O mascate
libanês
Cyro de Mattos
O gringo
Mansur desembarcou na estação do trem numa tarde de sol claro. Ao entrar na
primeira rua de chão batido, depois de uma praça, sentiu no ar o odor denso de
umas amêndoas secas que enchiam os armazéns de portas largas. Era o cheiro de
resina do cacau. Encheu-lhe o peito o mesmo anseio dos que chegavam à região
para realizar o sonho de ficar rico numa terra que oferecia a qualquer vivente
muita benesse, graças à boa lavra das árvores dos frutos cor de ouro. Ele não
chegava ali como outros com as mãos pobres. Trazia algum dinheiro, joias e uns
caixotes contendo tecidos, tapetes, perfumes, sabonetes, talcos, carretéis de
linha, tesouras, panelas, talheres, coisas miúdas e até vidrinhos com purgantes
e óleo de rícino.
De primeiro foi mascatear nos povoados, onde
era aguardado com ansiedade e recebido com alegria por gente curiosa. Causava
espanto aos tabaréus as novidades que trazia em mercadoria para ser vendida na
porta das casas ou na pracinha pouco acostumada a visitas como aquela. Às vezes
não se entendia o que ele falava naquela língua estranha, misturando as
palavras e arranhando a voz, que saía engraçada. Ficava em cada povoado pouco
tempo, resolvia penetrar a mata hostil, com a mercadoria nos baús em lombo de
mula. Ia abrindo trilhas e atalhos, que serviam para interligar gente, que de
tão distante na tapera e na roça de cereal plantada pelos fundos, na clareira
aberta por machado e facão, não sabia um do outro.
Hoje aqui
perto, amanhã nas lonjuras, sem os pais, irmãos, amigos, doce amor da bela amada,
tangendo os burros com a mercadoria nos baús grandes. Nessas idas e vindas, ia
formando caminhos que ligavam os povoados aos fundos da mata.
Tecedor de
sol e chuva, peito armazenado de solidões pela mata bruta. Respingava de suor
no rosto, pulsando com o sangue dos ancestrais nas veias da madrugada. Picado
por carrapato e mosquito, sedento, faminto, resmungando por trilhas e atalhos
no mato grosso. Seda rara, tapete, broche, anel, perfume, linho, porcelana,
revólver, rebenque, espora, lâmpada mágica. Tudo sacolejava nos baús que os
burros levavam, já formando uma tropa pequena e nova.
Alimentava-se
nas veredas com o sonho de se tornar um dia fazendeiro de vastas roças de
cacau, nas horas de maior solidão ajoelhava-se. Inclinava o peito para frente várias
vezes seguidas. Apoiando-se com as mãos no chão coberto de folhas secas,
contrito, sob o silêncio imenso da mata trevosa, beijava o chão e emitia
cânticos orantes:
Ilumina-me, Alá
Com o teu
espírito,
Ilumina-me,
Ilumina-me,
Deixa-me
sentir
Aqui no
coração
Todo o teu
calor,
Todo o teu
amor
Para sempre,
Para sempre.
Ilumina-me,
Alá,
Com o teu
espírito,
Ilumina-me,
Ilumina-me,
Deixa-me sentir
Aqui na
minha mente
O brilho bem forte
De todo o
teu amor
Para
sempre,
Para
sempre.
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