O CIRCO
Cyro de Mattos
Como me esquecer do circo?
Ficava a semana toda aguardando que o homem nas pernas de pau anunciasse a sua
chegada. Quando isso acontecia, saía em disparada atrás dele, o coração preste
a sair pela boca. Juntava-me a outros meninos, passando a fazer parte do coro
de vozes ao redor do homem nas pernas de pau. À pergunta que ele repetia a todo
instante, “o palhaço o que é”?, nossa resposta era uma só, explodindo a
gritaria no ar, “ é ladrão de mulher!”
Os circos que apareceram
no início eram pequenos. Num desses, a lona furada, poucas luzes na fachada,
conheci uma dupla de palhaço que nunca esqueci. Bacurau com a sua cara de mau e
Perereca que sempre levava do parceiro um tapa na careca. Bacurau era catroca e
tinha o nariz de pipoca. Perereca era um contador de piada sem igual e tinha um
calombo na careca.
O circo ficava um mês na
cidade. Filho de pais pobres, eu e meu irmão só tínhamos direito de ir ao circo
uma única vez, geralmente no domingo. Sempre dava um jeito para ir ao circo
mais vezes. Entrava pelo buraco da lona quando o vigia descuidava-se. Vendia
jornal na venda, gibi velho na porta do cinema, até garrafa, com o dinheiro
apurado comprava o ingresso do circo. Lá estava eu com o coração a bater
acelerado, antes que desse início o espetáculo. Não me importava que os números
fossem quase sempre os mesmos. Era bom sorrir com as piadas do palhaço, ficar
todo arrepiado com o salto mortal que davam os irmãos Vilalba, lá em cima no
trapézio da morte.
Foi grande a emoção quando
apareceu o primeiro circo com as suas feras amestradas. Leão, tigre, elefante.
O chimpanzé andava de bicicleta, fazia piruetas em cima da zebra, dando voltas
seguidas no picadeiro. E o sensacional número do globo da morte? Era mesmo
aquele circo o maior espetáculo da terra. Acrobatas, trapezistas,
equilibristas, malabaristas. Dois times de cães pequenos faziam a bola correr
num vaivém que nunca cessava. Flamengo contra o Vasco, a garotada numa gritaria
doida quando o gol era marcado. O domador botava a cara dentro da boca do leão.
O circo todo em silêncio, um frio corria na espinha, os aplausos demorados para
aquele número inacreditável.
O circo sempre foi para
mim aquele mundo feito de aventura, riso e humildade. O mundo permanente de
graça na boca escancarada do palhaço com a linguona de fora. Certamente comia
palha e aço, daí ser chamado palhaço.
Doçura no frio com a equilibrista que tinha pernas formosas. Vontade de
voar como pássaro com aqueles trapezistas lá no alto, no salto de vida ou morte.
O perigo vivido com o domador que si arriscava na aventura de fazer com que
cinco leões deitassem junto a seus pés, como se fossem uns pequenos grandes
felinos bem comportados. Em mim, sensação de que a morte não existia. Meus
olhos rodavam rápidos com aqueles dois irmãos que cruzavam e se encruzavam nas
motos barulhentas dentro de um globo, onde circulava a perícia feita de nervos
e aço.
Como me esquecer da
pipoca, algodão doce, cocada, amendoim torradinho e roletes de cana?
Um dia, eu e os amigos resolvemos
fazer um circo no quintal. Com palhaço de pernas tortas, a menina Dolores como
a fada das flores, Dom Chicote, o incrível domador e suas terríveis feras,
Lero-Lero, o cão que dançava bolero, e Cheiroso, o gato manhoso, além do trio
que tocava zabumba, sanfona e reco-reco. Era o circo do Ciroca com palco armado
embaixo de uma mangueira. O bilheteiro, o próprio dono do circo, feito um
general usava grande chapéu de jornal e tinha uma espada de pau.
Uma pena aquele circo ter
dado apenas um espetáculo. A plateia não se conformou com a ausência do macaco
Caolho, que deveria subir no mastro de cabeça para baixo em menos de um minuto.
Entre assobios e gritaria, a plateia começou então a jogar tomates no verde
homem-jibóia e no anão Pimpão, que de tão pequeno não saía do chão. Foi tomate
para todo lado, assovio, corre-corre, empurrão, nome feio, vexame. Quando o
pano caiu por terra, foi logo rasgado em pedaços. O espetáculo foi encerrado
com a plateia toda gritando sem parar um só instante: Queremos o macaco Caolho!
Queremos nosso dinheiro de volta! Queremos mais espetáculo!
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