Omissão
na Cultura
Cyro
de Mattos
A quem cabe zelar pela cultura de um povo e não
corresponde aos seus apelos comete omissão imperdoável. A cultura alimenta a
autoestima e reforça os laços identitários de uma sociedade nas suas relações
com a vida. Se a educação é o corpo da sociedade, que precisa ser
bem alimentado, que dizer de sua alma, a cultura? Quem não valoriza a cultura
de seu povo, contribui para que não haja resposta quando se pergunta qual é o
seu nome, onde você nasceu e para onde você vai. Torna assim o ser humano um
caminhante no vazio do estar para viver ou, se quiserem, cadáver ambulante que
procria, como diz o poeta Fernando Pessoa.
O
que vemos por aqui entristece. Ainda hoje viceja esse comportamento atávico
para anular o que foi produzido para representar e permanecer como referência
do nosso patrimônio cultural. O Museu da Casa Verde, por exemplo, que antes foi
o espaço de convivência social da elite, com reuniões importantes de políticos,
quando então eram debatidos assuntos relevantes de nossa cidade, encontra-se
fechado há tempos. Seu patrimônio valioso, que muito diz sobre a história da
burguesia cacaueira no tempo dos coronéis, está encoberto pelas sombras da
indiferença do poder público. Assim contribui para que o visitante, o estudante
e o habitante dessa terra desconheçam um capítulo importante da civilização do
cacau, com seus costumes, valores, linguagens, suas relações políticas e
sociais como marcas de uma maneira singular de proceder perante o
mundo. Não recebe o mínimo apoio do poder público, da classe
empresarial e de clube de serviço, para que se torne um espaço movimentado com
vistas ao conhecimento da história coletiva municipal e regional.
O
quiosque Walter Moreira, na praça Olinto Leoni, obra realizada na gestão do
professor Flávio Simões, quando presidente da Fundação Itabunense de Cultura e
Cidadania, foi demolido. Já serviu para exposições de artistas plásticos
locais, comércio de artesanato, lançamento de livro e local como parte das
comemorações no Dia de Cidade, com exposição de fotos históricas e dos
prefeitos. Dá pena saber o destino que impuseram ao Quiosque Walter Moreira no
jardim da Praça Olinto Leoni. A memória desse artista da cor, que passou uma
vida retratando na tela a paisagem humana e física dessa terra, não merece essa
pancada.
O
Monumento da Saga Grapiúna, criado pelo artista Richard Wagner, itabunense de
fama mundial, erguido nas proximidades do Supermercado Jequitibá, é uma
homenagem aos elementos formadores da civilização grapiúna – o sergipano, o
negro, o índio e o árabe, e não está tendo melhor destino. Monumento que remete
as gerações de hoje e de amanhã à infância da civilização do cacau, em nossa
cidade e na região, encontra-se também no descaso. O gradil protetor ao seu
redor está danificado, lá dentro o seu interior serve de depósito de coisas
imprestáveis e lixo. Não existe fiscalização nem proteção para preservar uma
obra artística e cultural de valor inestimável. Árvores cresceram ao
seu redor, tirando-lhe a visibilidade.
Com sua beleza rica de significados, em que se
retrata a história da civilização cacaueira baiana, representada em figuras,
símbolos, cenas e paisagens, o painel composto de azulejos, criado pela arte
genial de Genaro de Carvalho, instalado no prédio Comendador Firmino Alves,
onde funcionava o antigo Banco Econômico, entre a avenida do Cinquentenário e a
praça Adami, nos idos de 1953, é indiscutivelmente um dos patrimônios
artísticos de incalculável valor dessa terra
onde nasceram o romancista Jorge Amado e o poeta Telmo Padilha.
Essa
obra de arte magnífica esteve entregue à indiferença de autoridades, ao longo
dos anos. Ficou sem alguns azulejos, na frente serviu para que
camelôs fixassem seus produtos à venda no comércio informal. A FICC fez a
reconstituição das avarias no painel, mas até hoje a valiosa obra de Genaro de
Carvalho não teve a preservação merecida para que seu estado não volte como
antes. Na frente dele, camelôs improvisam o gradil como expositor para vender
seus produtos. Dentro do gradil protetor guardam a bicicleta. A poluição visual do painel às vezes
prossegue com a faixa estendida de um poste a outro, na frente, para anunciar a
venda de um produto novo chegado ao comércio local.
. O prédio do Colégio
Divina Providência e o do Cine Itabuna tomaram uma destinação comercial, nem
parece que ali a vida saudável fez morada, através de gerações que aprendiam
com mestres do ensino em um e se divertiam com Oscarito e Grande Otelo, o Gordo
e o Magro, no outro.
Perdemos o Castelinho, o
Cine Itabuna, o prédio do Ginásio Divina Providência, o casarão do coronel
Henrique Alves dos Reis, o Campo da Desportiva, o Teatrinho ABC na Praça
Camacã, a fachada da residência onde morou o comendador Firmino Alves e sua
família na praça Olinto Leoni está desfigurada. Até quando vamos continuar
maltratando a nossa memória e o nosso patrimônio arquitetônico, portador de
rico simbolismo em nossa história?
E o rio Cachoeira, que
tanto contribuiu para a progressão da cidade, alimentou os pobres, forneceu
ganho às gentes do povo, teve peixe em abundância quando as águas eram claras?
Há tempos vem chorando água, virou um esgoto a céu aberto.
Estamos perto das
eleições municipais. Será que com o prefeito que vai chegar, ou mesmo que o
atual se reeleja, ocorrerá mudança nessa mentalidade tacanha? Tomara! Ainda há tempo para amparar a nossa cultura,
que é rica de conteúdo e história, e salvar o que resta. Basta boa vontade.
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