AUSCHIWTZ NUNCA MAIS
Foi há pouco mais de meio
século. Libertado pelos soviéticos, Auschiwtz era o maior campo de
concentração, onde os alemães eliminavam milhares de judeus sob o ritmo implacável
de um programa com incrível capacidade de persistência. Selecionavam homens,
mulheres e crianças. Separavam os pais dos filhos, as mulheres dos maridos.
Formava-se o grupo dos condenados à morte, o dos trabalhadores forçados, sendo
que todos eram despojados de sua identidade cultural, substituída pelo número
de série tatuado no pulso. Como gado que vai para o matadouro, criaturas
indefesas apertadas nos vagões. Desapareciam sem que pudessem dizer adeus com
esperança. Eram sombras, vestígios, pontos obscuros que se esfumavam ao longe.
Diante
dos soldados do Exército Vermelho, em 27 de janeiro de 1945, muita gente morta,
pessoas enforcadas e outras queimadas. Como o ser humano conseguia construir
monstruoso absurdo e o que o tornava possível? O mundo não estava preparado
para achar uma resposta ao horror executado pelos alemães nos anos do
holocausto. Uma
nação moderna, com a sua cultura requintada, que dera ao mundo homens como
Bach, Mozart, Beethoven, Haendel, Goethe, Hesse, Thomas Mann, Rilke, Kant,
Hegel, agora bloqueava um povo, recuava-o para os subterrâneos mais indignos,
sugava sua identidade cultural, liquidava seus corpos e fazia com que o bem e o
mal coexistissem numa vizinhança das mais imprevisíveis, quanto mais niilista.
Os corpos eram usados
para experiências absurdas. Almas sem clamor e pequenos corações viviam
aterrorizados sob a expectativa de que só sairiam de Auschiwitz pela
chaminé, reduzidos a cinzas. Tudo acontecia de maneira
imperturbável. A fera ressurgia da antiga caverna para galopar nas trevas. Não
concedia a trégua, bania a pomba na légua, só queria a selva, como se o amor
fosse inútil e o absurdo fosse o horror na relva. O mal não tinha limites.
Como se os Direitos do
Homem ainda não tivessem sido proclamados. Foi
há pouco mais de meio século. No século que celebrava os tempos modernos, da
aviação, cinema e psicanálise. Fornos crematórios reduziam a cinzas milhares de
judeus. Morriam com a sua mais difícil prova, a de que eram inocentes, indefesos, e sem qualquer possibilidade para
contradizer uma condenação sem sentido. Naqueles
idos de 1945, do lado de cá, numa cidade do interior da Bahia, um menino era
levado pela mãe para aprender as primeiras letras no prédio escolar. Não sabia
que milhares de habitantes da Europa eram reduzidos a cinzas por homens que se
elegiam filhos de uma raça superior, sustentada em sua feição ariana por botas
de ferro de soldados impassíveis.
O menino assistiria a
vitória do amor com o desfile sonoro do povo nas ruas e os sinos tocando na
cidade pequena. À frente do desfile, um homem, baixote e gordo, levava uma
tabuleta com esses dizeres: AUSCHIWITZ NUNCA MAIS. Era o gringo Leone
Leibowitz, um judeu lituano que tinha uma loja de calçado, chapéu e tecido na
rua do comércio. Vendia barato e ninguém entrava na sua loja para não comprar
um sapato, chapéu ou tecido. Tinha uma maneira de falar engraçada, misturando o
lituano com o português das terras do sul da Bahia. Quase sempre o freguês demorava de entender o preço exato que ele dava a um
chapéu ou sapato. Gostava de fumar Yolanda Azul. O cigarro apagado ficava
esquecido no canto da boca durante bons minutos. Não fazia mal a uma mosca.
Os meninos de meu tempo gostavam
muito dele.
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