Historinhas de Odilon
Pinto
Cyro de Mattos
Na Bíblia
encontram-se rápidos relatos em forma de alegoria ou parábola, que contam um acontecimento com vistas
a tirar um ensinamento espiritual. Kafka usa a parábola em poucas linhas
para mostrar o ilógico como uma coisa natural da vida. No caso de Odilon Pinto adota-se a técnica realista franca para escrever a vida com as suas historinhas, de tema variado, introduzindo-se no conteúdo
as coisas que apesar de miúdas correm no
mundo e formam um delicioso
episódio. Para os gregos quanto menor a
extensão, maior a compreensão; se maior a
extensão, menor a compreensão. Certo é que do texto de ficção, menor no
conto, maior no romance, espera-se do
autor que transmita um novo sentido de vida, logrando-se extrair da matéria a parte noturna do ser.
Coisas
da Vida (2004) reúne ficções bem escritas em apenas uma página, fantasias
que dão prazer na leitura. No conteúdo
da vida como ela é, cada uma delas arrasta o leitor com engenho e leveza,
surpreende-o no desengano, no amor abortado, na ardência da paixão, no drama recheado de
hipocrisia e ciúme. A vida apresentada
na narrativa veloz vem quase sempre
acompanhada de observações certeiras.
Em “A Doida”, que “se apegava à rua, era
o caminho que devia percorrer...”; em
“Paixão Recolhida” quando “durante dois
anos fora senhor dos seus beijos, do calor do seu corpo, do cheiro dos seus
cabelos. Isso tudo, quando se perde, cresce, até ficar do tamanho do mundo” ,
assim, embaralhando observações com dizeres suficientes, Odilon Pinto pontilha
uma sintaxe verbal impregnada de sutilezas, mínimas referências
instigantes.
Em Coisas
da Vida encontramos, de página em
página, a atuação humana na rotina
chata da vida, às vezes de
amores abortados, em outra hora com a faca que a traiçoeira invenção do
gesto suspende e se completa no
desfecho inusitado.
Em “Dick”, o cão retira do dono a sensação asfixiante de
estar vivo, mas em “Sem Terra” o drama completa-se com o seu instante duro de sofrimento na
solidão. No exemplo de “A Família”, a
farsa vai tomando forma nas observações feitas pela personagem, uma mulher
velha, sobre a palhaçada armada para ela
na igreja como ritual de amor dos
filhos. Ficam também em nossa lembrança
as cenas de que a ocasião faz o ladrão e o acaso torna em vingança. O duelo entre o real e o sonho na
doméstica sonhadora, com o sonho vencido pela dura lei da vida.
Com estofo de crônica, anedota
esticada, texto motivado por
noções de filosofia, fantasia do
real fundido com o desastre conjugal,
poesia da vida carregada de inconformismo, tristeza e revanche, é visível
nesses quadros pintados com
rápidas pinceladas por mão de mestre o quanto é rica a humanidade na sua pobreza social, no
pequeno mundo rotineiro da vida.
Não resta dúvida que desses quadros compostos por Odilon Pinto brilham momentos
diletantes de leitura. O valor dessas
historinhas primorosas força-nos dizer
que nos pequenos frascos é que estão guardados os melhores perfumes.
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