Um Embaixador Mexicano no Rio
Cyro
de Mattos
Graças à literatura tenho
feito bons amigos. O último deles foi há poucos anos. É um americano, erudito,
sensível, atencioso, qualidades inconfundíveis de seu caráter. Professor
Emérito da Universidade de Austin, Texas, Fred Ellison tem um amor forte pelo
Brasil. O abraço rico que vem dando há anos ao nosso País manifesta-se no
ensino de língua e literatura brasileira nos Estados Unidos, passa pelo
ensaísmo lúcido e alcança traduções admiráveis de autores importantes de nossas
letras, como Rachel de Queiroz, Helena Parente Cunha, Adonias Filho e Affonso
Romano de Sant´Anna. Para minha sorte, alguns poemas de minha lavra levam a
marca da tradução exemplar do caro amigo.
“Brasilianista” dos melhores, Fred Ellison
proporciona agora em “Alfonso Reyes e o Brasil” (Editora Topbooks, Rio,
2002) estudo substancioso sobre a temporada que o embaixador-poeta mexicano
passou entre nós, morando no Rio, cidade que tanto o encantou desde que aqui
chegou. O assunto encontra no americano o ensaísta maior. A pesquisa criteriosa
do espírito sensível, que caminha de mãos dadas com o discernimento para erguer
na escrita agradável uma vida intelectual plena de reflexões, projeções,
esperanças e realizações em chão brasileiro.
Desse livro emerge todo o clima intelectual e
emotivo que o embaixador-poeta mexicano teve pelo Brasil durante os sete anos
em que aqui esteve. Abordam-se como nenhum intelectual brasileiro tentou fazer
até hoje, o que não deixa de ser omissão lamentável, as múltiplas atividades e
relações culturais que Alfonso Reys empreendeu em prol do Brasil. Foram anos em
que ele, morador do Rio, dedicou-se de modo afetuoso às relações diplomáticas e
à cultura brasileira, em namoro intenso, de quem escreveu contos, poemas e
ensaios tendo como ponto de referência nossas coisas e gente.
O livro de Fred
Ellison é leitura obrigatória para quem quiser saber sobre a vida cultural
do Brasil nos anos 30. Reconhecer intelectuais do círculo de relações de Alfonso Reyes, bem
como suas atuações culturais em nossas artes e letras. Cecília Meireles, Oswald
de Andrade, Renato Almeida, Di Cavalcanti, Portinari, Cícero Dias, Manuel
Bandeira, Ribeiro Couto e Alceu Amoroso Lima, estes foram alguns de nossos
homens de letras e artes que se tornaram amigos desse embaixador e escritor de
extração renascentista. Manuel Bandeira fala do mexicano com afeto em “Rondó
dos Cavalinhos”, no almoço de despedida oferecido por diplomatas e entidades
brasileiras no Jóquei Clube do Rio, e no outro poema “Rondó do Palace Hotel”,
no qual os dois últimos versos, “Por alguém que não está presente/ No hall do
Palace”, dizem respeito a Alfonso Reyes.
O diplomata mexicano teve
ânsias de entrar em contato com os intelectuais brasileiros assim que aqui
chegou. No início, nossos homens de letras não foram tocados pelos acenos do
mexicano, que nunca escondeu nas intenções e atitudes a inquieta
admiração pelos brasileiros e sua paisagem. Momentos de amizade foram se fazendo com nitidez
pouco depois, e, dos encontros que continuavam, a oportunidade era dada ao
intercâmbio de ideias, informações e juízos críticos consistentes.
Até hoje pouco se sabia
da atuação e amor desse notável embaixador-poeta- mexicano pelo nosso País.
Acredito que o mesmo se deu com a minha geração nos anos 60. No livro de Fred
Ellison, através de entrevista concedida a Aurélio Buarque de Holanda, posso
sentir como esse embaixador mexicano teve no Brasil uma temporada das mais
felizes de sua vida, contribuindo para isso dois elementos essenciais: o homem
e a natureza. “Tudo do melhor em minha existência”, ele assinalou, em momento
de puro encantamento. E, nessa admiração contagiante pelo Brasil, de um
estrangeiro enamorado do Rio, cada vez mais, tantos foram os elogios que todos
os mexicanos quiseram vir ao Brasil como embaixador e desse modo lhe tomaram o
posto.
Río de olvido
Alfonso Reyes
Río de Enero, Río de Enero:
fuiste río y eres mar:
lo que recibes con ímpetu
lo devuelves devagar.
Madura en tu seno al día
con calmas de eternidad:
cada hora que descuelgas
se vuelve una hora y más.
Filtran las nubes tus montes,
esponjas de claridad,
y hasta el plumón enrareces
que arrastra la tempestad.
¿Qué enojo se te resiste
si a cada sabor de sal
tiene azúcares el aire
y la luz tiene piedad?
La tierra en el agua juega
y el campo con la ciudad,
y entra la noche en la tarde
abierta de par en par.
Junto al rumor de la casa
anda el canto del sabiá,
y la mujer y la fruta
dan su emanación igual.
El que una vez te conoce
tiene de ti soledad,
y el que en ti descansa tiene
olvido de lo demás.
Busque el desorden del alma
tu clara ley de cristal,
sopor llueva el cabeceo
de tu palmera real.
Que yo como los viajeros
llevo en el saco mi hogar,
y soy capitán de barco
sin carta de marear.
Y no quiero, Río de Enero,
más providencia en mi mal
que el rodar sobre tus playas
al tiempo de naufragar.
—La mano acudió a la frente
queriéndola sosegar—.
No era la mano, era el viento.
No era el viento, era tu paz..
*Do livro Romances del Río
de Enero, 1932.
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