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terça-feira, 28 de janeiro de 2020





AUSCHIWTZ NUNCA MAIS
           
                                                          Cyro e Mattos 

Foi há pouco mais de meio século. Libertado pelos soviéticos, Auschiwtz era o maior campo de concentração, onde os alemães eliminavam milhares de judeus sob o ritmo implacável de um programa com incrível capacidade de persistência. Selecionavam homens, mulheres e crianças. Separavam os pais dos filhos, as mulheres dos maridos. Formava-se o grupo dos condenados à morte, o dos trabalhadores forçados, sendo que todos eram despojados de sua identidade cultural, substituída pelo número de série tatuado no pulso. Como gado que vai para o matadouro, criaturas indefesas apertadas nos vagões. Desapareciam sem que pudessem dizer adeus com esperança. Eram sombras, vestígios, pontos obscuros que se esfumavam ao longe.           
            Diante dos soldados do Exército Vermelho, em 27 de janeiro de 1945, muita gente morta, pessoas enforcadas e outras queimadas. Como o ser humano conseguia construir monstruoso absurdo e o que o tornava possível? O mundo não estava preparado para achar uma resposta ao horror executado pelos alemães nos anos do holocausto.                             Uma nação moderna, com a sua cultura requintada, que dera ao mundo homens como Bach, Mozart, Beethoven, Haendel, Goethe, Hesse, Thomas Mann, Rilke, Kant, Hegel, agora bloqueava um povo, recuava-o para os subterrâneos mais indignos, sugava sua identidade cultural, liquidava seus corpos e fazia com que o bem e o mal coexistissem numa vizinhança das mais imprevisíveis,  quanto mais niilista.
           Os corpos eram usados para experiências absurdas. Almas sem clamor e pequenos corações viviam aterrorizados sob a expectativa de que só sairiam de Auschiwitz pela chaminé,  reduzidos a cinzas. Tudo acontecia de maneira imperturbável. A fera ressurgia da antiga caverna para galopar nas trevas. Não concedia a trégua, bania a pomba na légua, só queria a selva, como se o amor fosse inútil e o absurdo fosse o horror na relva. O mal não tinha limites.
Como se os Direitos do Homem ainda não tivessem sido proclamados.  Foi há pouco mais de meio século. No século que celebrava os tempos modernos, da aviação, cinema e psicanálise. Fornos crematórios reduziam a cinzas milhares de judeus. Morriam com a sua mais difícil prova, a de que eram inocentes,  indefesos, e sem qualquer possibilidade para contradizer uma condenação sem sentido.  Naqueles idos de 1945, do lado de cá, numa cidade do interior da Bahia, um menino era levado pela mãe para aprender as primeiras letras no prédio escolar. Não sabia que milhares de habitantes da Europa eram reduzidos a cinzas por homens que se elegiam filhos de uma raça superior, sustentada em sua feição ariana por botas de ferro de soldados impassíveis.     
O menino assistiria a vitória do amor com o desfile sonoro do povo nas ruas e os sinos tocando na cidade pequena. À frente do desfile, um homem, baixote e gordo, levava uma tabuleta com esses dizeres: AUSCHIWITZ NUNCA MAIS. Era o gringo Leone Leibowitz, um judeu lituano que tinha uma loja de calçado, chapéu e tecido na rua do comércio. Vendia barato e ninguém entrava na sua loja para não comprar um sapato, chapéu ou tecido. Tinha uma maneira de falar engraçada, misturando o lituano com o português das terras do sul da Bahia.  Quase sempre o freguês demorava de  entender o preço exato que ele dava a um chapéu ou sapato. Gostava de fumar Yolanda Azul. O cigarro apagado ficava esquecido no canto da boca durante bons minutos. Não fazia mal a uma mosca.                                                                
           Os meninos de meu tempo gostavam muito dele.

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