Arte de Contar História
Cyro de Mattos
O que é o conto? São
muitas as definições que se encontram na
produção desse gênero literário, que se fez autônomo como entidade
literária na sua evolução, estruturado nos
limites das características próprias, variando,
nas suas expressões, como breve história que relata um acontecimento ou como um corte no fluxo da vida. Devido à dificuldade
para precisar o que significa, nenhuma definição
basta-se para informar o que é esse gênero. O conto tem aparência
fácil, mas é difícil de ser escrito,
como já notara Machado de Assis,
importante contista brasileiro de acontecimentos interiores.
As primeiras
manifestações do conto começam através da oralidade e se perdem em tempos
remotíssimos. Decorrente da convivência humana, contar história reuniu as
pessoas que contam e as que escutam, em agrupamentos humanos primitivos, com os sacerdotes e os discípulos juntos para
a transmissão de ritos e mitos da tribo. No seu hábito milenar chega aos nossos
tempos, à hora da refeição em torno da mesa ou perto do fogão a lenha.
Ainda sem a marca da
tradição escrita, alguns acham que os contos mágicos dos egípcios são os mais
antigos, remontam a 4 000 anos antes de Cristo.
Detectar as fases da evolução da arte de contar história é ir de
encontro ao itinerário da própria história da humanidade, de sua cultura e dos
momentos da narrativa que a representa.
Convém lembrar a história de Caim e Abel na Bíblia, várias estórias que
existem na Odisseia e Ilíada, de Homero, os contos do oriente
e As mil e uma noites, que da Pérsia,
no século X, expandem-se para o Egito,
no século XII, e para toda a Europa, no século XVIII.
No século XIV, o
registro escrito do conto ganha uma dimensão estética com o Decameron
(1350), de Bocaccio. No século XVI aparecem as Novelas Ejemplares (1613),
de Cervantes, enquanto no fim do século surgem os Contos da mãe Gansa, de Charles Perrault. No século XVIII, La Fontaine aparece no
cenário do conto como exímio contador de
fábulas, que são breves histórias vividas por animais com o fim instrutivo. .
No século XIX prevalece
o conto motivado pela cultura medieval, ligado ao folclore e ao popular. É
pelo desenvolvimento da imprensa
que o conto encontra o espaço ideal para ser publicado em revistas e
jornais. O nome de Edgar Alan Poe insere-se
como fundamental no momento da criação do conto moderno. O criador do
conto como unidade de efeito propõe em
sua teoria para esse gênero de curta duração na escrita o acontecimento
extraordinário disposto na sucessão
dos momentos de princípio, meio e
fim. Com Edgar Alan Poe, um projeto
humano para o conto é proposto no qual
os acontecimentos obedecem a uma ordem e
se organizam em uma série temporal
estruturada. Anton Checov vai substituir
o momento do meio no conto tradicional
pela atmosfera criada com os acontecimentos interiores.
São muitos os autores
que se destacam na construção do conto moderno, ao trocar a técnica convencional por novos meios de
narrar uma história breve. E, entre
eles, Faulkner, Jorge Luís Borges, Julio
Cortázar, Katherine Mansfield e Clarice
Lispector. Transitam esses contistas do
que era disposto numa ordem linear para um discurso mesclado com feelings, sensações, percepções,
fragmentos, revelações, sugestões íntimas,
monólogo ininterrupto, fluxo de consciência, labirintos do pensamento...
O que era verdade para vários personagens na história clássica, aventura e reviravolta nos acontecimentos
extraordinários, tende a ser agora a
prevalência do conflito ou labirinto do
herói crítico.
O conto é uma breve
narrativa do acontecimento verdadeiramente falso, com princípio, meio e fim, na execução
antiga. É síntese da vida, que deixa ao final uma
impressão forte no seu auditório. Como querem os modernos, o conto é o corte
crítico no fluxo da vida, fragmento que enfoca o conflito no espaço breve da
ação ou movimento, sem a
importância que se dava antes ao enredo (plot).
Como acender e apagar
de vagalume, obedecendo ou não a uma
ordem linear dos acontecimentos,
estruturado com simplicidade para alcançar a intensidade, resolução do epílogo, ou como fragmento
para externar a síntese no fluxo
da vida, usando para isso os elementos novos de sua invenção, o conto torna-se
um problema quanto à sua terminologia quando incorpora à sua estrutura
elementos de outras artes e novas técnicas.
É conhecido o gracejo de Mário de Andrade quando diz que o conto é tudo
que o leitor aceita como conto.
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