Enquanto a Noite Durava
Cyro de Mattos
Deitava-me na cama com o rosto para o céu,
antes de pegar no sono. Como se fosse um astronauta sonhando acordado, percorria
o céu cintilante de estrelas .pela janela do quarto. Deus era muito
poderoso, pensava. O fazendeiro mais rico aqui na terra podia ser o dono de um sem-fim de fazendas, mas não possuía uma estrela sequer das que
Deus pregava no Seu telhado para brilhar na imensidão da noite. A professora
informou na aula de geografia que era impossível saber o tamanho exato de cada
estrela, todas elas estavam muito longe da gente. Havia cada uma que a terra
comparada não passava de uma bola pequena. Existiam bilhões de estrelas
espalhadas no sem-fim do céu, mas ninguém sabia a quantidade delas.
Uma brisa
ligeira visitava meu rosto. Levantava da cama e ia até a janela. Dali avistava o alfaiate Mafrisio trabalhando na sua tenda,
que ficava na subida da travessa. Era costume trabalhar até alta hora da noite
na tenda iluminada à luz de lampião.
Cortava com a tesoura o pano que ele havia riscado em cima do balcão. De
lá vinham vozes no rádio. Escutava o
locutor dizer que os soldados brasileiros da Segunda Guerra Mundial tinham
desfilado mais uma vez na parada de Sete de Setembro, receberam muitos aplausos quando passaram na avenida.
No quintal do vizinho,
o vento tocava música com seus dedos
invisíveis nas palhas do coqueiro. As estrelas, todas elas iluminadas, desciam
do céu para piscar em meus olhos, tontos de sono.
Uma noite tive um sonho que eu
era um astronauta Pela janelinha da
nave, uma que tinha a cor de leite,
agora contava as estrelas
espalhadas na imensidão do céu como rosários de luzes.
Na viagem que fazia pelo céu em minha
nave cor de leite, não encontrei habitantes na Lua nem em outros astros. Mas
fiquei de voltar para continuar a viagem pelo espaço na minha nave “O Lobo Branco”, até encontrar
extraterrestres. Talvez tivesse mais sorte na próxima viagem e encontrasse
habitantes nos planetas Netuno, Plutão
ou Saturno. Ou numa estrela que encontrei com
o brilho cor de ouro, onde não cheguei a pousar com a minha nave porque
já era muito tarde da noite e tinha que voltar à terra, antes que o dia amanhecesse.. Batizei aquela estrela
dourada com o nome de Solano.
Contei aos amigos o sonho que tive numa noite de verão.
Argumentei que um dia o homem ia viajar
numa nave e conheceria outros
planetas. Observei, do alto de meu saber sobre coisas do céu, que provavelmente
o homem ia encontrar vida noutro
planeta. Se não fosse como a nossa,
outro tipo de vida, com outra gente diferente de nós. Deus não ia criar tantas
estrelas, planetas, astros e colocar a vida apenas aqui na terra. Isso era
um mistério muito grande, todo mundo achava,
mas um dia o homem ia desvendá-lo.
Outra noite sonhei
que era pássaro, voava acima das casas, dava várias voltas por cima da
cidade. Parava de vez em quando, pousava na torre da igreja e ficava olhando lá de cima a cidade embaixo toda
iluminada. Imaginava então que as pessoas estavam nas suas camas
ferradas no sono, cada casa onde moravam parecia agora um bicho pesado encalhado na noite..
Enquanto a
noite durava costumava acordar com o canto dos galos ou quando o guarda apitava
na ronda noturna. O canto de cada galo vibrava no silêncio da noite, repetia-se
de quintal em
quintal. Escutava o guarda apitar na esquina e o outro
responder na rua do comércio. Eram apitos demorados e, como no canto dos galos,
feriam o silêncio da noite. Reconciliava-me com o sono, sabendo que cada apito
que o guarda dava era um aviso para que o ladrão não andasse ali perto, podia
ser preso imediatamente, caso fosse
flagrado roubando uma casa ou loja.
O guarda Hilário fazia a
ronda noturna lá na rua. Era um preto
gordo, que não dava vida boa a ladrão.
Vestia uma farda cáqui, o cinturão grosso de couro em volta do blusão com dois bolsos grandes. Calçava
coturnos pretos, que andavam sempre limpos. Quando pegava algum ladrão, no
outro dia saía com ele desfilando pela Rua do Quartel Velho até chegar à cadeia
num outeiro. O ladrão tinha a cabeça raspada, andava com as mãos segurando as
calças. Um grupo de meninos atrás acompanhava o desfile do guarda e o ladrão
pela rua onde gente curiosa aparecia no batente das portas e nas janelas.
Quando acontecia que uma casa fosse
roubada, o soldado Hilário não demorava em prender o ladrão. Em pouco tempo ele
se tornou um herói do meu coração e de
outros meninos.
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