CYRO
DE MATTOS, POEMAS DE TERREIRO E ORIXÁS*
Por Gildeci de Oliveira
Leite**
Degusto em uma qualificada barraca “Abará, acarajé/ adum, ajabô/
lelê, amalá/ arroz de hauçá/ caruru, vatapá/ xinxim de galinha/ aberém, acaçá/
bobó de camarão/ e ainda mungunzá.” Para produzir essas e outras especiarias, o
chefe de cozinha precisa conhecer Palmares “ritmo da liberdade/ batuque da
igualdade, manual de fraternidade”. Comidas assim, feitas de dendê e cereais,
alimentam a alma e fazem a juventude saber que “Jesse Owens ganha de Hitler/
nas olimpíadas da Alemanha”, que Lima Barreto, Martin Luther King, Zumbi e Pelé
possuem o “gingado, rebolado, a batida, / o canto. O riso escancarado/ na
passarela da Sapucaí.” Eu bem sei como a felicidade vinda do axé incomoda!
Quando visitarem essa Barraca de “Poemas de Terreiro e Orixás”,
saberão que há dois grandes tabuleiros diversos e coesos: um negro bazar. Lá se
enaltece a “Abolição”, denuncia o “Pelourinho” e a “Escravidão”, lembra-se de
ícones nossos como “Preto Domingos”, “Mestre Bimba”, “Severina Nigeriana”,
“Negrinha Benedita”, “Rainha Menininha”, “Mãe Stella de Oxóssi”, Besouro,
Samuel Querido de Deus, Algemiro Olho de Pombo, Feliciano Bigode de Seda, Pedro
Porreta, Sete Mortes, Pastinha e Bimba. A leitura é uma delícia, pois os
tabuleiros são fartos, de elevado nível, possuem visgo de jaca encantado,
grudam de forma agradável desde a primeira palavra, é “Preceito, respeito”, diz
de um jeito “Se for de paz, / venha cá, / vamos conversar com os orixás.”
Nos tabuleiros, há diversão e aprendizado, há sorriso e
contestação, um chama-se “Poemas de Terreiro” e o outro “Poemas de Orixás”. A
respeito do primeiro, passei umas dicas sobre as delícias, que podem ser
encontradas. Já no tabuleiro, “Poemas de Orixás”, a poesia bela e didática diz
que orixá “Ouve a queixa, / aconselha. Dá remédio, / concede graça. Abre
caminhos / desfaz quizila. Rumo que clareia todas as tormentas”. Com Cyro de
Mattos é possível ouvir poesia, abrir imagens em nossa cabeças, saber sobre
Exu, Ogum, Xangô, Oxóssi, Oxum, Iemanjá, Iansã, Oxalá, Boiadeiro, Vovó Maria
Conga, Iroko, Nanã e outros encantados.
Cá entre nós, o grande escritor e vivo ancestral Cyro de Mattos é
um bom e agradável matreiro. Em dois grandes tabuleiros de um único livro, o
poeta oferece ao leitor um valioso patrimônio poético, trazendo aos mais
curiosos e/ou didaticamente comprometidos, um glossário com os ícones citados e
com nossas afro-brasilidades. Assim, o livro com seus tabuleiros, se apresenta
como obra de arte que é acompanhada de suporte aos que desconhecem aspectos de
nossa cultura. Sugiro o livro de Cyro de Mattos para o deleite, a fruição, para
compromissos com a diversidade e com a cultura negra, para “cantar o canto
negro com todas as notas.”. (Transcrito de “A Tarde”, 5.9.2021)
* “Poemas de Terreiro e Orixás”, Cyro de Mattos, Edições Mazza,
Belo Horizonte, 2019.
** Gildeci de Oliveira Leite, escritor, membro do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, professor do PPGELS/MPEJA — UNEB.
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