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domingo, 2 de abril de 2023

 

           Amado Galileu

            Cyro de Mattos

      

        Contam que nasceu numa manjedoura, o berço era de palha. Foi anunciado por uma estrela, no céu toda acesa de Deus. Os bichos cantaram: Jesus nasceu! Jesus nasceu! Os pastores tocavam uma música serena nas suas doces flautas. São José, o pai, o que tinha mãos no labor de enxó, plaina e formão, soube que de agora em diante ia talhar a mais pura fé do seu constante coração. A Virgem Maria, mãe do menino, dizia baixinho: Pobrezinho quando for um homem, de tanto nos amar, vai morrer na cruz.

      Os três reis magos foram chegando, vieram de longe, muito longe, atravessaram montanhas e desertos. Traziam, como presente para o menino, mirra, incenso e ouro. Ajoelharam-se. Não eram dignos de tocar naquela palha, mas bastava agora que fizessem o bem ao próximo e seriam salvos. Abelhas com os seus zumbidos de ouro vieram colocar afeto e mel no coração de cada um dos reis.

    Contam mais que foi um menino que brincava como qualquer menino, mas que gostava de ficar às vezes sozinho, olhando para a linha do horizonte. Quando ficou rapaz, não teve dúvida, havia sido o escolhido entre os seres humanos para ultrapassar aquela linha. Para conseguir a façanha teria que fazer uma mágica em que disseminasse uma rosa na manjedoura dos ares. Juntar todas as mãos numa só mesa onde todos seriam irmãos.

     Teve que trazer as sementes dadas pelo Pai para plantar cirandas nas areias do deserto. E os sentimentos daquele homem com olhar de mendigo e profeta correram nas águas doces do rio e seguiram no vento manso, que soprou a flor sozinha na plantinha do brejo. E foram levados pela borboleta até o lugar onde o amor sempre permanece.

      Ora, vejam só, sair por aí de mãos dadas como criança e espalhar num instante só ternura nessa terra? Convencer os homens de que viver vale a pena desde que a vida seja exercida numa comunhão em que não haja desigualdade, injustiça, opressão? A vida sem solidão, a vida como uma dança, a vida sem agressão? Os bichos sem matança e a mata sem queimada? Sem veneno as nuvens na chuva despejando a poluição?

     Os donos do poder no sistema organizado não perdoaram a afronta. Traçaram o mais pérfido calvário. Fizeram que carregasse uma cruz pesada. Puseram uma coroa de espinho na cabeça, cuspiram, chicotearam. Morra o rebelado, o falso profeta, o demolidor da ordem, o mentiroso fazedor de milagre, alardearam.  Os que estavam cegos investiam, urravam, não se cansavam de pedir que fosse condenado o subversivo do sistema.  Ficaram calados quando foi decretada a crucificação. Não aceitaram que no seu lugar ficasse o ladrão, que para ali fora apenado com a crucificação pelos crimes cometidos.

      Mas o que se viu, depois de perversa infâmia vinda de uma perseguição canina, é que até hoje toca um sino na cidade e na campina, só para nos dizer que do menino nascido na manjedoura se fez o homem para ofertar a todos o amor e receber de volta duras pedradas. No final crucificado para que se cumprisse a profecia, o bendito salvador da humanidade veio para nos dizer que era o filho do Pai Eterno, inocente morreu por nos querer mais bem. 

 

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