Nunca
mais discussão
Cyro de Mattos
Aconteceu que
Zé Inácio, motorista de ônibus em Buraquinho da Felicidade, ao chegar em sua
residência, na rua da frente, do bairro Pau Miúdo, encontrou a mulher Belinha
no sofá com um desconhecido. Revoltado, ele que é mais velho do que ela uns
trinta anos, esperou que o rival saísse e partiu para tomar satisfações à
mulher infiel.
Xingando alto, sem ligar para os vizinhos que vieram até o
passeio, Belinha revidava às agressões verbais do marido, chegando ao ponto de
dizer que carinhoso era o amante, ninguém no mundo era mais quente do que ele.
Olhar de ódio, lábio inferior mordido, mãos trêmulas, o Zé Inácio resolveu dar
uma dúzia de tapas na mulher. Ela se defendeu armada de um velho facão, não
tendo medo de enfrentar o marido traído. Vendo-se em desvantagem, ele pegou uma
garrafa quebrada e atirou contra a mulher adúltera. Ela se livrou do projétil
ao se abaixar rápido, indo se proteger por trás de uma pequena mesa. A garrafa
atingiu o filho caçula do casal, que
teve um ferimento grave na cabeça.
Chamados pelos vizinhos, os mesmos policiais prenderam Zé
Inácio em flagrante. Já mais calmo, não esboçou qualquer reação quando recebeu
a ordem de prisão e foi algemado. Ele admitiu na delegacia que não tinha sido
essa a primeira vez que encontra a mulher com algum desconhecido em sua
residência. “A vida é assim mesmo, nada se pode fazer, cada um já entra nela
pra cumprir sua sina”. Logo que saísse da cadeia, ia pedir perdão à mulher e
tentar a reconciliação.
Comentou que ainda não sabia o que tinha
se passado com ele para cometer cenas vexatórias como aquelas diante dos
vizinhos, mesmo sabendo que ela o trai, gostava muito dela. A briga que ele
teve com a mulher já era coisa do passado, a paz voltaria a reinar no lar,
“amanhã será outro dia”. Com rosas no jarro posto por Belinha em cima da
mesinha.
A pequena mesa com a toalha branca de
linho, tendo no centro o coração grande bordado de vermelho, atravessado pela
flecha dourada de Cupido. Só era usada em ocasião especial, presente de Belinha
no aniversário dele. Era a toalha que ele mais gostava, embora a razão nunca
conseguisse explicar ao coração os motivos desse querer tanto. Também pudera! -
como na musiquinha que gostava tanto de cantarolar, o coração tem razões que a
própria razão desconhece.
Além do mais, quando morrer, não
queria choro nem vela, somente uma fita amarela gravada com o nome dela.
De agora em diante prometia se
comportar direitinho e nunca mais vai
ter discussão com a Belinha.
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