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quinta-feira, 21 de março de 2024

 

             Terras de Salamanca

             Cyro de Mattos                           

 

Em outubro de 2013, participei do XVI Encuentro de Poetas Iberoamericanos em Salamanca, Cidade de Cultura e Saberes. Na oportunidade fiz lançamento de meu livro Onde estou e sou/Donde Estoy y soy , livro que primeiro foi publicado no Brasil e depois na Espanha pela Verbum Editorial, de Madri. Dei depoimento na universidade sobre minhas atividades literárias no Brasil, ao longo dos anos. Recitei poemas de minha autoria no Liceu de Salamanca lotado, juntamente com outros poetas presentes ao XVI Encuentro. Doei livros de minha autoria ao Centro de Estudos Brasileiros, em ato que constou da programação do evento que reunia poetas íbero- americanos.

Amizade que ficaria selada para sempre foi a que fiz com o poeta peruano-espanhol Alfredo Pérez Alencart, o coordenador dos Encuentros, figura rara como construtor de pontes entre os poetas ibero-americanos que comparecem ao evento de repercussão internacional. Professor da Universidade de Salamanca, esse incansável disseminador de poesia é poeta de alto nível, traduzido e publicado em mais de vinte idiomas. Um ser humano que veio a esse mundo para iluminar com a poesia a parte noturna de que somos feitos. Tinha em Jaqueline, sua princesa, a mulher ideal para acompanhar-lhe na aventura da existência.

Durante o Encontro tive a oportunidade de saber que Salamanca foi no início uma aldeia na colina, estava com ela séculos sobre o rio Tormes, inclinados à disseminação da arte e ao saber. Testemunhavam a passagem do tempo na formação da paisagem lendária váceos, vetões, romanos, visigodos e muçulmanos. Uma vocação universitária ressoava sob os passos do sol e da chuva, sustentava uma grande tradição de esplendor monumental. Por sua beleza antiga e riqueza histórica, o tempo foi justo ao fazer com que Salamanca ficasse conhecida como a Cidade de Cultura e Saberes.

Ficamos sabendo que na Plaza Mayor ocorrem falares diversos, decorrentes de frequente convivência entre o alegre e o triste, nisso que é esperança e incerteza em nossa caminhada na vida. Capítulos assim ali escorrem da vida cidadã, muitas vozes de mim e de outros fazendo o intercâmbio da natureza humana nesse antigo teatro da vida. Nas ruas iluminadas pelo ouro da cultura e do saber não se pode deixar de pensar que nelas andaram Fray Luiz de Léon, Unamuno, Francisco de Vitoria, Francisco de Salinas, Cervantes, São João de La Cruz, Luís de Gôngora, Santa Teresa de Jesus, Lope de Vega, Mateo Alemán, Vicente Espinel, Quevedo e Calderón de la Barca.

Naquelas ruas foram gravados os gestos da sabedoria e santidade humanas, refletidos por duas extraordinárias catedrais. Antes que adentre na cidade, o visitante é recebido com a alma gêmea delas. Numa casa de guardiã memória, conchas representam a cidade por vários rumos, decoram o mundo que estaciona para vê-la. Nas dobras do tempo, Salamanca oferta encantos ao visitante, inventa-se nessa crença de pedra, história e vasta fé. Apresenta-se sempre como um desafio, um mito, uma abertura, um enigma. De sentidos múltiplos, memórias que nela achamos e nos vemos inseridos em séculos de beleza antiga. 

            A fachada de casas, igrejas e edifícios basta para entender que estamos na história. Caminhar é a forma de descobrir segredos de quem também sabe ser contemporânea, jovial com estudantes de tantos lugares misturados na face agitada da cidade recheada de tradições na bela e antiga arquitetura. Quando a noite cai, luzes enchem a parte noturna, lugares em que o coração aprende que o amor se faz amando o mito, que se apodera da alma.

          Ó Salamanca, aqui o que vejo na tua fronte faz-nos como o ser da história. Essa luz que de ti se espraia a todo instante vem de teu chão para erguer os saberes seculares nos beirais floridos. 

 

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