Meu Ginásio Inesquecível
Cyro de Mattos
O grande sonho
dos estudantes de meu tempo era concluir o curso primário e, submetidos ao
exame de admissão, ingressar no ginásio. Ser aluno do Ginásio Divina
Providência era a maior glória. Significava pertencer a uma classe privilegiada
de estudantes, motivo de orgulho dos pais e ser admirado por pessoas
importantes.
Ginásio de
meninos e meninas como nuvens. Aquelas mesmas nuvens que acompanham a criatura
humana em seus primeiros passos. Juntos queriam construir o futuro. Queriam
melhorar de nível, atingir metas e entender o mundo. Buscavam arma e bagagem
para um dia tornar a vida rica de significados. Por isso suportavam o massacre
diário, com exercícios aritméticos, lições de português, ciências naturais,
geografia e história.
Era um
tempo de desafio constante povoado de sombras. Tempo que ia passando com uma
pesada carga de estudos. Noites de expectativa, alegria e susto quando chegava
ao fim do ano. Havia em nosso ginásio professores com a sua maneira de ser
rigorosa, como Nivaldo Rebouças, que ensinava inglês, e Odete Midlej,
português. Havia também os de coração de açúcar, como Helena Borborema, Padre
Nestor, Lode Hage e “Seu” Queirós. Professores responsáveis que não faltavam
aula durante o ano, deixando nas lições sem disfarce a palavra fluir com
dedicação e competência. Professores que, na voz tolerante, rigorosa ou
paciente, faziam que os alunos amassem ou respeitassem o ginásio.
Ginásio dos
meus verdes anos. Dos meninos Roland, Rafael e Nilton Gago. Das meninas Yeda,
Ritinha e Mary Kalid. Dos advogados Joel, Eraldo, Gervásio e Rui Fontes. Do
engenheiro Dagô. Dos médicos Moacir Oliveira, Euvaldo Mattos, José Rebouças,
Antônio Menezes, João Otávio e José Orlando. Do escrivão Ronald Cravo, delegado
Péricles e juíza Sônia Carvalho Maron. Do deputado Jorginho Hage e prefeito
Ubaldo Dantas. Do gringo Marcel Midlej. Das piadas inesquecíveis de Nilton Jega
Preta. Dos namorados Carlos Euvaldo e Clotildes, Neviton e Marilene. Do goleiro
Edsel e Chico, o craque. Do odontólogo Cleres Franco. Dos Irmãos Ildo, Eudes,
Uraci e Ovaci. Dos artistas plásticos Bebeto e Renart. Dos que já não estão
mais na sala, se foram cedo na viagem sem volta. João Berbert, Alberto Simões,
Valter Delmondes, Vadinho. Valter Delmondes saltou da pequena ponte para as
profundezas de águas escuras. Aquela sombra que infunde medo instalou-se nas
salas do ginásio. Pela primeira vez, solitário, eu indagava sobre a escuridão daquelas
águas traiçoeiras.
Setembro
tinha sentido com a cor do desfile no ar verde e amarelo. Tambores uníssonos,
compenetrados do toque, rufavam a pátria amada. Marcha cívica ou efervescente
música na pele de adolescentes com a alma de girassóis flamantes? Nem o
aguaceiro que despencou de repente conseguiu tirar o brilho de um escudo
glorioso sob os passos encharcados de sonho.
Ginásio
de velhas brincadeiras em vozes tão novas. Dona Lindaura, a diretora, certa vez
me disse que o Colégio Divina Providência foi fundado pela Sociedade São
Vicente de Paulo, em 1924. Anos depois, o ginásio começou a ser administrado
pelas irmãs de caridade. Criatura de estatura pequena, cabelos brancos e ralos,
a diretora do ginásio seguia nos passos firmes todos os dias rumo ao antigo
sobrado da Rua São Vicente de Paulo. Da primeira lição que ela me ensinou,
nunca esqueci. Disse que para alguém ser gente na vida precisava conviver com o
hábito do estudo. Ser gente era munir de saber a ideia.
Nesse tempo
a cidade pequena escorregava na lama do inverno. Os alunos passavam a conhecer
que as sementes boas do estudo para munir a ideia estavam no primeiro ginásio
da cidade. Colheitas desse saber foram realizadas em pouco tempo. Com o passar
dos anos, para orgulho dos pais, tornaram-se constantes. Produziriam rimas
ricas.
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