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sábado, 25 de março de 2017





O Menino Fujão

          Cyro de Mattos


           Permaneceu escondido atrás do poste. Dali espreitava o sobrado onde os pais moravam, as janelas da parte térrea estavam abertas e iluminadas. O  reflexo forte das luzes do sobrado iluminavam a rua. Os olhos receosos enxergavam o pai agitado conversando no passeio com dois homens. Um deles  era o funcionário do banco do estado. Depois que jantava, ele tinha o costume de ficar dando voltas no pátio da casa onde morava, dizendo que era um exercício útil que fazia para ajudar  na digestão do alimento que ingerira na refeição da noite.  Tinha uma gargalhada demorada e metálica, dando a entender que estava sempre  de bem com a vida.  Em noite de lua clara, gostava de fazer sabatina  no passeio de sua casa com os meninos  sobre as capitais  dos países da América, Europa e Ásia. O outro homem era o dono  da casa de ferragens. Baixote, de pouca conversa, dizia-se que era um homem triste porque a mulher nunca lhe dera um filho. Na  mocidade havia sido ferreiro na vila de Ferradas onde tropeiros vindos do sertão faziam pouso e ali trocavam a ferradura dos animais carregados de mantimentos.
           Lá dentro do sobrado a mãe impaciente.  Chorava e perguntava a todo instante por onde andava seu filho àquela hora da noite. Zangado, o pai não parava de andar pela sala. Não se  conformava com a ausência do filho, que saíra pela tarde quando o sol ainda estava quente, até àquela hora da noite não dava sinal de vida.
         Pensou no plano para entrar no sobrado, sem que ninguém percebesse.  Pularia o muro pelo lado esquerdo do sobrado, o que seria fácil. Não era alto. Ultrapassado esse obstáculo, alcançaria a janela do banheiro nos fundos, que dava para o quintal. Abriria a janela do banheiro, que havia deixado  sem o  trinco travado para o caso de voltar tarde da noite para o sobrado. Dentro do sobrado, com os passos macios pela cozinha, precavidos, usaria a escada estreita que saia da cozinha  para os quartos do pavimento superior. Iria se acomodar no seu quarto.
         Quando pensou em dar o primeiro passo para a execução do plano, saindo com cuidado  por detrás do poste, um braço forte agarrou o seu corpo magro. O soldado sorriu de contente por ter agarrado o fujão. Do rosto negro do soldado saiu um sorriso que se abriu demorado na dentadura branca, mostrando um dente de ouro que alumiava a boca quando ele falava.
        - Achei o menino, Seu Homero! Olhe o fujão aqui comigo! 
         Certamente ia receber do pai um castigo pelo comportamento que deixou os de casa  bastante aflitos.

*Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro Titular da Academia de Letras da Bahia e do Pen Clube do Brasil. Primeiro Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Pertence à Academia de letras de Ilhéus. Um dos idealizadores da Academia de Letras de Itabuna (ALITA).


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