O Sol no Coração
Cyro de Mattos
O estrangeiro viu todo mundo cantando e dançando na chuva
quando chegou à cidade. Qual seria o motivo para toda aquela alegria? A região
era muito seca e há anos não se via
cair do céu uma gota d’água? – o estrangeiro indagava-se.
De canto a canto, a
cidade era só euforia, subia da terra
aquele cheiro cheiroso de terra
molhada.
Um homem velho
informou ao estrangeiro que ali a chuva não faltava. As pessoas saíam às ruas
para cantar e dançar quando escorria na terra centenária.
O homem velho convidou o estrangeiro para viver no meio
daquela gente alegre. Adiantou que aquela gente não sabia o que era guerra,
pobreza e prostituição. Não havia entre as pessoas qualquer espécie de
preconceito.
O estrangeiro só conseguiu permanecer alguns dias na cidade.
Tremia de frio quando saía às ruas para cantar e dançar na
chuva. Teve medo de ficar doente com aquela chuva que não parava e ensopava o
corpo todo.
Regressou então à sua paisagem de cimento e aço.
Edifícios escalavam nuvens altas, a população sempre
crescente, saindo e entrando por todos os lados.
Automóveis cantavam os pneus no asfalto, a pista era disputada, palmo a palmo, na correria veloz.
Avenidas pareciam não ter fim. Viviam na colméia gigantesca pessoas vindas dos
lugares mais distantes.
O coração financeiro da cidade pulsava na avenida
principal, ninguém sabia onde era o
começo dela nem o fim.
Da janela do escritório, no trigésimo andar do edifício com
paredes e portas de vidro, olhava a paisagem enevoada da cidade sob a garoa
insistente que caía. O frio fazia com que as pessoas agasalhassem-se em roupa
de lã grossa.
Mão no queixo, perguntava por que na sua cidade as pessoas
não cantavam e dançavam quando a chuva caía nas ruas.
Por que somente naquela cidade perdida no mapa do mundo as
pessoas faziam da vida uma festa quando a chuva caía?
Ele nunca descobriu que naquela cidade longínqua e pequena
as nuvens eram pesadas lá em cima no céu, as pessoas cantavam e dançavam nas
ruas quando a chuva caía porque tinham o sol no coração.
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