O
Menino Fujão
Cyro
de Mattos
Permaneceu escondido atrás do poste.
Dali espreitava o sobrado onde os pais moravam, as janelas da parte térrea
estavam abertas e iluminadas. O reflexo
forte das luzes do sobrado iluminavam a rua. Os olhos receosos enxergavam o pai
agitado conversando no passeio com dois homens. Um deles era o funcionário do banco do estado. Depois
que jantava, ele tinha o costume de ficar dando voltas no pátio da casa onde
morava, dizendo que era um exercício útil que fazia para ajudar na digestão do alimento que ingerira na
refeição da noite. Tinha uma gargalhada
demorada e metálica, dando a entender que estava sempre de bem com a vida. Em noite de lua clara, gostava de fazer
sabatina no passeio de sua casa com os
meninos sobre as capitais dos países da América, Europa e Ásia. O outro
homem era o dono da casa de ferragens.
Baixote, de pouca conversa, dizia-se que era um homem triste porque a mulher
nunca lhe dera um filho. Na mocidade
havia sido ferreiro na vila de Ferradas onde tropeiros vindos do sertão faziam
pouso e ali trocavam a ferradura dos animais carregados de mantimentos.
Lá dentro do sobrado a mãe
impaciente. Chorava e perguntava a todo
instante por onde andava seu filho àquela hora da noite. Zangado, o pai não
parava de andar pela sala. Não se
conformava com a ausência do filho, que saíra pela tarde quando o sol
ainda estava quente, até àquela hora da noite não dava sinal de vida.
Pensou no plano para entrar no
sobrado, sem que ninguém percebesse.
Pularia o muro pelo lado esquerdo do sobrado, o que seria fácil. Não era
alto. Ultrapassado esse obstáculo, alcançaria a janela do banheiro nos fundos,
que dava para o quintal. Abriria a janela do banheiro, que havia deixado sem o
trinco travado para o caso de voltar tarde da noite para o sobrado. Dentro
do sobrado, com os passos macios pela cozinha, precavidos, usaria a escada
estreita que saia da cozinha para os
quartos do pavimento superior. Iria se acomodar no seu quarto.
Quando pensou em dar o primeiro passo para
a execução do plano, saindo com cuidado
por detrás do poste, um braço forte agarrou o seu corpo magro. O soldado
sorriu de contente por ter agarrado o fujão. Do rosto negro do soldado saiu um
sorriso que se abriu demorado na dentadura branca, mostrando um dente de ouro
que alumiava a boca quando ele falava.
- Achei o menino, Seu Homero! Olhe o
fujão aqui comigo!
Certamente ia receber do pai um
castigo pelo comportamento que deixou os de casa bastante aflitos.
*Cyro de Mattos é escritor
e poeta. Membro Titular da Academia de Letras da Bahia e do Pen Clube do
Brasil. Primeiro Doutor Honoris Causa
da Universidade Estadual de Santa Cruz. Pertence à Academia de letras de
Ilhéus. Um dos idealizadores da Academia de Letras de Itabuna (ALITA).
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