Meu
São João
Cyro de Mattos
Não queria ficar olhando os outros meninos soltando
fogos no São João, lá em nossa rua ou em qualquer canto da cidade. Teria que
arranjar uma maneira de ganhar algum dinheiro para comprar os fogos. Pensei em
vender revistas e jornais velhos aos donos de armazém na Rua da Lama. Sabia que
jornal velho servia para enrolar certas coisas que os donos de armazém vendiam.
Tinha observado um dia seu Júlio Sergipano enrolando sabão no balcão do armazém
com uma folha de jornal velho. Pensei também em vender garrafas ao dono de uma
pequena fábrica de vinagre perto da nossa casa.
Ia de casa em casa, procurando por jornais e revistas
velhos, garrafas grandes e pequenas. Com o dinheiro que ganhava, vendendo
garrafa, revistas e jornais velhos, ia comprando os fogos para soltar no São
João. Guardava-os numa caixa de sapato, que escondia debaixo da cama para que
meu pai não os descobrisse. Se ele
descobrisse que eu estava comprando fogos para soltar no São João, certamente
ia argumentar zangado:
- Do menino se faz o homem, tenha juízo. Guarde seu
dinheiro para usar com as coisas sérias e não para queimá-lo com fogos no São
João. É uma grande besteira o que você quer fazer, muitas vezes já lhe disse
isso. Finalizava: - Soltar fogos é queimar dinheiro.
Esperava meu pai dormir no quarto ao lado e, quando
percebia que ele estava ferrado no sono, apanhava debaixo da cama a caixa de
sapato com os fogos que vinha juntando para soltar no São João. Ficava
examinando pacientemente os fogos que tinha comprado com dificuldade. Passava e
repassava-os diante de meus olhos encantados, mesmo sabendo que ainda eram
poucos: chuva de prata, chuva de ouro, cobrinha, estrelinha, fósforo de cor,
traques e vulcão.
Os dias demoravam de passar até chegar o mês de São
João, embora desejasse que voassem o mais rápido possível. De vez em quando ia
olhar na folhinha quantos dias faltavam para chegar o dia tão esperado. Fazia as contas e via que faltavam quase três
meses para a chegada da festa do santo que tinha um carneirinho, como uma vez
tinha visto a imagem no quadro emoldurado da Vidraçaria Santo Antonio,
pendurado na parede.
Quando percebi no mês de maio que não estava mais
conseguindo garrafas para vender, nem revistas e jornais velhos, chegou-me aquela
ideia de vender minhas revistas em quadrinhos, além dos dois álbuns de
figurinhas, um com os jogadores de futebol dos times do Rio e o outro com os
artistas do cinema americano.
Não seria difícil vender meus álbuns de figurinhas
entre os meninos lá da rua. Tanto o álbum de jogadores de futebol como o de
artistas de cinema eram cobiçados por muitos meninos da cidade. Ambos estavam
completos, tinha conseguido preenchê-los
com as figurinhas mais difíceis, que ainda faltavam. E as revistas em
quadrinhos? Tinha minhas dúvidas se ia
conseguir vender algumas delas, qualquer menino lá da rua já havia lido todas
elas.
Depois de resistir uns dias, vendi os dois álbuns de
figurinhas ao filho do juiz por um bom preço. E, sem esperança, fui vender
depois minhas revistas em quadrinhos no passeio do Cine Itabuna. Para a minha
satisfação, vendi todas elas nos quatro domingos do mês de maio. Espalhados no
passeio do cinema, sempre vendia meus
gibis e guris velhos aos outros meninos antes de começar a primeira sessão da
matinê.
Tive então um susto esplêndido quando chegou o mês de
junho e percebi que possuía agora seis caixas de sapato cheias de fogos,
podendo naquele ano de inverno frio soltá-los
nos dias de São João e em São Pedro.
Enquanto fui menino nunca deixei de soltar fogos no
São João e São Pedro. Sempre dava um jeito para arranjar o dinheiro e comprar os fogos. Soltava-os e queria soltar
mais. Nunca estava satisfeito. Lá pras nove horas da noite lembrava de ir com a turma de amigos soltar
balõezinhos na beira do rio. Era uma sensação de vitória quando acendíamos o balão e víamos o vento levá-lo vagaroso
acima do rio. Tínhamos certeza que os balõezinhos que subiam, às vezes
oscilando, conquistavam as estrelas e a lua, lá no alto do céu.
Ah, aquelas noites de junho, o coração tanto queria.
Crepitavam dentro de mim antes que chegassem com as fogueiras acesas nas ruas.
Pipocavam com bombas e foguetes. Esbanjavam com licor e canjica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário