Aguerrida
bola no pé
Cyro
de Mattos
Um time de futebol não se faz somente
com jogadores que têm o fino trato com a bola, aqueles que constroem o
jogo e funcionam como o cérebro da equipe. Precisa daquele jogador que,
impelindo-se na jogada com esforço, coragem e tenacidade destrua a intenção
do adversário. Na defesa é preciso que jogue sério, não enfeite, nem faça
filigrana, antecipe-se no lance, deixando o atacante sem pegar na bola ou
impedido de armar a jogada, frustrado. Entre os jogadores aguerridos, que se
apresentaram no Campo da Desportiva, lembro do quarto zagueiro
Itajaí e de Neném, o coringa.
Itajaí era quarto zagueiro
vigoroso. Jogou no Janízaros e na seleção amadora de Itabuna. Não perdia
a jogada, entrava duro, mas era leal na marcação do atacante. Com
ele, a bola tinha que ficar fora da zona de perigo. Acontecia que às
vezes sua jogada impetuosa cometia infração no atacante, recebia a vaia
estrondosa do torcedor rival. Ele mais se inflamava, mais se empenhava, mais
procurava anular o atacante. Só faltava comer a grama, queria a vitória do seu
querido Janízaros ou da seleção de Itabuna, sem medir esforço. Uma de suas
qualidades era não perder o tempo da bola.
Neném era o coringa do Janízaros.
Defendeu também a seleção amadora de Itabuna, meta maior que qualquer
jogador daquele tempo queria alcançar para se sentir realizado como
atleta. O fôlego nele sobrava. Como lateral direito, o ala como é chamado hoje,
incrível como corria e não cansava pela beirada do campo. Nessa posição tanto
defendia como atacava. No vaivém do jogo, como um lateral moderno, era de uma
entrega total na defensiva e ofensiva da faixa lateral do campo. Comum ir até a
linha de fundo do time rival e cruzar a bola para o atacante de seu time fazer
o gol.
Não se sabia onde era que arranjava
tanto fôlego para correr com aquela disposição. Era adepto da boêmia, dizendo
que com uma boa dama na dança, cerveja
gelada e bom papo com os colegas da noite, conseguia inspiração para atuar no
domingo seguinte como um lateral direito eficiente, de mobilidade rara no
vaivém da partida.
Era dançarino com passos que chamavam
a atenção, os malabarismos engraçados que fazia com a dama sobressaíam entre os
pares no salão. Arrancava suspiros da parceira no samba ou bolero, somente
ele sabia dançar o tango. No domingo seguinte, como se não tivesse
a gosto, durante a noite animada do sábado, véspera de jogo, corria os
noventa minutos como um velocista nato. Fazia o torcedor vibrar, a
arquibancada tremer, quando tomava a bola do atacante e saía disparado na
direção da linha de fundo do time adversário. Ninguém segurava o homem.
__________
Cyro de Mattos é contista, poeta,romancista, ensaísta,
cronista e autor de livros para crianças. Membro efetivo da Academia de Letras
da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz.
Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal,
Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Conquistou o Prêmio
Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, com o
livro “Cancioneiro do Cacau”, o Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras,
com “Os Brabos”, contos, o APCA com “O
Menino Camelô” e O Prêmio Nacional Pen Clube do Brasil com o romance “Os Ventos
Gemedores”. Finalista do Jabuti três vezes.
Distinguido com a Ordem do Mérito da Bahia. Pertence ao Pen Clube do
Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário