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terça-feira, 24 de setembro de 2024

 

           Eleições daquele tempo

Cyro de Mattos

 

Os comícios aconteceram naquele ano sem as ofensas pessoais dos oradores, que costumavam fazer uns para os seus rivais com veemência.  Prosseguiram num clima de paz, no centro comercial e bairros, até mesmo nos distritos de Mutuns e Ferradas, onde sempre terminavam em correria, pancadaria no meio dos zumbidos de bala.

           O povo cada vez mais ficava vivamente impressionado com os programas partidários, divulgados também pelo alto-falante na medida em que o dia das eleições ia se aproximando. Os candidatos esgoelavam-se no palanque, alguns no ponto máximo das promessas disparadas até choravam, uns davam a entender que podiam desmaiar a qualquer momento no meio das palavras que soltavam radiantes da garganta empolgada. Propagavam com firmeza a chegada de ventos mais do que justos e generosos para soprarem, constantemente, em qualquer sociedade que se dizia civilizada.

          Quem lá esteve, no último comício da situação, custava a acreditar como na praça coube tanta gente. Não havia lugar para uma agulha no ambiente  abarrotado de gente jovem, amadurecida e idosa, alguns mal podiam andar apoiados na bengala. Havia muitas faixas e bandeiras desfraldadas, cartazes grandes com o retrato do Coronel mais abastado da cidade, sério, bigode retorcido nas pontas, trajado com o uniforme da Guarda Nacional. 

        Na noite contagiada de euforia, com uma temperatura que chegava a 40 graus, parecia ali a cidade uma só voz barulhenta, queimando as palavras recheadas de promessa. Os mais empolgados não cansavam de dar vivas e aplaudir os candidatos a vereador, quando então um deles era apresentado para pronunciar o discurso pela ordem de chamada do locutor Timóteo, com a voz já rouca, mas ainda cheia de entusiasmo. 

                    Naquela noite com muita alegria, quem poderia imaginar que alguém da oposição soltaria o boi brabo para correr no meio da multidão que se apertava na praça. Foi aí, no ponto mais arrojado do discurso daquele homenzarrão agitado, a rigor trajado com o uniforme da Guarda Nacional, só faltando engolir o microfone, que de repente se ouviu irromper do meio da multidão o grito ameaçador:

          Corre que é boi brabo!

          Não se viu outra coisa do que gente correr para todos os lados. O palanque desabou com os candidatos locais e a comitiva visitante. Homens sisudos meteram-se debaixo dos carros. A gritaria generalizou-se com a multidão esparramada como num estouro de boiada.

          O locutor Timóteo relatou no outro dia pelo alto-falante do Serviço Regional de Propaganda Comercial o noticiário dos acontecimentos daquela noite tumultuada, que de repente se tornou num corre-corre generalizado, cheia de rostos medonhos, de aflição com os gritos repetidos, Deus me acuda, não me empurre, me socorre, sai da frente, se não quiser ser pisado. Felizmente não houve mortes, apenas alguns casos de ferimentos leves. Nada disso impediu que a situação tivesse a vitória apertada nas urnas apuradas.

 

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