Páginas

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

 

Resenha sobre Do Menino Se Fez o Homem, romance de Cyro de Mattos, por Ivo Kory


Do alto de suas oito décadas e meia de vida, Cyro de Mattos pode se orgulhar de ter dedicado sua jornada à nobre causa da criação literária em vários gêneros: poesia, ensaio, conto, romance, crônica, texto jornalístico e infanto-juvenil. Mas, à semelhança de Goethe que, na velhice, surpreendeu o mundo com seu inovador Fausto II, Cyro não deita sobre os louros da vitória, ao contrário, ele sempre surpreende, sempre se renova, cria algo de novo.

Agora eis que Cyro de Mattos resolve destilar sua experiência de vida e nos surpreende com seu romance de formação Do menino se fez o homemNão se trata de obra autobiográfica, e sim de uma obra de autoficção: ficção baseada até certo ponto na vivência do autor ou, nas palavras do próprio Cyro, “reinvenção do real com as experiências do autor, que assim procedendo cria outro ego”. E o que é um romance de formação? O termo é uma tradução do alemão Bildungsroman e o criador do gênero foi o genial poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe com sua obra Os anos de aprendizado de Wilhelm MeisterTrata-se do romance que descreve o desenvolvimento de um personagem, desde a sua infância ou adolescência até a maturidade, como esclarece o verbete “Bildungsroman” da Wikipédia. Da criança (ou adolescente) se faz o homem.

Segundo Massaud Moisés, no seu Dicionário de termos literários, podem-se considerar romances de formação na literatura brasileira, “até certo ponto, [...] O Ateneu (1888), de Raul Pompéia, Amar, verbo intransitivo (1927), de Mário de Andrade, os romances do ciclo do açúcar (1933-1937), de José Lins do Rego, Mundos mortos (1937), de Octávio de Faria [...]”.

O romance de Cyro narra a trajetória de Frederico, o Didico, filho de um pai sério, rigoroso e taciturno que dedica a vida a amealhar um patrimônio para garantir o conforto de sua família (e, quando a esposa adoece, também para cobrir de agrados uma amante mais jovem com quem passa a viver). O pai não poupa conselhos ao filho mais novo para que siga o mesmo caminho de trabalho duro e esforço que ele trilhou. Quando o filho consegue passar no exame de admissão para o ginásio – exame existente até certa época no sistema educacional brasileiro que permitia a passagem do curso primário para o curso ginasial, que hoje correspondem, respectivamente, às quatro primeiras e três ultimas séries do primeiro grau – recompensa-o com uma nota de dez cruzeiros e aconselha: “Não vá fazer besteira e gastar o dinheiro à toa. A economia, meu filho, é a base da prosperidade e sem sacrifício não há independência. Não se esqueça que do menino se faz o homem.”

Só que, em vez de fazer daquela nota a sua “moeda número um” do Tio Patinhas, guardando-a e multiplicando-a, o menino cai nas tentações de um parque de diversões que se instala na cidade, com suas luzes feéricas, suas guloseimas e brinquedos irresistíveis, e torra o dinheiro numa quermesse tentando, em vão, ganhar a bola de futebol que lhe permitiria escalar os times das peladas da rapaziada. Chega em casa sem o dinheiro e sem a bola, e leva do pai uma surra memorável que ficará gravada na memória e o inspirará, mais à frente, a tentar evitar que outras crianças de sua cidade passem pelo mesmo trauma, criando um parque onde crianças até doze anos não pagam.

Até chegar lá, desenrola-se todo o processo de formação: o ginásio local, o internato na capital Salvador, a solidão e medo na primeira noite no novo ambiente, a faculdade de direito, o primeiro grande amor por uma moça paulista, a doença da mãe, a volta triunfal dez anos depois à cidade natal, onde se estabelece como um grande advogado mas, em vez de se preocupar em enriquecer advogando para as famílias ricas da região, decide advogar em prol dos pobres. Foi assim que “do menino se fez o homem”. Uma história edificante, narrada com plasticidade e poeticidade (lembremos que, além de prosador, Cyro é um exímio poeta), levando o leitor a se esquecer de si mesmo e se transportar à pele do personagem. Bem fez o Colégio Jorge Amado, em Itabuna, que adotou o romance, publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado (Salvador), para os alunos do oitavo ano, que o usarão para uma oficina e peça de teatro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário