Capanga de Sonetos é o
mais
novo livro de Cyro de
Mattos
Constituído de 128 sonetos, Capanga de Sonetos é o mais novo livro de
Cyro de Mattos, que acaba de ser publicado pela Via Litterarum. Com capa do
consagrado Juarez Paraiso, o livro é dedicado à memória de João Carlos Teixeira
Gomes, um dos maiores sonetistas da língua portuguesa. Com esta obra, Cyro de
Mattos atinge a marca de 65 livros publicados, entre o conto, o romance, a
poesia para o leitor adulto, a poesia infantil a crônica e o ensaio. Premiado
no Brasil, Portugal, Itália e México, ele é também editado em Portugal, Itália,
França, Alemanha, Espanha e Estados Unidos.
O AUTOR E O LIVRO
Baiano de Itabuna, cidade no Sul da Bahia, jornalista com passagem na
imprensa do Rio, advogado aposentado, Cyro de Mattos é autor de mais de 60
livros pessoais, entre o romance, o conto, o poema, a crônica, o ensaio e a
literatura infantojuvenil. É também editado em Portugal, Itália, França,
Alemanha, Espanha, Dinamarca e Estados Unidos. Premiado no Brasil, Portugal,
Itália e México. Participa de dezenas de antologias no Brasil e exterior.
Autores da melhor distinção e a
crítica especializada têm ressaltado as qualidades de sua poética integrada de
sensualíssimo lirismo, “que em poemas da mais cristalina corrente-do-existir dá a beber a
precária realidade-de-ser”, como observa Maria Irene Ramalho, ensaísta
portuguesa e doutora em Letras. Mas sua poesia também irrompe do fundo do homem
e das coisas, pulsa em suas raízes como no cancioneiro motivado pela
civilização cacaueira baiana. Nasce, assim, com a localização de vozes no lugar
onde o homem teve origem, vive e morre. Também revela uma modulação especial,
que se constitui em atrativo amoroso no qual recria o homem inundado do canto
inspirado pela união carnal e espiritual com a mulher para o que der e vier a
acontecer. Temos então um comportamento mágico da palavra, essa eternidade do Verbo naquilo que é “lampejo”
existencial, paixão indizível, que só a Poesia pode reviver e transcender”,
como assinala a ensaísta Nelly Novaes Coelho.
Desprezando o uso da
linguagem com apelos ao ornamento, operada com excessiva sonoridade verbal,
disfarces na sintaxe invertida para gerar efeitos ou daquela revestida de
expressão hermética cifrada, num código que só o autor entende, seus versos
configuram dizeres de um simples poeta do amor, da natureza, dos seres e das
coisas, que se permite retirar da capanga do tempo uma legítima disposição da
alma lírica nas formas da beleza. Nessa condição do poeta legítimo transmite ao
leitor pequenas porções de encantamento, identificando e celebrando a vida
ritmada com novos renascimentos.
Há nesta capanga de
sonetos os de formato tradicional e os de forma reduzida, que estendem momentos
querendo sustar o tempo riscado no instante breve do eterno. No sopro da ilusão
buscam elevar a alma segura de surpresas para ordenar a existência. Encontramos
neles o brilho dos seres e das coisas, da natureza humana e física quando emite
suas vozes e são capturadas na passagem do amor imaginado com as suas
afirmações e negações nas quais permanecemos ou fugimos durante o tempo em que
existimos.
Seis Poemas do Livro Capanga de
Sonetos
Do Vício Incurável
É na capanga do tempo que guardo
estes sonetos com o vento fazendo
surpresas nos quintais, em cada
instante,
que se cabe no amanhecer cantante.
Vê-se logo, de tudo um pouco tendo,
querem expressar alguns sentimentos
que por dentro e fora ferem
momentos
vistos nos seres e coisas do mundo.
A forma neles mostra-se imperfeita,
sem brilho, vem de minha alma
sedenta,
distante do engenho da natureza.
Leve o tempo nas asas fuga certa,
eterno encanto no que se sustenta,
em mim são como os vícios da
beleza.
Dos Galos
Melhor tê-los nos seus clarins da
aurora
quando anunciam claras
madrugadas,
observá-los rubros com bico e
espora
nas rações benditas,
multiplicadas
por mãos de orvalho, telúricas na
hora
sem rinha e rude medo das
caçadas.
Melhor senti-los nos quintais de
outrora
quando escavam o verde das
jornadas
do que encontrá-los na multidão roucos,
incolores no alto e, no asfalto,
loucos
ou sabê-los solitários nas noites
que passam sempre anônimas e
tristes
e vê-los, emudecidos, na sorte
imutável que os tomba para a
morte.
Da Flauta Plena
Canções aconteceram quando a
vida
em carícia de flauta era
sentida.
Agora, zangada, pisa na relva,
emerge nos gritos hostis da selva.
Canções aconteceram quando a vida
em carícia de lenço era
tocada.
Tinha aquela música que não
ceva
tremores fortes numas folhas de
erva.
Ira erra e-l-e-t-r-ô-n-i-c-a de
pantera,
telex informa calendas de guerra,
rosas enfermas: água, céu e terra.
Apesar dessas vozes que na
cena
Ululam, febris na corrente
insana,
Deixo que se vá minha flauta
plena.
Do Momento Mágico
Se tudo é logro,
sonhar é sabê-lo
em impulso
mágico do existir.
Se buscar bem a
razão do existir,
termina por
encontrar, não o selo
que põe um fim
aos problemas da vida,
mas o
encantamento, inexplicável, da
poesia. A
linguagem é a casa
do ser, a poesia
mora na asa.
Com a beleza
inspirada pelo sonho,
a palavra emprestada pelo sonho,
o ser
apresenta-se com as vestes da
vida e da morte,
e se repete. Nada
fica nos anos,
como o vento passamos.
Na solidão desse
verso sonhamos.
Da Agonia
Não posso parar a
dança que não
descansa numa
sinistra pá. Não
posso encontrar a
chave dessa porta
no lado de
lá. E porque essa porta
nunca se abre não
sei para onde vou,
já não serve o
rio que aqui findou.
Cerca-me esse mar
triste, a voz assim
calada nada propõe, sinto em mim
o inexorável de
meu ser precário.
Incerto, sem
ânimo, provisório.
Indago: se não
fosse a poesia,
toda essa agonia
como aguentar?
Como existir sem
sua companhia?
Entre solidões
como me encontrar?
Das Mãos na Goela das Águas
Venho sendo omisso pra refazer
virginais caminhos de água, dizendo
melhor, matei o que era para
ser
vivo no seu amanhecer líquido.
Eu me acuso por ser indiferente
ao benefício, sempre abundante,
de água pura que jorrava na fonte,
peixe e rede no orvalho
competente.
E como réu confesso que merece
por tão grave delito ser punido,
chegando do que lhe foi natural,
em noite morta,
que nunca apetece,
lavro minha sentença,
condenado
a viver no abismo do que há no Mal.
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