. Estes tons, estes
gestos, estes movimentos que parecem simples à primeira vista, mas que formam
uma melodia necessária, harmoniosa e aguda, de intensa vitalidade, na
construção incrível de uma estética refinada, pontilhada de desencontros,
caminhos insólitos que procuram achar o seu rumo. De tal sorte que o leitor
cúmplice na leitura posta sob o enlace criativo da beleza, usada com a
utilidade e o bem-estar inerentes à palavra mítica, sempre com uma peculiar
maestria, se encontre sob a sensação nunca sentida e que se reconheça nela a
origem de seus próprios sentimentos.
O certo é que Aramis Ribeiro Costa,
escritor versátil, acostumado a viajar pelos prados do sonho, produziu uma obra
prima de romance contemporâneo brasileiro, inserindo no seu panorama a presença
da Bahia dos anos 50, uma cidade com ares aprazíveis, mas que tem ritmo largo e
intensidade de alma em quatro moças solteiras, vivendo seus anseios num casarão
do bairro de Itapagipe. Isso lhe dá um lugar assegurado entre ficcionistas de
escrita robusta, vasto ritmo, como Cornélio Pena, Jorge Amado, Josué Montelo, João
Ubaldo Ribeiro, Érico Veríssimo e Herberto Sales, entre tantos que com
competência indiscutível souberam imaginar o mundo com suas simulações
verdadeiras diante do efêmero que passa. Dotado de beleza que nos faz criaturas
duradouras, enquanto existamos como seres racionais, emotivos, caminhando numa
estrada perigosa, de natureza enigmática, de perdas e incertezas, nesta velha e
nova canção.
COSTA,
Aramis Ribeiro. As meninas do coronel, editora Via litterarum,
Itabuna-Bahia, 2022.
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