A Mais Difícil Prova
Cyro de Mattos
Montado no jumentinho.
Barba ruiva por fazer, cabelos crescidos entrando pelos ouvidos. Corpo magro,
camisolão esfarrapado. Lábios feridos, sedentos na travessia do deserto. Olhos
pálidos na cavidade das órbitas fundas. Pediu água ao homem, que estava enchendo
o pote na fonte. O homem achou estranho,
alguém querendo ter alguma coisa de graça na aldeia, tudo ali era pago.
Foi a uma hospedaria, lá pediu um
pouco dos restos de comida deixada pelos hóspedes. Só havia comido gafanhoto no
deserto, assim mesmo quando com sorte encontrava. O dono da hospedaria achou
absurdo o que pedia. De graça não ia conseguir nada. Trabalhasse como os
outros. Tinha que pagar para comer as sobras da comida, eram aproveitadas pelos
porcos.
De volta à montanha. Vários dias em
jejum. Apareceu na feira num sábado. A feira cheia de gente como sempre.
Curiosos formaram grande multidão em torno dele.
Disse numa voz clara e
vagarosa:
- O dinheiro não é o
mandamento de tudo, a força do mundo. Não compra o amor, a amizade, a paz,
tantas coisas maravilhosas.
Alguns chegaram com as
tabuletas. Mostraram à multidão de curiosos diante dele. Diziam:
Dinheiro
eu te quero bem,
Por isso o meu bolso
sempre tem.
Se o dinheiro não traz felicidade,
Me dê o seu e seja feliz.
Dinheiro estocado,
Pensamento comprado
Quem disser que tem
amigo
Tem de si pouca ciência.
Amigo só existe aquele,
O da própria conveniência
Braços dele clamando aos céus:
- É
mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que o rico entrar no
reino do céu.
Pronunciou as palavras com o peito
contrito, certo de que estava alertando os incautos com uma frase de sabedoria
milenar.
Recebeu estrondosa vaia. Os mais irados
pegaram pedras. Começaram a atirar nele.
Pisotearam,
cuspiram no cadáver. Acharam que devia ser enterrado ali mesmo, evitando-se que
as carnes dele, com um cheiro horroroso, propagassem a peste.
Jogada a última pá de terra no
buraco, o céu escureceu, trovões ribombaram no lado do crepúsculo. Chuva de
fogo caiu de repente, túmulos abriram-se, vento uivou sem cessar. Terremoto começou a partir a terra em pedaços.
Tempos depois, o Conselho dos Aldeões
Velhos mandou erguer o monumento junto ao túmulo para homenagear a sua memória.
No pedestal da estátua do homem desconhecido, colocaram esta inscrição:
A MAIS DIFÍCIL PROVA É
A DA INOCÊNCIA
*A mais difícil prova é a da inocência, verso do poeta Cassiano Ricardo.
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