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quinta-feira, 6 de julho de 2023

 

Um Embaixador Mexicano no Rio

        Cyro de Mattos

 


                Graças à literatura tenho feito bons amigos. O último deles foi há poucos anos. É um americano, erudito, sensível, atencioso, qualidades inconfundíveis de seu caráter. Professor Emérito da Universidade de Austin, Texas, 
Fred Ellison tem um amor forte pelo Brasil. O abraço rico que vem dando há anos ao nosso País manifesta-se no ensino de língua e literatura brasileira nos Estados Unidos, passa pelo ensaísmo lúcido e alcança traduções admiráveis de autores importantes de nossas letras, como Rachel de Queiroz, Helena Parente Cunha, Adonias Filho e Affonso Romano de Sant´Anna. Para minha sorte, alguns poemas de minha lavra levam a marca da tradução exemplar do caro amigo.

“Brasilianista” dos melhores, Fred Ellison proporciona agora em “Alfonso Reyes e o Brasil” (Editora Topbooks, Rio, 2002) estudo substancioso sobre a temporada que o embaixador-poeta mexicano passou entre nós, morando no Rio, cidade que tanto o encantou desde que aqui chegou. O assunto encontra no americano o ensaísta maior. A pesquisa criteriosa do espírito sensível, que caminha de mãos dadas com o discernimento para erguer na escrita agradável uma vida intelectual plena de reflexões, projeções, esperanças e realizações em chão brasileiro.

Desse livro emerge todo o clima intelectual e emotivo que o embaixador-poeta mexicano teve pelo Brasil durante os sete anos em que aqui esteve. Abordam-se como nenhum intelectual brasileiro tentou fazer até hoje, o que não deixa de ser omissão lamentável, as múltiplas atividades e relações culturais que Alfonso Reys empreendeu em prol do Brasil. Foram anos em que ele, morador do Rio, dedicou-se de modo afetuoso às relações diplomáticas e à cultura brasileira, em namoro intenso, de quem escreveu contos, poemas e ensaios tendo como ponto de referência nossas coisas e gente.

              O livro de Fred Ellison é leitura obrigatória para quem quiser saber sobre a vida cultural do Brasil nos anos 30. Reconhecer intelectuais do círculo de relações de Alfonso Reyes, bem como suas atuações culturais em nossas artes e letras. Cecília Meireles, Oswald de Andrade, Renato Almeida, Di Cavalcanti, Portinari, Cícero Dias, Manuel Bandeira, Ribeiro Couto e Alceu Amoroso Lima, estes foram alguns de nossos homens de letras e artes que se tornaram amigos desse embaixador e escritor de extração renascentista. Manuel Bandeira fala do mexicano com afeto em “Rondó dos Cavalinhos”, no almoço de despedida oferecido por diplomatas e entidades brasileiras no Jóquei Clube do Rio, e no outro poema “Rondó do Palace Hotel”, no qual os dois últimos versos, “Por alguém que não está presente/ No hall do Palace”, dizem respeito a Alfonso Reyes.


         


             O diplomata mexicano teve ânsias de entrar em contato com os intelectuais brasileiros assim que aqui chegou. No início, nossos homens de letras não foram tocados pelos acenos do mexicano, que nunca escondeu nas intenções e atitudes a 
inquieta admiração pelos brasileiros e sua paisagem. Momentos de amizade foram se fazendo com nitidez pouco depois, e, dos encontros que continuavam, a oportunidade era dada ao intercâmbio de ideias, informações e juízos críticos consistentes.

          Até hoje pouco se sabia da atuação e amor desse notável embaixador-poeta- mexicano pelo nosso País. Acredito que o mesmo se deu com a minha geração nos anos 60. No livro de Fred Ellison, através de entrevista concedida a Aurélio Buarque de Holanda, posso sentir como esse embaixador mexicano teve no Brasil uma temporada das mais felizes de sua vida, contribuindo para isso dois elementos essenciais: o homem e a natureza. “Tudo do melhor em minha existência”, ele assinalou, em momento de puro encantamento. E, nessa admiração contagiante pelo Brasil, de um estrangeiro enamorado do Rio, cada vez mais, tantos foram os elogios que todos os mexicanos quiseram vir ao Brasil como embaixador e desse modo lhe tomaram o posto.

Río de olvido

Alfonso Reyes

Río de EneroRío de Enero:

fuiste río y eres mar:

lo que recibes con ímpetu

lo devuelves devagar.

 

Madura en tu seno al día

con calmas de eternidad:

cada hora que descuelgas

se vuelve una hora y más.

 

Filtran las nubes tus montes,

esponjas de claridad,

y hasta el plumón enrareces

que arrastra la tempestad.

 

¿Qué enojo se te resiste

si a cada sabor de sal

tiene azúcares el aire

y la luz tiene piedad?

 

La tierra en el agua juega

y el campo con la ciudad,

y entra la noche en la tarde

abierta de par en par.

 

Junto al rumor de la casa

anda el canto del sabiá,

y la mujer y la fruta

dan su emanación igual.

 

El que una vez te conoce

tiene de ti soledad,

y el que en ti descansa tiene

olvido de lo demás.

 

Busque el desorden del alma

tu clara ley de cristal,

sopor llueva el cabeceo

de tu palmera real.

 

Que yo como los viajeros

llevo en el saco mi hogar,

y soy capitán de barco

sin carta de marear.

 

Y no quiero, Río de Enero,

más providencia en mi mal

que el rodar sobre tus playas

al tiempo de naufragar.

 

—La mano acudió a la frente

queriéndola sosegar—.

No era la mano, era el viento.

No era el viento, era tu paz..

 

 

*Do livro Romances del Río de Enero, 1932.

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