Romance da Infância
Cyro de Mattos
Já vai longe
o tempo da infância na cidade onde nasci. Tinha poucas ruas calçadas, três ou quatro bairros, o jardim, o cinema, o
ginásio e a igrejinha. Seu rio, chamado
Cachoeira, descia sereno no tempo de estio. Era brabo na cheia,
derrubava as casas ribeirinhas, alagava
ruas, levava no lombo até bicho grande
morto. Dividia a cidade em duas partes. Uma gente pobre tirava dele o sustento
de suas famílias: lavadeiras, tiradores de areia, pescadores e aguadeiros.
Lá, naquela
cidade distante, joguei bola com a turma
de queridos amigos nos campinhos improvisados dos terrenos baldios.
Roubei fruta madura nos quintais das casas perto da beira do rio.
Brinquei de mocinho e bandido. Fiz a primeira comunhão e tive a primeira
namorada. Esbanjei alegria no meu primeiro carnaval pelo salão do clube
social.
Lá também
criei vaga-lumes para vê-los à noite piscando no quarto. Nadei como um peixe
ágil nos poços bem claros do rio que tinha as águas doces. Andei como um bicho
solto, sem ter medo de nada, nos caminhos do mato. Feito pássaro dava
cada voo com o vento mais alto. Quando cresci, soube que a infância tem
um sabor de fruta doce que acaba quando chega o tempo dos homens.
Não querendo que aqueles dias vividos com aventuras, descobertas e sustos
esplêndidos se perdessem no tempo que se foi, sem que eu percebesse de tão
rápido, ficando na alma trancados pelos homens,
resolvi então escrever algumas breves ficções com pedaços da infância.
Nesses episódios que reinventei com os fios eternos do sonho,
procuro compartilhar com quem quiser
ler um pouco da aventura da vida.
Percorro caminhos, para encontrar o
menino na fumaça do tempo, mas que ainda pulsa no meu coração porque não se
cansou de ser menino. Assim, anuncio que acabo de escrever meu segundo
romance, Nada Era Melhor, que se
destina ao leitor iniciante, mas também adulto. .
Cada
episódio desse romance pode ser
concebido como uma história, já que
possui autonomia na sua narrativa, conduzida na trama com os elementos tradicionais do tempo
desmembrado com princípio, meio e fim. Como cada um dos episódios é protagonizado por um menino em sua
pré-adolescência, tendo como espaço de
suas aventuras a infância, o lugar onde elas acontecem sendo uma cidade do interior baiano, no caso a
cidade onde nasci, na primeira metade do
século XX, com personagens secundárias que participam algumas vezes de
muitos eventos, não se pode deixar de
considerar que Nada Era Melhor é uma história representativa da primeira
fase da vida. Um romance, de iniciação,
como alguns escritores já fizeram na literatura ocidental. E de maneira fascinante.
Mas aviso aos
navegantes da barca literária que longe de mim a pretensão de querer ser um desses admiráveis ficcionistas,
tecedores da infância com pedaços coloridos duma aventura inocente
e vibrante. Estaria realizado como autor
se, por exemplo, tivesse assinado Menino de Engenho, de José Lins do Rego, ou Menino no Espelho, de Fernando Sabino.
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