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sábado, 27 de abril de 2024

 

             Tempos de Ferradas 

             Cyro de Mattos

 

              Para

            Jorge Amado

           e Telmo Padilha,

          em memória.

 

De tanto estar o céu 

em longe amanhecer

dizendo o bem na fé      

houve o padre Livorno 

com a sua batina mágica.

 

Ecoava temente a Deus  

sua voz no chão bárbaro

indiferente ao que dizia

a escritura da paixão.

A catequese do louvor

 na sapiente profecia

se ligava nos indígenas

como refúgio do amor.

.

Cruzavam solidões

sacolejando na carga

os que vinham de longe.

No pouso do povoado

queriam nova ferradura

para o casco da burrada.

 

Em alvoroço de festa

ferravam até as árvores,

uma coisa grandiosa de ver

onde deixavam sua marca 

para o mundo não esquecer.    

 

O machado anunciou          

os propósitos da terra,  

duras mãos enredaram 

grossos nós do destino.   

Com talhos na jaqueira

a folhinha imprimiu      

as vastidões desoladas.     

 

Em ébrio ouro vegetal

facão e podão dançaram. 

Comercinho novo

veio cifrar o mundo,

o fazer das ferramentas

anotava a cada chuvada

a arte de influenciar a lavra.

 

Inaugurou-se a praça

com boa água ardente.

Lá para as tantas

viola no peito gemia,

 sua irmã sanfona

retirava da lágrima     

sons agudos com suor,           

frio e assombro da serra

nos dias de ventania. 

 

Em casas escoradas

o bafo da noite abafada, 

na cama de vara o coito

quente ligando corpos

na danada hora do gozo

se amassando gemendo

no ninho acontecendo.   

 

Marasmo de rua comprida

oculta os dias de outrora

amadurecidos na safra 

dourada como a riqueza

sobrado amanhecendo,

o sol sumindo sem brilho

na vontade alquebrada

soterrada de desejos.

 

Armazém de porta larga

guarda o tempo remoto  

das estações grávidas,

a barcaça com amêndoas

valendo tanto quanto ouro.

 

Ferradas nem mais viceja,

 dorme agora onde sombras

envolvem a praça calada

perto da igreja em vigília      

à espera de gente humilde

que vem à procura de Deus.  

 

Sua atitude sem o cheiro

de resina se liga à memória   

de bairro-mãe desprezado

ao léu de omissões seguidas,

ninguém quer conhecer   

como ali se plantou a vida. 

 

Ao invés do vazio na história

tudo que deseja é um caminho,

nada mais correto o lugar

que lhe é devido nos frutos,   

o amor ao amor retorna

quando a razão tem caráter,

protege o que é da terra

numa ação de erguimento

e não como longo despejo   

através da cor desbotada.     

 

 

 

 

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