Cento e doze anos
Cyro de Mattos
Ultrapassou a barreira comum de nosso
saco de tripas, superando a linha de chegada que Deus programou para nossa
sobrevivência neste planeta. Ele fez cento e doze anos de idade. Seu nome:
Benevenuto Jesus dos Santos.
No aniversário do patriarca, festa
que começou a ser programada há dez meses, compareceu gente da prole que se
espalhou por todos os cantos do Brasil. Filhos, netos, bisnetos e tetranetos.
Gente que vive do Oiapoque ao arroio Chuí. Saibam os poucos que lerem essa
crônica que ele tem vinte e cinco filhos, oitenta e seis netos, cento e dezoito
bisnetos e, de quebra, dezesseis tetranetos. Sem dúvida, trata-se de um fato
incomum, feito de vitalidade, otimismo e alegria. Serve como exemplo aos seus
mais jovens descendentes e também para os jovens dos atribulados dias de hoje.
Um homem viver tanto tempo e manter sua crença na vida.
Como eu disse, veio gente dos confins
para o aniversário do patriarca. Gente de toda cor. Branca, preta, mulata,
loura, sarará, cafuza, parda. E o que também impressiona nessa prole imensa e
vária é ela se encontrar aí pelo mundo bem viva. Confiantes, alguns dos filhos
do patriarca observaram que irão superar a marca do pai, um deles adiantou que
essa proeza de fazer que a vida seja longa não vem só do lado paterno. A mulher
do patriarca, Dona Filomena, perfumada, ruge no rosto, boca pintada de batom, o
cabelo amarrado com uma fita azul, vestido com peixinhos no tecido rosa, não
fica por menos, esse ano apagou noventa e cinco velinhas.
O que deve passar na cabeça de um
homem com mais de cem anos de idade e que atravessou um dos períodos mais
conturbados da humanidade? Foram duas grandes guerras mundiais, dezenas de
guerras localizadas, muitas revoluções, inúmeras práticas de genocídio a povos
e grupos discriminados, apogeu e desaparecimento de estadistas que a história
conheceu como heróis.
DENUNCIAR ESTE ANÚNCIO
O patriarca nunca fumou, só veio
tomar alguns goles de cerveja quando se aproximava dos cem anos. Devoto de
Santo Antônio, sempre acordou às quatro da madrugada, logo indo abrir as
janelas para evitar que os filhos ficassem perdendo tempo na cama.
Mais de trezentas pessoas transformaram
a cidade onde o patriarca nasceu numa festa como nunca houve igual. Uma missa
foi concelebrada ao ar livre pelo padre da cidade e dos municípios vizinhos.
Lá estava toda a prole em ritmo de
alegria, vestindo camisetas com a foto do patriarca. Desde o filho caçula, com
cinquenta e nove anos de idade, até o mais velho, com oitenta e seis anos. O
padre da cidade mostrou-se feliz por ver uma família conseguir manter-se em
unidade sob princípios cristãos. Destacou a fibra do patriarca, que, não sendo
rico, educou os filhos numa vida de trabalho, sacrifício, honradez e sabedoria.
Os instrumentos de trabalho do
patriarca, os arreios de sela, a capa contra chuva e o chapéu de couro foram
doados durante o ofertório na missa. O largo da igreja estava lotado de pessoas
entre felizes e curiosas. Terminada a missa, um churrasco para quatrocentas
pessoas foi servido em outro local, ao ar livre. O velho Benevenuto Jesus dos
Santos teve dificuldade em soprar as cento e doze velinhas.
Sabem do que o patriarca mais gosta
atualmente? De dormir e comer, mas nada de alimentos enlatados. Sua alimentação
é natural. Entre as poucas atividades que exerce, ensina aos mais jovens como
melhor cultivar a terra, mostrando-lhes o tempo certo para arar e plantar. Ele
disse que dormir cedo e acordar de madrugada todos os dias, comer sem exagero o
alimento natural, não fumar, não beber, trabalhar a terra com a enxada, andar
sempre e nunca se enervar nos momentos difíceis tem sido a fórmula que usou
para chegar tão longe.
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