Prosa de Ano Novo
Grupos de pessoas vestidas
de branco ocupam desde cedo as areias de Copacabana. Branco é a cor que se usa
nesse dia especial. Dizem os fiéis que o branco nesse dia dá sorte, atrai os
fluidos bons dos ventos que vão ser trazidos pelo Ano Novo. Festa de chegada do
Ano Novo na praia de Copacabana atrai muita gente de várias partes do Rio, de
todo o país e do exterior. Os fiéis vêm fazer suas preces e entregar presentes
a Iemanjá. Flores, perfumes, espelhos, pentes e fitas no pequeno barco
enfeitado são levados às ondas. Em sua linguagem mágica, atabaques tocam no tom
cativante. Cânticos orantes saem de vozes suaves e contritas. Lamentos e
pedidos.
Os pedidos são para que a
Rainha do Mar apague o fogo dos inimigos com a força de suas águas. Traga ondas
cheias de paz, saúde e prosperidade. Que sejam levados para os espaços mais
profundos do mar desconhecido as dores, privações e ressentimentos.
Com o sol se pondo, o
movimento de pessoas vai aumentando nas areias de Copacabana. À noite vai ser
difícil alguém encontrar um espaço para se instalar de maneira cômoda. Turistas
em trânsito pelo calçadão vão querer se aproximar dos grupos de pessoas que
estarão entoando cânticos em torno do círculo de velas acesas na praia. Mais um
ano que se vai e outro que vem, quando os ponteiros do relógio se encontrar
nesse momento mais aguardado, irromperem as sirenes, soarem as buzinas no
asfalto. Fogos de artifício soltarem suas flores e cores no céu, cascata cair do
edifício num visual que emociona.
Todos os anos a mesma
espera, a trégua igual, ritmo de onda que se estende por uma antevisão melhor
de vida neste planeta. Sem que os dias sejam ofendidos por nós, humanos. Sem
mistério, violência e medo. Sem o trauma da criança que morre com a boca no
peito murcho da mãe, o corpinho com os ossos furando a pele, em terras
sangrentas e áridas da Somália. Sem que menores sejam fuzilados com tiros na
cabeça em pleno centro do Rio. Sem o sofrimento de guerra horrenda na Bósnia Herzegovina,
a deixar um saldo de mais de 125000 mortos. Sem o extermínio de 73 índios
ianomâmis por garimpeiros na aldeia brasileira de Haximu. Sem a vergonha da
putrefação de políticos do Brasil, a vítima sendo como sempre o povo indefeso.
Despedindo-me do ano que
se vai e, com desconfiança, acenando para o que vem, não gostaria de lembrar
também dos rios que morrem de sede, do ar que tosse, do mar com águas viscosas
pelas milhas de óleo despejado no azul. Das ruínas na fauna e da tristeza na
flora.
Ah, como gostaria de não
lembrar a droga que mata a maravilha. E fazer uma crônica, nesse momento que
aguardamos a vinda do Ano Novo, com o
verde brotando dos quatro pontos cardeais. Se fazendo em nuvem sem tamanho, assistirmos
esse verde molhar neste planeta os nossos insensatos corações. E mais que a
esperança tivesse nesse instante certeza de que dessa vez o Ano Novo vai chegar
para valer, rico calendário de voos naturais, sem o gosto amargo de mãos que
matam e subtraem.
Apesar de tudo, como diz o
sabido grilo Cricrilo, personagem de um livro infantil nosso, ainda inédito, a
vida é bela, muita gente é que não dá valor a ela.
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