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quinta-feira, 16 de janeiro de 2020






Ginásio Divina Providência

Cyro de Mattos

O grande sonho dos estudantes de meu tempo era concluir o curso primário e, submetidos ao exame de admissão, ingressar no ginásio. Ser aluno do Ginásio Divina Providência era a maior glória. Significava pertencer a uma classe privilegiada de estudantes, motivo de orgulho dos pais, ser  admirado por pessoas importantes.
Ginásio de meninos e meninas como nuvens. Aquelas mesmas nuvens que acompanhavam a criatura em seus primeiros passos. Juntos queriam construir o futuro. Queriam melhorar de nível, atingir metas e entender tudo que é posto no mundo para ser alcançado.  Buscavam arma e bagagem para um dia tornar a vida rica de significados. Por isso suportavam o massacre diário, com exercícios aritméticos, lições de português, ciências naturais, geografia e história.
Era um tempo de desafio constante povoado de sombras. Tempo que ia passando com uma pesada carga de estudos. Noites de expectativa, alegria e susto quando chegava o fim do ano com a notícia de que tinha sido aprovado.  Havia em nosso ginásio professores com a sua maneira de ser rigorosa, como Nivaldo Rebouças, que ensinava inglês, e Odete Midlej, português. Havia também os de coração de açúcar, como Helena Borborema, padre Nestor, Lode Hage e ‘’seu’’ Queirós. Professores responsáveis todos eles, que não faltavam aula durante o ano, deixando nas lições sem disfarce a palavra fluir com dedicação e competência. Professores que, na voz tolerante, rigorosa ou paciente, faziam que os alunos amassem ou respeitassem o ginásio.
Ginásio dos meus verdes anos. Dos meninos Roland, Rafael e Nilton Gago. Das meninas Yeda, Ritinha e Mary Kalid. Dos futuros advogados Joel, Eraldo e Rui Fontes. Do engenheiro Dagô. Dos médicos Moacir, Euvaldo e José Orlando. Do escrivão Ronald Cravo, delegado Péricles e juíza Sônia Carvalho. Do deputado Jorginho Hage e prefeito Ubaldo Dantas. Do gringo Marcel Midlej. Das piadas inesquecíveis de Nilton Jega Preta. Dos namorados Carlos Euvaldo e Clotildes, Néviton e Marilene. Do goleiro Edsel e Chico, o craque. Do odontólogo Cleres Franco. Dos irmãos Ildo, Eudes, Uraci e Ovaci. Dos artistas plásticos Bebeto e Renart. Dos poetas, os lavradores do sonho, Valdelice e Florisvaldo. Dos que já não estão mais na sala, se foram cedo na viagem sem volta. João Berbert, Alberto Simões, Valter Delmondes, Vadinho. Valter Delmondes saltou da pequena ponte para as águas profundas. Aquela sombra que infunde medo instalou-se nas salas do ginásio. Pela primeira vez, solitário eu indagava pelos cantos sobre a escuridão daquelas águas.
Setembro tinha sentido com a cor do desfile no ar verde e amarelo. Tambores uníssonos, compenetrados do toque, rufavam a pátria amada. Marcha cívica ou efervescente música na pele de adolescentes com a alma de girassóis flamantes? Nem o aguaceiro que despencou de repente conseguiu tirar o brilho de um escudo glorioso sob os passos encharcados de sonho.
Ginásio de velhas brincadeiras em vozes tão novas.
Dona Lindaura, a diretora, certa vez me disse que o Colégio Divina Providência foi fundado pela Sociedade São Vicente de Paula, em 1924. Anos depois, o ginásio começou a ser administrado pelas irmãs de caridade. Criatura de estatura pequena, cabelos brancos e ralos, a diretora do ginásio segue nos passos firmes todos os dias rumo ao antigo sobrado da Rua São Vicente de Paula. Da primeira lição que ela me ensinou, nunca esqueci. Disse que para alguém ser gente na vida precisava conviver com o hábito do estudo. Ser gente era munir de saber a ideia. A cidade pequena escorregava na lama do inverno. Os alunos passaram a saber no ginásio  que as sementes boas do estudo para munir a ideia estavam no primeiro educandário da cidade. Colheitas desse saber haviam de ser feitas em pouco tempo. Com o passar dos anos, para orgulho dos pais, produziriam rimas ricas.


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