O Pássaro do Poeta Hélio Nunes
Cyro
de Mattos
Foi com a imagem
do pássaro que canta o amanhã justo, o amor da amada com a sua carga de ternura
constante, o desejo de um mundo para o filho sem as marcas amargas do presente,
que o jornalista e poeta Hélio Nunes teceu e aconteceu seu canto no único livro
publicado de poesia. Com capa de Santa Rosa, Pássaro do amanhã é como
canto preso na alma, como diz o poeta, “e ele canta por minha boca.”
Esse pássaro
canta pelo amor, o sentimento mais
belo, pela liberdade, o mais forte,
pela ternura, que está na infância, pela solidariedade, que assume os
meninos abandonados de rua, os adultos que estão presos e não têm dinheiro para contratar advogado. Se a
esperança veste a ternura com o sorriso
da flor, o canto que veste os versos de Hélio Nunes é revestido de palavras que se abraçam como
velhas amigas. Nutre-se do brilho das estrelas,
do enlevo na sua tristeza lírica, como quando o poeta vê o tempo
passando enquanto navega em barquinhos de papel da doce infância.
Hélio Nunes
produz o poema com este sentimento forte do amor, decorrente de sonhos
que propõem a vida com braço ao
abraço, sem a escuridão da matéria que
prende o dia claro na noite de estrelas apagadas. Mas também marcado por esse
desejo de mudanças, que extirpem as
desigualdades, as doenças sociais
alimentadas com a pobreza para o sobejo das corrupções. Não é uma poesia
panfletária, pelo contrário, dotada de linguagem fácil, a
ideia nada tem de artificial e política no pior sentido estético. Impressiona com o seu grito, sua verdade
na palavra escrita com fogo, daí que
pode ser lembrada em companhia de poetas do timbre de Thiago de Melo e Moacir
Félix.
No antológico
poema “Liberdade”, Hélio Nunes diz
do entendimento sobre o que significa uma palavra tão cara:
O vento
corre, corre
cochicha
pelos roseirais,
pelos caminhos levanta pó,
pelos ares arvora bandeiras
raivosas de espumas.
Liberdade – o vento foi feito para
correr.
A águia voa,
voa,
traça no espaço
azul
audaciosas
linhas
de uma geometria
que ainda
Einstein não
estudou.
Liberdade – a
águia foi feita para voar.
Além um homem
falava
de igualdade e
justiça.
Tinha nos olhos
o mesmo brilho/
de uma estrela
matutina.
/Liberdade – o
homem nasceu para pensar.
Vê-se assim que
poucos poetas trataram o tema com o toque de simplicidade, força verdadeira de
versos traçados com sons da alma e cores da vida.
Ele foi um poeta
de seu tempo e lugar. Cantou as primeiras
aventuras siderais do homem. Ofertou sorrisos e flores à amada
Valquíria, a companheira verdadeira, a mulher de fibra e resignada,
que com ele teve cinco filhos. De dia como jornalista combativo, à noite
construtor de devaneios e sonhos. Certo
é que o livro Pássaro do Amanhã,
há tempos raridade bibliográfica, pelo seu conteúdo lírico, desejos límpidos
que não são imposições, mas cantares de
uma transferência simbólica, que em sua transparência da verdade comovem, falares
com atualidade até hoje, como
obra literária de conteúdo humano calcado na
vida sem distorções gritantes
merece ser reeditado. Alguns de seus poemas participam da antologia Poesia
Moderna da Região do Cacau, (1977),
organizada por Telmo Padilha.
Natural de
Aracaju, Hélio Nunes nasceu no dia 17 de abril de 1931. Fugindo da perseguição policial em 1952,
passando por Cachoeira de São
Félix, veio fixar residência em Itabuna,
onde fundou uma gráfica e o “Jornal de Notícias”, que apresentou em suas páginas uma linguagem
diferente do que se conhecia de outros veículos de imprensa na
província. Foi também professor da Escola de Contabilidade local.
Fez um manifesto sobre a situação deplorável de crianças que dormiam na rua.
Perseguido pelo regime militar de 1964, teve que vender a gráfica
por preço insignificante. Prestou concurso para escrivão e foi morar
sozinho em Itororó, naquela comarca distante de sua residência familiar fez-se
eficiente funcionário da justiça. Continuou sendo perseguido pelo regime
militar, vítima de processos
intermináveis, longe da esposa e filhos,
oprimido por terrível solidão.
Caminhante pelas valas de grande
depressão, faleceu vítima de um enfarto.
Foi escolhido como o patrono da cadeira 30 da Academia de Letras de
Itabuna.
Podemos dizer
que a sua poesia lírica está entrelaçada com a sua própria vida, seus versos
refletem o pensamento de quem sonhou por um país humano, sem
favelados, crianças anêmicas e bolsões
de pobreza, Seu grito não tem o recheio da pieguice, mas nos chega
irrompido da dor, da solidão solidária, com o seu caldo de sofrimento e
beleza.
Abaixo vão
transcritos poemas de Hélio Nunes para
despertar, ainda que seja um pouco, a memória esquecida de um bom poeta sul
baiano.
Ode
à Lua Artificial
Olha a soviética
no espaço
Sem quarto
minguante, sem plenilúnio.
Criemos a
poética desse novo astro.
Não basta
dizermos que o satélite
Ronda a muitos
quilômetros de altura.
Precisamos
dizer, por exemplo: amada.
Numa tarde de domingo
iremos de nave
Colher rosas da primavera marciana.
Olha o homem
avançando para o céu.
Houve uma poesia
de viagens marítimas.
É tempo da
poesia das viagens siderais.
Eu sei. Um colar
alvo de luas artificiais
Envolverá a terra;
e pela noite sonhando
Eu oferecerei a
Valquíria, noiva minha.
Rosas
Rubras
Na madrugada
fria de ontem
Um operário
tossiu
Lançou rosas
vermelhas
Perdidas no
chão.
E quando o
pedreiro caiu
Do alto do
andaime,
Deixou rosas
vermelhas
Perdidas do chão.
E o grevista
tinha o punho cerrado
Recebeu no peito
a fria bala,
Rosas vermelhas
desabrocharam
Em seu coração.
Ah! Eu sei, é
certo,
A Primavera
irromper
Florida de rosas
vermelhas.
Perdidas. Não.
Poema
ao Meu Filho
Meu filho,
chegarás na primavera:
Mil
desculpas, não poderei oferecer-te
Aquele
mundo humano que sonhei.
Meu filho,
chegarás na primavera:
Quando adulto,
não sê igual aos demais.
Tenhas o coração
inquieto e a ternura de Valquíria.
Meu filho,
chegarás na Primavera:
Ama e ama. Se te
forçarem a odiar, odeia.
O amor e o ódio
têm suas grandezas.
Meu filho,
chegarás na primavera:
Rosas e foguetes
teleguiados também.
Vê nos povos,
brancos e negros, teus irmãos.
Meu filho,
chegarás na primavera:
Aos 18 anos, lê
estes versos, não são conselhos,
São desejos,
devaneios de um pai sonhador...
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