Homem Insuportável
Cyro de Mattos
Não que fosse cheio de
rancor. Depressivo, pessimista.
Alimentada era a alma com
as coisas boas da vida.
Só que ninguém queria
chegar perto dele para um dedo de prosa. Vizinhos evitavam encontrá-lo. Não queriam cruzar com ele no mesmo passeio.
A pobre mulher faleceu
daquele odor horrível. Generosa, sacrificada. Uma santa, os vizinhos
comentavam. Durante anos suportar o cheiro mal-cheiroso do marido.
Comigo ninguém pode, nem
percevejo nem bode, dizia contente, sorrindo.
Acostumado à solidão da casa.
Desde pequeno o pavor de
água. A mãe empurrava–o para o banheiro aos gritos. Ameaçava-o com os piores
castigos. Resistia até quando podia. A
presença do pai com a taca na mão intimidava-o. Ficava sem saída. Um horror
quando a água do chuveiro batia na pele fétida. Chorava alto.
Quando ficasse grande, sairia de casa para não
sofrer o castigo diário. Banho de água fria ou quente nunca mais.
Jovem, em plena força da idade, cada dia mais
distante de um banho para refrescar o corpo no verão. Demorava dias. Mesmo que
fosse rápido. Num abrir e fechar de olho. Resistia.
O cheiro insuportável
aderindo à pele, grossa como casca de madeira,
com o lodo dos anos passando,
encrespando, cascuda.
Aproveitava o calorão do
tempo abafado como numa estufa. Passeio sob o sol a pino. Voltava para a casa com o corpo molhado de
suor. Tirava a roupa, torcia a calça, a camisa. Deixava aquele caldo oleoso ir
caindo da roupa na bacia. Aí, sim,
jogava-o no corpo aos poucos. Não se
enxugava. Lograva com isso o suor
extraído do corpo, suficiente para banhá-lo como se água
fosse.
No ônibus ninguém se
aventurava a ficar perto dele. Passageiros espirravam. Tapavam o nariz. Alguns
esbravejavam.
Urubus ficavam assanhados
no telhado, pressentiam que ele circulava entre os cômodos da casa.
Os vizinhos nem conseguiam mais
dormir.
Achou conveniente ir morar na cadeia.
Conviver com aquela gente imunda. Como ele. Certamente não gostava de tomar
banho.
Os presos fizeram greve de fome.
Exigiram que saísse o mais breve da cadeia. O mau cheiro vindo de sua cela
deixava todos eles enfurecidos, gritando, ameaçando-o de morte.
Sem querer mais transtornos, decidiu
morar nos arredores da cidade. Lugar
solitário. Somente ele, ninguém mais. Junto do lixão.
Teve um dia que trancou
portas e janelas. E lá dentro, no
escuro, permaneceu para sempre.
Protegido dos clamores, ameaças, xingamentos. Em seu reduto intransponível.
Somente ele com a fedentina do corpo.
Deleite das horas, absorvidas com o maior prazer.
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