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sexta-feira, 1 de maio de 2020






Historinhas de Odilon Pinto

Cyro de Mattos


Na Bíblia encontram-se  rápidos relatos  em forma de alegoria ou parábola,  que contam um acontecimento  com vistas  a tirar um ensinamento espiritual. Kafka usa a parábola em poucas linhas para mostrar o ilógico como uma coisa natural da vida.   No caso de Odilon Pinto   adota-se  a técnica realista franca para escrever  a vida com as suas historinhas,  de tema variado, introduzindo-se no conteúdo as coisas que apesar de miúdas  correm no mundo  e formam um delicioso episódio.   Para os gregos quanto menor a extensão, maior a compreensão; se maior a  extensão, menor a compreensão. Certo é que do texto de ficção, menor no conto, maior no romance,   espera-se do autor que  transmita  um novo sentido de vida, logrando-se   extrair da matéria a  parte noturna do ser. 
          Coisas da Vida (2004) reúne ficções bem escritas em apenas uma página, fantasias que  dão prazer na leitura. No conteúdo da vida como ela é, cada uma delas arrasta o leitor com engenho  e leveza,  surpreende-o no desengano, no amor abortado,  na ardência da paixão, no drama recheado de hipocrisia e ciúme.  A vida apresentada na  narrativa veloz vem quase sempre acompanhada de observações certeiras.
       Em “A Doida”, que “se apegava à rua, era o caminho que devia percorrer...”;  em “Paixão Recolhida”  quando “durante dois anos fora senhor dos seus beijos, do calor do seu corpo, do cheiro dos seus cabelos. Isso tudo, quando se perde, cresce, até ficar do tamanho do mundo” , assim, embaralhando observações com dizeres suficientes, Odilon Pinto  pontilha  uma sintaxe verbal impregnada de sutilezas, mínimas referências instigantes.
         Em Coisas da Vida  encontramos, de página em página, a  atuação humana na rotina chata  da vida,   às vezes de  amores abortados, em outra hora com a faca que a traiçoeira invenção do gesto  suspende e se completa no desfecho  inusitado.
         Em “Dick”,  o cão retira do dono a sensação asfixiante de estar vivo, mas em “Sem Terra” o drama completa-se  com o seu instante duro de sofrimento na solidão.  No exemplo de “A Família”, a farsa vai tomando forma nas observações feitas pela personagem, uma mulher velha,  sobre a palhaçada armada para ela na igreja como  ritual de amor dos filhos.   Ficam também em nossa  lembrança  as cenas  de que a ocasião  faz o ladrão e o acaso  torna em vingança.  O duelo entre o real e o sonho na doméstica  sonhadora, com o sonho  vencido pela dura lei da vida. 
        Com estofo de crônica, anedota esticada,   texto  motivado por  noções de filosofia,  fantasia do real fundido com o desastre conjugal,  poesia da vida carregada de inconformismo, tristeza e revanche,  é visível  nesses  quadros pintados com rápidas pinceladas por mão de mestre o quanto é rica a humanidade  na sua pobreza  social, no  pequeno mundo rotineiro da  vida. Não resta dúvida que desses quadros compostos por Odilon Pinto brilham momentos diletantes de leitura. O valor dessas  historinhas primorosas força-nos dizer  que nos pequenos frascos é que estão guardados os melhores perfumes.

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